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 Bruno Santana e o Antiquário da Magia

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Eusine48
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MensagemAssunto: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySáb 28 Nov 2020 - 13:34

Olá pessoal, como vocês estão?

Durante esse mês de novembro, estive me dedicando à uma história completamente nova e sem relação com as anteriores aqui do Path Makers. Começou com um sonho que tive alguns meses atrás, mas não pude evitar de pensar cada vez mais e mais detalhes... até culminar em algo que daria uma história!

Não pretendo me dedicar inteiramente a ela por enquanto. Afinal, precisamos terminar o Capítulo 5 do crossover Dimentional Adventures. Mas, quando o crossover acalmar, eu volto com tudo. Talvez eu consiga escrever isso aqui nos tempos extras, então quem sabe veremos o capítulo 2 em dezembro ou janeiro? Não prometo nada, entretanto.

A ideia aqui é a história se passar num mundo parecido com o mundo real, mas, ainda assim, repleto de magia e de seres fantásticos. Só que, aqui, eles vivem escondidos dos seres humanos. É possível que eu transforme isso num livro oficial, então por favor tratem com carinho, atenção e criticismo (positivo) quando forem ler, okay?

Enfim, deem as boas vindas à Bruno Santana!

Bruno Santana e o Antiquário da Magia Recepz13
Meus outros personagens principais já receberam Bruno com entusiasmo! Bem, quase todos...

Sinopse:

Bruno Santana e o Antiquário da Magia Book1811
Créditos ao Mr.Galleom pela imagem de capa!

Uma figura de capa e capuz se senta em cima de um teleférico na estação abandonada no subúrbio da cidade. Enquanto recupera seu fôlego após a subida, ele observa com nostalgia aquela região residencial, notando os aspectos que mudaram desde a última vez que esteve ali. Desta vez observa tudo com confiança e se sente como um rei retornando para seu trono de direito.

Seus olhos encontram um garoto com mochila nas costas, certamente carregando os livros da escola, caminhando pelas ruas com naturalidade e uma certa pressa. O topo da torre de rádio balança de um lado para o outro por conta de uma ventania, lembrando a figura encapuzada de que já está na hora de descer.

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O céu fica cada vez mais escuro conforme nuvens de tempestades se aproximam sendo trazidas por ventos de sul. Caminhando com passos acelerados, Bruno abre a porta do antiquário Canto do Mundo, fazendo os sinos pendurados próximos à porta de entrada soarem anunciando sua entrada. Ele nunca deixa de visitar a loja diariamente, independentemente de quais sejam as condições de tempo.

Capítulo 01 – O Dia em que Deixaram Bruno Cuidando do Antiquário (Parte 1)

O antiquário é como uma segunda casa para o garoto, mas, internamente, ele sente como sendo essa a sua casa principal. Enquanto o local em que reside com seu pai serve basicamente para guardar seus bens, poder jantar, dormir, tomar café da manhã e passar os domingos e feriados no tédio absoluto, o antiquário é local onde ele nunca está sem nada para fazer, sempre há uma nova coisa velha para ler, assistir, apreciar, arrumar, cheirar, escutar. E, além de tudo isso, é um recinto onde pode se sentir à vontade.

Se alguém perguntasse detalhes sobre como é o antiquário Canto do Mundo, se surpreenderia com a forma na qual Bruno começaria contando precisamente sobre os relógios pendurados na parede à direita da entrada. Estes variam desde modelos pequenos e simples, redondos e com moldura de madeira, até grandes e espalhafatosos, com formato de casas e possuindo pêndulos de ouro que balançam de um lado para o outro abaixo dos ponteiros. O tic tac de todos eles são perfeitamente sincronizados e marcam o tempo correto. Garantia do Velho Getúlio, acrescentaria Bruno.

Além dos relógios, a parede ganharia destaque na descrição por ser preenchida por estantes de metal, após os relógios, onde nelas estão dispostos aparelhos de diversas utilidades diferentes. Máquinas de datilografia, de costura, telefones de disco, rádios FM, televisões de tubo, videogames, aquecedores e coisas que Bruno não fazia ideia de qual havia sido o propósito daquilo existir.

A parede esquerda também ganharia sua devida ênfase na descrição de Bruno. Ela possui aquelas mesmas estantes de metal, porém, indo de uma ponta à outra da parede. A primeira parte dessas estantes é lotada de livros de segunda mão, incluindo (mas não se restringindo à): enciclopédias, dicionários, livros históricos, terror, romance para mulheres, ficção científica, fotografias, biografias e muitos, muitos, muitos livros de literatura. São tantos que o espaço já havia acabado à muito tempo e tinham livros que precisaram ser postos abaixo das estantes e à frente delas, em pilhas, obstruindo parcialmente a passagem. Vez ou outra o Velho Getúlio passa perto dessas pilhas e automaticamente resmunga sobre como os jovens não se interessam mais pelos clássicos.

Por mais que se tivessem livros antigos de sobra, eles não poderiam ocupar aquele lado inteiro do antiquário, afinal, não são a única prioridade ali. A segunda parte das estantes à esquerda é ocupada por uma série de objetos menores. São sessões inteiras de miniaturas de carros, estatuetas, louças de porcelana, globos terrestres, figuras de ação de jogadores de futebol, garrafas comemorativas, latas de bebidas de marcas antigas e muito mais. Sobre essa parte em específica do antiquário, Bruno comentaria sobre as constantes mudanças na mercadoria, pois colecionadores de todos os cantos do país vez ou outra aparecem para comprar itens valiosos na mesma velocidade em que pessoas comuns, desavisadas das raridades que possuem em mãos, as vendem como se não fossem nada.

Bruno geralmente passa ao lado dessas estantes à esquerda, como está fazendo nesta tarde de quase chuva, graças à um item específico, uma caveira de prata e olhos de safira que o garoto tem certeza que segue seus passos com os olhos de pedras preciosas. Em todos os anos que o estudante do ensino médio visita o antiquário, ninguém nunca tentou compra-la, mesmo sendo um dos itens mais bonitos da loja. À primeira vista aparenta ser inofensiva, mas o seu misticismo sempre atrai Bruno de forma que-

* Tuc! *

Bruno bate com a cabeça em um aeromodelo do 14 Bis. Nem mesmo o teto é livre de antiquarias, com aeromodelos de aviões, balões, foguetes e até satélites pendurados com barbante como se estivessem em um eterno e complexo combate aéreo estático. São o produto em menor quantidade na loja, aparecendo apenas aqui e ali, fato que a cabeça de Bruno agradece muito. Na verdade, avião em questão está bem abaixo do normal para Bruno conseguir acertá-lo com a cabeça, então o rapaz decide ajustar o barbante que o prende no teto, por meio de um suporte escondido atrás de uma das estantes, evitando assim futuros acidentes. Vez ou outra alguém tinha de fazer isso com os barbantes para que não atrapalhem os clientes.

A parte favorita do Canto do Mundo para Bruno não é nada que fique à esquerda, à direita e nem mesmo no teto. Ele contaria, com os olhos brilhando de emoção, que são a mercadoria que fica exatamente no centro da sala do antiquário. Lá estão posicionadas duas fileiras de caixotes de madeira, 12 ao todo, repletas de discos de vinil, de diversos gêneros musicais e épocas diferentes. Bruno descreveria o quanto sua vida mudou após começar a explorar aqueles discos, descobrindo seu verdadeiro gosto musical e podendo o ampliar a cada novo dia que passa.

Velho Getúlio não é grande entendedor de música e nem tem um gosto particular por algum gênero em específico, se restringindo a dizer que “prefere as clássicas”. Muito do que Bruno descobriu (além de ouvindo por conta própria) foi lendo biografias e velhas revistas especializadas que vez ou outra aparecem por ali. Como nem o antiquário e nem a sua casa tem wi-fi, internet acaba sendo a última das opções.

A escolha do disco de hoje foi fácil, pois já estava com ele na cabeça desde que saira da escola para pegar o metrô na saída. O garoto interrompe sua respiração momentaneamente enquanto vasculha os discos no segundo caixote da esquerda, preocupado de terem comprado um dos seus favoritos durante a manhã. Poucos segundos depois e Bruno pode voltar a respirar aliviado, pois o disco ainda está no mesmo local que ele o deixara. Como é possível que ninguém vem comprar aquela obra prima?

Outra parte interessante são algumas caixas de papelão que ficam no chão após os caixotes com vinis. Pela falta de espaço nas estantes, ali ficam revistas em quadrinho de segunda mão. Incrivelmente, elas são compradas e vendidas com bastante frequência, então quando aparece alguma coleção completa Bruno precisa aproveitar logo. No caso, hoje foi um desses dias de sorte e ele foi logo pegando cinco revistas dos anos 90 do topo da pilha e colocando-as embaixo do braço. Nelas, um anti-herói meio humano e meio vampiro enfrenta hordas de vampiros urbanos do mal em uma série de edições dramáticas.

Depois de tudo isso a loja termina em um longo balcão de madeira, onde normalmente à esquerda ficam uma caixa registradora, uma calculadora, cadernos, canetas e algumas bugigangas na qual Velho Getúlio está constantemente reparando, junto, é claro, com as ferramentas utilizadas para isso. No canto oposto de onde estão as ferramentas do dono do local, fica o canto de Bruno, que não é tão cheio de coisas, possuindo apenas uma antiga (porém perfeitamente funcional) vitrola.

Atrás das coisas do Velho Getúlio é onde normalmente se encontra o próprio Velho Getúlio. Não que Bruno tivesse coragem de chama-lo assim, incluindo o apelido de Velho. O quão velho ele é, Bruno não faz ideia. Chuta que ele tem mais de 80, talvez até mais de 90. Seu nariz e suas duas orelhas são os maiores que Bruno já viu e possuem pelos brancos e pontudos saindo de dentro como se quisessem escapar de algo sinistro. Seu cabelo é fino, liso e curto, completamente branco, penteado para a direita com zelo. No rosto do Velho Getúlio sempre ficam seus óculos de grau, tão grandes e fundos que faz Bruno imaginar que pessoas com narizes de tamanho normal não teriam capacidade de carregar aqueles óculos. As rugas do rosto revelam um homem sério e até um pouco revoltado, o que não deixa de ser verdade, mas Bruno mais do que ninguém sabe que o Velho sabe ser bem educado e também possui seu lado gentil.

O vestuário do Velho Getúlio não costuma variar muito. Suas camisas de lã sempre tem uma única cor (ele varia entre branco, azul claro, verde claro, amarelo), assim como suas bermudas (marrom, azul escuro, preto) e sempre calça chinelos de couro. Sempre. Ele não costuma reclamar quando tem de levantar, se abaixar, subir alguma escada ou nada do tipo, fazendo dele o velho mais em forma que Bruno conhece. Aparentemente na sua juventude ele foi um jogador de futebol em ascensão, participando até dos campeonatos estaduais. Teve de largar a carreira antes de entrar em um time grande, para ajudar a mãe que passava por problemas de saúde na época, e para sustentar ambos acabou abrindo o Canto do Mundo. As fotos (em preto e branco, é claro) dos seus tempos áureos como jogador repousam penduradas na parede atrás de si.

No horário em que Bruno chega da escola, o Velho Getúlio costuma estar sempre em sua posição favorita: na sua cadeira de balanço, atrás da bancada, tirando um cochilo com o corpo inclinado para trás e os braços cruzados sob o peito. Bruno passa pela portinhola do balcão de madeira dando um aceno com a cabeça para o Velho Getúlio.

- Boa tarde, Seu Getúlio! – diz, em voz alta mesmo, enquanto tira a mochila da escola das costas. Em resposta, Velho Getúlio responde um resmungo quase inaudível e sem significado, que pode ser traduzido mais ou menos como:

- Erm.

Assim, Bruno vai até a sua cadeira de balanço em frente à vitrola, largando a mochila no chão no processo. Ele abre o zíper mais atrás da mochila azul e tira de lá de dentro uma sacola plástica com chinelos de dedo. Tira os chinelos da sacola e os troca pelo par de tênis pretos que esteve calçando nas últimas horas. Velho Getúlio não se incomoda do rapaz ficar à vontade no antiquário. Como está frio, Bruno decide manter o moletom cinza escuro por cima do uniforme da escola, que é uma típica camisa branca com o brasão escolar estampado no peito.

Cheio de expectativas ele abre o gatefold do vinil, sentindo o aroma único de papel velho e vinil bem conservado. Calmamente, como se estivesse fazendo um ritual, ele prepara o terreno para escutar o seu disco. Quando tudo está em seu devido lugar, Bruno sorri e fecha os olhos ao escutar as primeiras e divinas notas musicais.

Recomendação do Capítulo:
Banda: UFO
Álbum: Phenomenon (1974)
Música: Too Young To Know
Gênero: Hard Rock


Antes de começar a leitura, o garoto passa os olhos pelos poucos móveis posicionados atrás da bancada de madeira. O Velho Getúlio é habituado a registrar tudo o que compra e vende no Canto do Mundo, portanto Bruno sabe muito bem que os armários e gavetas na lateral daquela área estão repletos de cadernos preenchidos do início ao fim ao longo das décadas. A ordem em que estão organizados, no entanto, é um mistério ao garoto. Uma porta de madeira separa o antiquário de um corredor que leva aos aposentos pessoais do Velho Getúlio e ao armazém onde guarda itens extras que não cabem no antiquário.

Um trovão ressoa acima do antiquário Canto do Mundo, acordando Bruno para sua realidade de leitura de quadrinhos. Ele senta na cadeira de balanço, se inclina para trás à ponto de poder colocar os pés na bancada e abre a primeira página da primeira revista. Outro trovão. A chuva vai cair a qualquer momento.

A porta da entrada se abre, com os sinos novamente soando em harmonia. Um homem anda a passos rápidos pela parte direita do antiquário, sem parar para olhar nada. As vezes, alguns clientes pedem algo específico ao Velho Getúlio para vir pegar depois – e esse parece um desses casos. Bruno não tira a revista da frente do rosto, mas escuta claramente batidas na madeira da bancada quando o visitante chega a ficar de frente para o Velho Getúlio. Ele pigarreia.

- Getúlio, estou aqui para pegar a encomenda. – diz ele com uma voz grave, suave e paciente. O Velho Getúlio, por sua vez, acorda resmungando para si mesmo e se levanta, primeiro sacudindo a cabeça para espantar o sono, depois esfregando a mão no rosto antes de apertar a mão do homem com firmeza, conforme Bruno consegue ver por baixo da revista.

- Como tem passado, Braden? – Nome estranho. Será estrangeiro? De qualquer forma, os dois aparentemente se conhecem, pensa Bruno.

- Atarefado como sempre. – fala em um tom bem humorado. O aperto de mãos se desfaz e Bruno sente quase imediatamente um arrepio percorrer sua espinha. De maneira irresistível ele abaixa a revista em quadrinhos (notando agora que mal havia prestado atenção na leitura) e percebe que o cliente neste instante o está fitando com olhos verde tão claros quanto a primeira grama da primavera.

- B-boa tarde. – diz Bruno, meio tímido. O homem aparenta ter por volta dos seus 40 anos, sendo alto, com mais de 1.80 m, tendo cabelos loiros parcialmente grisalhos, pele alva, barba feita, vestindo uma blusa verde escura por dentro de um casaco marrom, calças cinza-escuras e sapato marrom. Mesmo depois de ter a visão geral daquela pessoa, o olhar dele continua sendo a coisa mais marcante para o adolescente, chegando até a ser penetrante fazendo Bruno se sentir intimamente observado.

- Boa tarde. Me chamo Braden Alexander, sou um velho conhecido de Getúlio. – ele fala enquanto, de fato, observa rapidamente o interlocutor. Bruno é um adolescente de 15 anos, que por pouco ainda não chegou aos 1.70 metros de altura, pele parda, cabelo preto, curto e enrolado, com pequenos olhos negros e trêmulos que no momento demonstram toda sua timidez. Nem o sorriso caloroso de Braden é capaz de reduzir a timidez, pelo contrário, parece ampliá-la.

- Sou Bruno Santana. – ele consegue dizer sem gaguejar, por algum milagre.

O Velho Getúlio olha com os olhos cerrados para um e depois para o outro, desconfiado e ligeiramente sem paciência para aquilo.

- Bruno não trabalha aqui. – ele fala.

- Ah, não? – Braden dá uma risada suave – Ele certamente parece bem à vontade, lendo e ouvindo música. Acho louvável que seus clientes possam se sentir em casa aqui na loja.

Bruno gosta um pouco mais daquele homem, seu tom de voz sereno é reconfortante e amigável.

- Ler não faz mal a ninguém e ele é uma boa companhia. – diz o Velho Getúlio dando de ombros. Bruno se sente internamente aliviado por não receber alguma espécie de bronca.

- Bom, ele tem potencial para ser teu assistente.

Velho Getúlio ergue uma sobrancelha.

- Se está dizendo...

Com isso, Braden volta a atenção para Velho Getúlio e Bruno pode enfim voltar a atenção para sua história em quadrinhos. Velho Getúlio coloca a mão por baixo da bancada, abre uma gaveta e tia de lá um embrulho do tamanho e formato que parecia ser de algum livro grosso. Ele entrega nas mãos de Braden, que balança a cabeça para cima e para baixo como uma confirmação e se despede com um aceno de mão, sem nem conferir o interior do embrulho. Ele não voltou a olhar para Bruno em momento algum de sua curta estadia.

Durante a sua caminhada para fora da loja, o tal Braden Alexander não se vira para trás e muito menos para os lados. Velho Getúlio acompanha com os olhos todo o trajeto, para então sentar na cadeira de balanço. Ele encosta completamente as costas na cadeira e fecha os olhos, porém, antes que pudesse voltar ao cochilo, seu relógio de pulso começa a apitar.

- Hum?

Por instinto, Bruno ergue os olhos e inclina a cabeça para poder olhar os relógios próximos à entrada. Todos marcam 02:12 da tarde. Depois olha para o Velho Getúlio, que com uma expressão de espanto já tinha tirado o relógio do pulso e agora o virava para todos os lados tentando desligar o alarme. Por fim consegue apertar um botão na lateral e cancelar aquele som alto.

- Eu nem lembrava que isso aqui tinha alarme. – pelo tom de voz, ele não lembrava mesmo. – O que deu nesse troço?

- Talvez o senhor tenha colocado para se avisar de alguma coisa? – sugere Bruno.

- Avisar? Mas avisar do quê?

- Não sei não.

Velho Getúlio se abaixa e abre uma das suas gavetas, retirando um caderno preto que ele chama de “Caderno de Compromissos”. Ele abre e começa a folear até chegar no dia atual, onde então:

- Hum? Huuuuuuum?! – ele resmunga com olhos arregalados.

- O que foi, Seu Getúlio?

- Eu tenho um compromisso! Marquei a tanto tempo que esqueci!

Ele não costuma se esquecer de nada, tendo uma das melhores memórias que Bruno Santana já presenciara. Parece que para toda regra há uma exceção afinal de contas.

Apressado, Velho Getúlio vai para os seus aposentos pessoais e volta depois de alguns minutos com uma boina na cabeça, um casaco, uma maleta e um guarda-chuva debaixo do braço. Ele nem se preocupa em arrumar as coisas na sua bancada e já vai logo se dirigindo para a saída.

- Espera, Seu Getúlio! Já vai fechar a loja?

- Hum? Ah! Eu não sei... eu nunca fecho antes. Ah! – ele aponta para Bruno, no processo deixando cair as coisas que estavam debaixo do braço. Ele logo se apressa para se abaixar e pegá-las de volta. Quando se levanta ele pode enfim terminar seu raciocínio. – Potencial para ajudante!

Ou pelo menos pode deixar Bruno mais confuso.

- Como?

- Você tem potencial para ser meu assistente, Braden disse. Então porque não cuida do Canto do Mundo? Só por hoje a tarde?

- Acha que dou conta?

- Claro, tudo tem etiquetas com preço, é só anotar o que for vendido no caderno que está na bancada. – Após pegar suas coisas do chão ele esteve falando frente a frente com Bruno, mas nesse momento se vira de costas e volta a andar para a porta, com pressa – Fique de olho vivo em crianças e nos malandros e não deixa ninguém pechinchar demais!

- E se tiver alguma encomenda para alguém? Como vou saber?
Velho Getúlio abre a porta e, quando já está com o corpo meio para fora, volta parcialmente para trás, com um sorriso.

- Não tem mais entrega para hoje. Volto antes da hora de fechar!

Ele então fecha a porta. Assim que ele entra na caminhonete e liga a ignição a chuva finalmente começa a cair, como se estivesse esperando essa deixa o tempo todo.

Bruno abaixa novamente a cabeça e volta a ler sua história em quadrinhos, sem em nenhum momento ter saído da posição confortável com as pernas para cima. Já está tocado a terceira música do disco, uma das melhores. Ele volta a relaxar.

----------------------------------------

Nenhum cliente entrou no Canto do Mundo a tarde inteira. Também pudera, faz horas que chove e relampeia tanto que parece que o céu está caindo do lado de fora. Passam das 18:30, Bruno está na quinta e última revista daquela aventura específica de vampiros e escutando o sétimo disco seguido. Sempre que um deles acaba é uma deixa para levantar um pouco, esticar as pernas, tomar uma água, ir ao banheiro e, é claro, pegar outro disco. Como sempre deixa para guardar todos eles no final do dia, eles formam uma pilha colorida na bancada de Bruno, ao lado das revistas já lidas.

Bruno está bem preocupado com o Velho Getúlio. A hora de fechar é as 19:00 e nem sinal do dono. Definitivamente não chove pouco e a caminhonete dele já tem várias décadas de estrada. Bruno não gosta de pensar no pior, mas não pode deixar de imaginar um acidente acontecendo na rua, com os pneus da caminhonete derrapando e fazendo o carro bater em um poste ou qualquer outra coisa.

Milagrosamente a porta do antiquário se abre, quebrando o ciclo de pensamentos negativos de Bruno. Dessa vez ele se prepara melhor, tirando imediatamente os pés da bancada, fechando a revista em quadrinhos e a colocando na mesa. A pessoa que entra, no entanto, não é quem Bruno estava esperando.

Quem passa pela porta e se dirige a Bruno não é o Velho Getúlio, mas sim um homem que o garoto não conhece. Com a pele pálida como a de um albino, rosto enrugado e com expressão de poucos amigos, cabelo branco penteado para trás e vestindo um sobretudo preto fechado que cobre suas outras roupas, o homem não passa nenhum conforto para Bruno, que não consegue deixar de dar um passo instintivamente para trás e engolir em seco, assustado. Bruno tenta abrir a boca para dar boa noite, mas antes que pudesse fazer isso o homem fala rispidamente:

- Vim pegar o meu pedido.

- Isso é sotaque português? O que há com os estrangeiros hoje que resolveram vir aqui? - pensa Bruno em uma curta fração de segundo, mas o que ele fala é completamente diferente. – Não tem nenhuma encomenda agendada para hoje, senhor.

O homem de preto se inclina sobre a bancada, ficando com o rosto o mais perto possível de Bruno Santana. Ele abre a boca e mostra todos os dentes, fazendo com que o garoto veja claramente os caninos afiados, com o dobro de tamanho de dentes normais. Além disso, sai um cheiro enjoativo de dentro da boca do homem. Bruno leva alguns instantes para identificar o cheiro de sangue e imediatamente começa a tremer e a recuar. Seus olhos rapidamente fitam a revista na bancada. Esteve lendo sobre eles a tarde inteira.

- V-va-vampiro?

- Estais a brincar comigo, miúdo? Onde escondeste meu caixão?

- A-ah, o caixão? P-porque não falou a-antes? Está bem ali.

Pensando rápido, Bruno se sai do seu lugar, passa pela portinhola de madeira calmamente e sem olhar para o vampiro português, vai em direção à saída pelo lado esquerdo do antiquário... e sai correndo! O plano não dá nada certo, pois em poucos segundos o homem salta alto, rente ao teto, e pousa bem na frente da porta da saída, tampando o caminho e fazendo Bruno frear.

- Onde pensas que vai?

- Waaaah!!

Bruno vira à direita nos caixotes de madeira e depois vira à direita novamente, seguindo o caminho de volta para as bancadas do final. Dessa vez o vampiro português reage rápido, saltando em cima dos caixotes contendo os discos de vinil (coitados!) e correndo com velocidade sobre-humana na direção do garoto.

Quando o vampiro salta com os dentes à mostra para cima do garoto, Bruno reage rápido esticando o braço para trás da estante de metal e puxando a corda que prende o 14 Bis no teto. O aeromodelo desce direto na cabeça do vampiro, que, pego de surpresa, cai de cara no chão. Bruno, sem olhar para trás, passa de novo pela portinhola de madeira e dessa vez vai direto pela porta dos fundos do antiquário.

Está agora no corredor principal dos aposentos pessoais do Velho Getúlio. Bruno sabe que à esquerda estão a cozinha e um lavabo, enquanto que à direita ficam a sala de estar e o quarto do Velho Getúlio. Todas parecem esconderijos óbvios demais, então Bruno segue para a única outra porta do corredor: a que leva para o armazém.

Bruno entra e imediatamente tranca a porta atrás de si, depois encosta as costas na porta, respirando fundo com a adrenalina do medo correndo em alta velocidade pelas suas veias. O coração bate tão veloz que parece que vai sair do peito. O que Bruno Santana pode fazer agora?


Última edição por Eusine48 em Qui 5 Out 2023 - 7:49, editado 14 vez(es)
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyQua 2 Dez 2020 - 3:34

Uau, você finalmente começou esse troço, viva!  galleomf2

Ah, e é verdade, temos de acabar o capítulo 5 do crossover... Eventualmente fazemos isso, lol

Hm, esse foi um começo um tanto que... denso? Dá pra endender, já que é necessário descrever as coisas no começo das histórias. Isso não é ruim, é que ao olhar por cima, notei o tamanho dos parágrafos...

Esse foi um começo bem interessante. Foi um pouco que devagar no comecinho, mas deu pra sentir a paixão de Bruno pelo antiquário! A descrição do lugar foi boa também. Dá para ter uma boa visão do lugar, e de que ele é um antiquário bagunçado, mas cheio de coisas diferentes. Só acho que esse comecinho com as descrições enormes talvez tenha sido um pouco devagar.

Umas coisas estranhas sobre as descrições:

Citação :
uma caveira de prata e olhos de safira que o garoto tem certeza que segue seus passos com os olhos de pedras preciosas.

Não tenho certeza, mas essa frase me pareceu um pouco... estranha? Suspeito que se trate de Anacoluto, mas não tenho certeza já que não vi esse assunto faz tempo. Mas a referência aos olhos duas vezes fez o fluxo da frase ficar estranho.

Citação :
Suas camisas de lã sempre tem uma única cor (branca, azul claro, verde claro, amarelo)

Aqui não achei claro se ele tem:

- Várias camisas de lã iguais, todas elas contendo essas cores
ou
- Várias camisas de uma cor: ou branco ou azul ou...

De qualquer forma, acredito que a listagem de cores não combina com o fluxo da frase... Mas não tenho certeza do que faria.

Sobre o vampiro, achei que ele não soou português o bastante. Apesar dele usar a segunda pessoa, acho que ele deveria usar palavras portuguesas: https://dicasportugal.com/girias-portugal/

Acho chamar Bruno de miúdo, puto(lol) ou gajo soaria mais apropriado. (No mínimo, pois não dá pra ler sotaque, então é bom forçar o uso de palavras portuguesas pra deixar bem claro a portuguesação dele)

A reação do bruno ao perceber que o vampiro é um vampiro foi um pouco estranha. Não consegui notar se Bruno já viu um outro antes ou não. Se ele nunca viu antes, acho que pareceu que ele notou rápido demais, mas se já viu, acho que foi muito pânico. (Talvez ao invés de estar lendo Marvel, seria adequado ele ler algum troço de vampiro? I dunno)

Por outro lado, a inserção em si do vampiro foi bem interessante. Deixou o capítulo com bem mais ação e mistério do que esperava. Estou curioso pra ver o que acontece!
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MensagemAssunto: Bem vindo ao Path Makers, Bruno Santana!   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyDom 13 Dez 2020 - 11:24

Bem vindo ao Path Makers, Bruno Santana!

Argh, trabalho demais e provas! Especialmente na era de Natal de todas as épocas! Pelo menos, já vamos acabar com essa estresse e pegar a recompensa depois. Vamos logo o que interessa...!

Capítulo 01 – O Dia em que Deixaram Bruno Cuidando do Antiquário (Parte 1)

Vendo na sua imagem, parece que só Eddy não gostou muito dele...! Vamos ver como vão se dar bem, depois...!

Parecia que é só um capítulo normal... Até aparecer um vampiro perigoso! E Bruno não parece ser tão forte quanto os seus personagens anteriores, então vai ser um desafio dele de como sair vivo lá...!

Na minha opinião, Bruno Santana pode arrumar alguma janela e pular por lá! Perder um emprego é um preço menor que perder a vida! Não iria ser divertido de cuidar do Antiquário se tivesse deixado um vampiro nas nossas colas!

Enfim, um capítulo tranquilo, até aparecer um vampiro perigoso e louco, então é um bom prólogo. Não espero muita coisa em um prólogo, mas é uma boa qualidade, pelo menos.
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MensagemAssunto: Capítulo 02 – O Dia em que Deixaram Bruno Cuidando do Antiquário (Parte 2)   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyDom 21 Mar 2021 - 19:53

Yo! Voltando a me focar por aqui! A meta é terminar essa história esse ano com 10 capítulos! Espero que o mundo me ajude...

Olhos da Caveira escreveu:
Não tenho certeza, mas essa frase me pareceu um pouco... estranha? Suspeito que se trate de anacoluto, mas não tenho certeza já que não vi esse assunto faz tempo. Mas a referência aos olhos duas vezes fez o fluxo da frase ficar estranho.

Eu nem lembrava que a palavra "anacoluto" existia. Parece um nome+sobrenome muito errado... Não entendi bem o que você quis dizer e eu gostei da frase, então deixei essa assim mesmo.

Qual a cor das camisas? escreveu:
Aqui não achei claro se ele tem:

- Várias camisas de lã iguais, todas elas contendo essas cores
ou
- Várias camisas de uma cor: ou branco ou azul ou...

De qualquer forma, acredito que a listagem de cores não combina com o fluxo da frase... Mas não tenho certeza do que faria.

Eita. maple awesome face~

A ideia é que ele só tem camisas de uma cor. Mudei a frase dentro do texto pra se adequar.

Porquê Marvel? escreveu:
A reação do bruno ao perceber que o vampiro é um vampiro foi um pouco estranha. Não consegui notar se Bruno já viu um outro antes ou não. Se ele nunca viu antes, acho que pareceu que ele notou rápido demais, mas se já viu, acho que foi muito pânico. (Talvez ao invés de estar lendo Marvel, seria adequado ele ler algum troço de vampiro? I dunno)

Certo, essa sugestão foi perfeita! Como não reparei nisso antes? Troquei a revista que ele está lendo antes de ser interrompido. Também mudei "pivete" para "miúdo"” para parecer mais português. Acho que com as 3 falas que coloquei fica difícil de por mais palavras típicas de Portugal, mas me esforcei para isso no capítulo 2!

Desconfiança escreveu:
Vendo na sua imagem, parece que só Eddy não gostou muito dele...! Vamos ver como vão se dar bem, depois...!

Eddy é meio desconfiado mesmo... ainda mais depois de virar estátua da Matéria Negra! Mas ele vai eventualmente confiar em Bruno. Eu acho...

Pula pela janela! escreveu:
Na minha opinião, Bruno Santana pode arrumar alguma janela e pular por lá! Perder um emprego é um preço menor que perder a vida! Não iria ser divertido de cuidar do Antiquário se tivesse deixado um vampiro nas nossas colas!

Infelizmente não existe nenhuma janela grande o bastante no armazém... parece que o Bruno vai ter que se virar se quiser sair dessa vivo!

Enquanto relia o capítulo para preparar o Capítulo 2, acabei corrigindo alguns erros gramaticais, além de adicionar uma ou outra palavra. Acabou ficando muito para eu citar aqui. /f61

Obrigado pelos comentários, agora podemos começar!

Capítulo 02 – O Dia em que Deixaram Bruno Cuidando do Antiquário (Parte 2)

Conforme a respiração vai se acalmando, Bruno começa a tentar raciocinar sobre o que havia acabado de acontecer. Ele acende a luz do depósito clicando no interruptor ao lado da porta e, com a mão direita secando o suor da testa, começa a andar por um labirinto de caixas.

- Eu... eu acabei de fugir de um vampiro português. – mesmo expondo os seus pensamentos, o fato ocorrido continua difícil de digerir – Talvez ele não seja mesmo um vampiro. Pode ter sido uma ilusão, uma miragem! Até parece que alguém ia ter caninos tão afiados daquele jeito. Isso mesmo, foi culpa daquelas revistas todas... mas aí não explica aqueles pulos que ele deu. E aquela velocidade! Não é coisa de um velho normal! Talvez eu devesse ter ido para a cozinha pegar um dente de alho, só pra garantir...

Conforme avança pelo depósito, o garoto vai percebendo que está cercado de itens mais estranhos do que os que se encontram na loja. Muitas coisas estão juntando poeira do lado de fora das caixas, incluindo uma prancha de surf com rodas, manequins, tapetes grossos e coloridos, um totem indígena, uma máquina de café, uma pedra enorme e marrom, etc.

- Quem diria que existiriam coisas aleatórias demais para ficar lá na frente? – animado, Bruno olha de um lado para o outro, quase esquecendo o perigo iminente. – Tem que ter uma janela por aqui, que eu possa usar para fugir o quanto antes.

Enquanto movia os olhos de um lado para o outro, um pote de vidro em cima de uma mesinha de centro chama sua atenção em especial, por ter uma luz rosa piscando por dentro. Bruno imediatamente esquece de procurar a janela por conta disso, ficando totalmente concentrado no objetivo atual.

Ele anda em uma linha reta para o pote, no caminho percebendo que na verdade lá dentro existem várias luzes cor de rosa, não apenas uma. Elas voam dentro do pote como vagalumes, hora se encontrando no ar, hora grudando nas paredes de sua prisão de vidro. No entanto, são maiores do que vagalumes e têm asas de borboleta, coisa que Bruno repara ao se aproximar.

Bruno chega em frente ao pote com as aparentes borboletas luminosas. Algo nelas parece completamente fora de lugar, então o garoto ergue o pote na altura do rosto para poder olhar mais de perto. Cerrando os olhos para conseguir enxergar em meio à luz, ele olha fixamente para uma dessas borboletas que está grudada no vidro. Ela possui uma cabeça grande e redonda, maior do que as asas, algo que não é esperado para uma borboleta comum.

- E aí, cara? De boa?

Quando uma das criaturas fala com a voz grossa de um homem adulto, Bruno imediatamente solta o pote e o deixa cair no chão e se quebrar em pedaços. O susto foi ainda maior porque o garoto pôde ver um minúsculo rosto humano naquela cabeça redonda. As criaturas saíram voando para direções diferentes com suas asas de borboleta.

- Iuhuuu!!

- Liberdade!!

- Valeu, irmão!!

Em completo choque, Bruno dá passos para trás até se chocar com uma estante, o que resulta em vários tapetes pesados caindo em cima dele, ficando assim o garoto parcialmente soterrado.

- Droga, droga, droga! – ele reclama enquanto começa a tirar os tapetes de cima de si.

A porta se abre.

Bruno congela. Ele para de se mover e de respirar, tentando ao máximo apurar sua audição. A música que está tocando na vitrola entra pela abertura e parece combinar morbidamente com a situação atual.

Recomendação do Capítulo:
Banda: Buffalo
Álbum: Dead Forever... (1972)
Música: Dead Forever
Gênero: Hard Rock/Proto-Heavy Metal


Bruno fica ao mesmo tempo feliz e irritado com a música. Por um lado, ajuda ele a não ser escutado, por outro lado torna o português mais difícil de ser ouvido também. Bruno consegue escutar sutilmente algo pousar em cima das caixas perto da entrada e supõe que o velho deu um daqueles saltos absurdos. Mais cedo Bruno viu com os próprios olhos o quanto aquele homem é ágil e silencioso em seus movimentos, ele não pode esquecer disso.

- Ande logo, miúdo, entregas o que é meu! Não adianta esconder-te!

Bom, ele é silencioso quando não está gritando com Bruno.

- Não me interessa onde se escondes, darei cabo de ti e pegarei o que me pertence!

Pensamentos começam a cruzar a cabeça de Bruno, como o fato de o vampiro poder ter uma audição ou olfato maior do que os dele. De acordo com as histórias em quadrinho, todos os vampiros possuem sentidos sobre humanos. Suas fraquezas incluem a luz do Sol, água benta, crucifixo, alho e uma estaca de madeira no coração. O quanto será que as histórias estão certas?

- Ah! Tentando pedir ajuda para as fadas? Não vai adiantar!

- Fadas? Do que ele- oh não! – Em desespero, Bruno sai debaixo dos tapetes e começa a correr. As criaturas brilhantes e com asas de borboleta ainda sobrevoam o local onde foram libertas, o que é basicamente acima de onde ele esteve soterrado. – Droga, droga!

Sem saber para onde vai ser levado, Bruno corre por entre as coisas guardadas no depósito do antiquário Canto do Mundo, com o vampiro português atrás de si, saltando do topo de caixas, armários, estantes, postes de luz, castelos góticos abandonados e estátuas de deusas gregas.

- Aaaah! Vampiro! – uma das fadas grita.

- Voem para as montanhas! Rápido! – diz outra, enquanto foge para longe.

- Mas a gente nem têm sangue para ser chupado. – fala a mais calma de todas.

As fadas se dispersam ao mesmo tempo que confirmam a teoria de que o velho português é um vampiro.

- Entregues o que é meu por direito! – exige o vampiro, enquanto salta de um local para o outro com sua agilidade sobrenatural.

- Eu não sei do que está falando! – responde o garoto assustado e correndo.

De repente, um peso cai sobre as costas de Bruno quando o velho português pula em cima dele. Os dois rolam pelo chão até colidirem com um armário antigo de madeira, que se abre com o impacto. Bruno termina deitado no chão, com o vampiro por cima, exibindo seus dentes caninos afiados de maneira ameaçadora. O braço direito enrugado se ergue, permitindo a Bruno ver a mão direita dele aberta, com unhas tão afiadas quanto os dentes.

- Acabou, miúdo! Não tens mais escapatória!

E então, esqueletos começam a sair do armário.

De um por um, em fila indiana, como se o armário fosse infinito por dentro, esqueletos começam a dançar em direção aos dois que se debatiam no chão do depósito. O primeiro puxa logo o português para uma valsa macabra, o segundo ergue Bruno e o terceiro o puxa para dançar sem nem pedir permissão antes. Mais dois se juntam à dança que, mais uma vez, parece combinar macabramente com a música que toca na vitrola.

- Waaah, tinham esqueletos no armário! – o garoto se desespera, ainda que os esqueletos pareçam bem amigáveis e apenas interessados em dançar.

- Entra no ritmo, garoto!

- Iuhuuu! Festa, festa!

- Vamo requebrar o esqueleto, rapaziada do balacobaco!

- D-desculpa, mas eu tenho que ir! – fala Bruno, enquanto se afasta dos esqueletos dançantes. Eles não param de rir e dançar em nenhum momento.

- Ei, a festa está apenas começando! – um deles fala, como apelo para Bruno retornar.

- Fica pra próxima! – ele retruca.

Bruno consegue fugir da dança e voltar a correr pelo labirinto que é o armazém. Após alguns segundos ele começa a diminuir a velocidade, ofegante. Não há sinal do vampiro português, por enquanto.

- Certo, agora só preciso encontrar uma janela pra pular fora daqui. Mas pra que lado ficam as paredes mesmo?

Ele não percebeu por conta do desespero, mas o ar no armazém foi mudando, se tornando cada vez mais frio, até mesmo rarefeito, com uma leve coloração verde e cheiro de manjericão pelos corredores. As coisas armazenadas também foram ficando ainda mais estranhas. Estantes largas com coisas bizarras dentro de potes, como rabos de salamandra, asas de morcegos, olhos (de que espécie?) e patas de aranha foram ficando mais frequentes, bem como grandes caldeirões, vassouras, pingentes com símbolos que Bruno tinha medo de saber o que eram e mais.

Distraído com a ambientação, o garoto acaba colidindo com uma armadura medieval. Com os olhos arregalados e as mãos em frente ao corpo, ele espera para ver se ela vai se mexer ou reagir de alguma forma ao impacto. Vários segundos se passam e nada acontece.

- Hehe... – ele ri constrangido – Parece que nem tudo aqui tem que ser mágico.

Bruno passa pela armadura e dá dois tapinhas na barriga dela.

- Mas se aquele português maluco aparecer, você me protege né? – ele sussurra, enquanto olha desconfiado para todos os lados.

Nenhuma resposta.

Virando uma esquina, a atenção de Bruno passa imediatamente para uma estante de madeira, alta, de aparência antiga, repleta de frascos de vidro com líquidos de cores diferentes dentro. O leitor pode imaginar que Bruno aprendeu a lição com o pote de fadas alguns minutos atrás, mas aí o leitor estaria completamente enganado. A curiosidade era alta demais para ser ignorada, de forma que o garoto foi em direção dos frascos com passos ansiosos.

Ele para a cerca de um metro de distância da estante, com os braços inicialmente encolhidos no seu peito. O silêncio é tanto que o bater do coração do rapaz ecoa forte em seus ouvidos conforme ele estica o braço direito lentamente em direção à um pequeno frasco com líquido azul escuro com um musgo verde nas bordas. Os dedos de Bruno lentamente se fecham ao redor do frasco, mas, mesmo antes de começar a tocar nele, um frio sobrenatural de congelar os ossos se espalha lentamente pelo braço como se quisesse tomar o seu corpo inteiro. Bruno, no entanto, não se importa com essa sensação macabra.

Um estrondo atrás de si faz com que aquele transe hipnótico desapareça. Uma espada foi enfiada em um dos móveis de madeira conforme a armadura medieval atacou o vampiro português, que desviou.  Bruno repara de relance que o sobretudo do velho recebeu um corte considerado, assim como a cadeira de balanço que foi golpeada no lugar dele, mas sem nenhum ferimento aparente. A agilidade do vampiro e sua capacidade de reação continua bem elevada.

O que Bruno não reparou, entretanto, foi que ao retirar sua mão do frasco com líquido azul, no susto daquele barulho, acabou atingindo o frasco ao lado, com líquido vermelho vivo. Ele se quebra imediatamente ao atingir o chão e seu conteúdo se espalha, consumindo a sola dos tênis de Bruno.

O garoto observa um combate inimaginável acontecendo diante dos seus olhos. Após desviar do golpe de espada, o português usa suas garras contra o peitoral da armadura, o que resulta num som agudo de metal raspando contra metal. Apesar do impacto ter causado quatro rasgos diagonais no metal como se fosse papel, a armadura não pareceu nem um pouco abalada com o impacto. Ela reage com um golpe lateral almejando o pescoço do vampiro português. Bruno prende a respiração...

... mas o golpe erra, novamente graças aos reflexos sobre-humanos do estrangeiro de dentes pontudos, que se agacha no momento exato. Sem dar margem para o oponente atacar mais uma vez, ele sobe utilizando toda a força das suas pernas, com a mão fechada em um punho e cobiçando um direto no queixo que termine logo aquele duelo. No entanto, a armadura ergue o braço esquerdo no caminho, que por consequência recebe todo o impacto e é lançado para longe.

Parece uma questão de tempo até que o vampiro português derrote a armadura e volte a sua atenção para Bruno, então o adolescente resolve retomar a sua fuga o quanto antes. Inconsciente do líquido vermelho em seu tênis, Bruno gira no mesmo lugar e dá um passo em frente, para a direção oposta da luta.

No instante em que o tênis toca o chão, o rapaz o sente descendo alguns milímetros a mais do que deveria, como se o piso não fosse sólido. O problema vem logo após isso, pois Bruno é atirado para cima, rodopiando em alta velocidade até quase bater no teto. Descrevendo uma trajetória que se assemelha a um arco diagonal, ele passa por cima de um dragão chinês feito de papel marche e pousa sentado no topo de um armário, intacto, porém com o traseiro doendo.

- Ai! O-o que foi isso?!

Cruzando as pernas, Bruno trás o pé direito para mais perto do rosto. Ele finalmente se dá conta da substância vermelha que tomou conta da sola do tênis e, curioso do jeito que só ele é, decide cutucar a região com o dedo indicador. O resultado faz Bruno abrir mais os olhos com surpresa, pois a sola avermelhada reverbera para cima e para baixo como se fosse uma mola. Ele verifica o mesmo efeito estranho no pé esquerdo.

Olhando para trás, Bruno testemunha o vampiro português saltando, girando o seu corpo em paralelo ao chão e desferindo um chute no capacete da armadura medieval, que estava com a espada erguida pronta para atacar. Com esse impacto ela se desmonta completamente, causando diversos estrondos no piso do armazém conforme o metal pesado cai. Bruno não quer esperar para ser descoberto novamente pelo seu perseguidor, então resolve agir logo. Ele cuidadosamente se coloca de pé, sem que seja lançado para o alto pelos novos tênis-molas. Ele imagina, porém, que isso vá acontecer no instante em que tentar tirar os pés do chão. Assim, Bruno respira fundo, arqueia os joelhos e...

... pula!

Dessa vez com mais controle sobre sua trajetória, Bruno cruza rente ao teto alto do armazém e pousa numa estante a cinco metros de distância. Sem parar, ele quica para mais longe ainda, e assim vai sem parar. Seu objetivo é uma janela que ele avista no horizonte, onde pode ser vista a luz de um poste na rua de trás do Antiquário Canto do Mundo. Bruno sorri conforme vai chegando perto, sua velocidade aumentando à medida que ele dispara por cima do labirinto de coisas, parando apenas durante frações de segundo enquanto seus tênis-molas tocam alguma superfície. O coração do garoto bate alegre conforme a liberdade se aproxima após tantos momentos desesperadores.

Mas então... uma sombra passa ao lado de Bruno, com uma velocidade absurda. Um calafrio percorre o corpo dele, pois, por uma fração de segundos apenas, o cheiro de sangue preenche o ar ao seu redor. Uma figura alta, vestindo um sobretudo, com os braços cruzados e os olhos (aparentemente) vermelhos e furiosos aparece na frente da janela, perfeitamente equilibrado em cima de uma escada de metal.

Bruno se desespera e tenta frear assim que os pés encostam em alguma coisa, mas o problema é os tênis-molas não oferecem muito sustento para isso. O garoto derrapa, cai e rola por cima dos móveis. Ele tenta se agarrar a alguma coisa, mas acaba puxando um dos móveis de madeira nesse processo. Bruno e o móvel caem no chão, com Bruno por cima, batendo o lado direito da barriga na quina de madeira na queda.

Ele se levanta lenta e dolorosamente, com as costas apoiadas por algumas caixas de madeira e as duas mãos na barriga, que dói bastante por causa do impacto. Com a respiração ofegante, Bruno começa a suar frio, pois o vampiro português pousa em sua frente, sem fazer barulho algum, como se fosse leve como uma pena.

- Demoraste um tempo demasiadamente longo. Na próxima, não desperdice minhas horas de luz da lua, pivete vendedor.

Com isso, ele ergue com facilidade o “móvel” de madeira no qual Bruno caiu em cima e o coloca sobre o ombro direito. Por incrível que pareça, é um caixão de madeira de Jatobá novo em folha, sem nenhuma inscrição ou desenho na superfície. Parando completamente de mostrar alguma agressividade para com Bruno, o homem passa direto pelo garoto e anda em direção à saída.

Assim que cai a ficha de que não corre mais perigo, Bruno ergue o seu tênis direito, verificando que a cor vermelha já está quase desaparecendo da sola. Ele raspa o que sobrou facilmente com as unhas e logo depois faz o mesmo com o tênis esquerdo. E então, Bruno timidamente acompanha o vampiro, a uma distância segura, antes que ele desapareça à distância. Felizmente, parece que alguém prestou atenção no caminho ao invés de só correr desgovernadamente.

Quando Bruno retorna ao Canto do Mundo, o vampiro português está saindo pela porta da frente sem se despedir ou sequer falar qualquer coisa. Não chove mais do lado de fora. Bruno mal tem tempo para respirar fundo e começar a guardar as HQs e os discos, pois logo uma camionete velha para em uma das vagas da entrada e de dentro dela sai um senhor de idade com aparência cansada. Quando ele abre a porta, Bruno já está a meio caminho de recebe-lo.

-Ve-Seu Getúlio!

- Hum? – de tão distraído, ele caminha em direção ao garoto, mas só o percebe quando ele fala algo - Ah, Bruno! Desculpe fazê-lo me esperar até depois da hora de fechar. Deve estar precisando ir para casa.

Além a aparência cansada, a voz sai rouca e mais fraca que o normal. Ele não repara no alívio do adolescente em vê-lo, muito menos que quase foi abraçado de pura empolgação. O que ele percebe, no entanto, é que o garoto está com as mãos na lateral da barriga como quem está sentindo bastante dor.

- Ei, o que houve? Você se machucou?


- O que aconteceu? Mais fácil falar o que não aconteceu, haha. – A risada é de completo nervosismo - Foi cada coisa absurda que eu nem sei por onde começar. É meio difícil de explicar, também. Ai...

- O que está sentindo?

- Dor e... meio tonto.

Velho Getúlio se adianta, passa por Bruno e pela portinhola de madeira da bancada, largando sua maleta de couro e guarda-chuva na lateral da bancada. Ele começa a mexer em seus armários em busca de algum remédio.

- Senta e espera, vou pegar o remédio. – ele lembra de dizer.

Bruno obedece e vai para sua cadeira de balanço, onde se senta e espera. Só agora que percebe o quanto realmente estava tonto. Ou talvez só agora a tontura surgia. Ele não consegue decidir entre uma coisa e outra, na verdade, nem se focar em algum pensamento específico. Felizmente, o Velho Getúlio não demora a encontrar os medicamentos certos.

- Pegue, isso deve revolver.

Ele estende para Bruno uma pílula azul e um copo de um líquido branco, claramente longe de ser água. Sem conseguir formular alguma pergunta, Bruno coloca a pílula na boca e a engole com o líquido branco. Ele é levemente pastoso e com sabor amargo, mas não tem um gosto exatamente ruim.

Após ingerir aquela combinação de medicamentos desconhecidos, Bruno encosta novamente as costas na cadeira de balanço, fechando os olhos com a esperança de que a barriga não vá doer por muito mais tempo. Parece que seu desejo é atendido sem demora, pois poucos segundos depois a dor na lateral da barriga e a tontura param, ao mesmo tempo em que a clareza de pensamento retorna.

- Mas o quê? O que há comigo?

- Você está melhor, ora.

- Eu sei, é que... remédios não deviam funcionar tão rápido assim.

- Bom, esses funcionam – explica Velho Getúlio, levantando sua boina e passando a mão pela cabeça calva.

Bruno olha fixamente para o Velho Getúlio. Ele continua sendo o mesmo senhor de idade que mora no subúrbio e cuida de um antiquário. Quando ele chegou, Bruno teve receio de falar sobre os acontecimentos do fim de tarde, mas, agora que consegue pensar direito, percebe que tudo aconteceu justamente na casa daquele senhor aparentemente normal. Por trás dessa fachada, está alguém que mantém contato com seres perigosos e tem em seu armazém coisas além da imaginação – que no momento só podem ser definidas como mágicas por Bruno – incluindo algumas criaturas vivas. Bruno engole em seco, nervoso, ao perceber que o remédio que acabou de tomar também devia ser mágico.

- Quem... ou o que é você?

O velho fica sem entender e se inclina para frente, com um ar de interrogação.

- Como?

- O senhor é mesmo um ser humano? Parece ser, mas... é mesmo?

Sem entender a situação logo de cara, Velho Getúlio pisca algumas vezes enquanto encara Bruno nos olhos. Ele lembra da hesitação em contar o que aconteceu durante a tarde e então percebe a natureza do que devia ter ocorrido a Bruno. Ele dá uma risada breve para tentar quebrar o gelo, mas logo para ao deixar o garoto nervoso.

- Eu já entendi. Esse “monte de coisa que não sabe por onde começar” tem a ver com algo que você viu, mas que não devia ter visto.

- O quê? – o garoto não acredita no que está ouvindo, mas parece até que vai levar uma bronca por coisas que estavam fora do seu controle. Bom, algumas coisas quebradas foram culpa dele sim, mas isso não vem ao caso.

- Você ficou entediado quando passou na hora de fechar e resolveu explorar um pouco, não é? Entrou no meu armazém, não foi? – a voz fica cada vez mais acusadora.

- Entrei sim, mas não foi porque eu quis. – Velho Getúlio franze as sobrancelhas - Hoje eu fugi de um vampiro, Seu Getúlio! Ele queria acabar comigo por eu não dar para ele um caixão de madeira e então eu fugi para o seu armazém, onde-

- Espera, um vampiro? – o tem dele muda para completa negação - Te atacando por causa de um caixão? Que absurdo é esse?

- Eu que pergunto!

- Isso não pode estar certo.

Velho Getúlio busca o seu caderno em meio aos seus pertences e folheia até achar o dia de hoje. Ele lê linha a linha dá página, com o caderno bem perto do rosto e seguindo com o dedo indicador até parar assustado no final do dia.

- Está aqui. – e então ele bate então a mão direita na testa – Está anotado que ele viria! Como eu posso ter esquecido de dois compromissos no mesmo dia?

Um silêncio paira no ar quando os dois pensam na mesma coisa: que Getúlio está esquecendo das coisas por conta da idade. Isso é difícil de acreditar, já que Bruno viu a boa memória de Velho Getúlio em ação diversas vezes.

- Fui avisado a mais de um mês que ele viria de Portugal, mas eu pensei que fosse só semana que vem. Me disseram mesmo que o temperamento dele é difícil, ele deve ter achado que você era um funcionário incompetente. – um breve momento de silêncio - Eu lamento, garoto.

- Tudo bem, pelo menos eu sobrevivi. – Bruno levanta a camisa e constata que não possui nenhum tipo de hematoma na barriga - E agora estou sem nenhum arranhão.

- Você realmente deve ter passado por maus bocados. – Velho Getúlio olha cabisbaixo para Bruno, se sentindo culpado por tudo.

- Então...

- Hm?

- A pergunta que eu fiz antes... O que é você?

- Hãn...? Ah. Há! – Após um segundo de confusão por estar imerso em pensamentos, Velho Getúlio dá uma breve risada, tentando pelo menos se divertir um pouco com a situação. – Quem sabe? Talvez um metamorfo, ou quem sabe um Deus Tupinambá?

O garoto permanece com o semblante nervoso, dessa vez com a certeza de não estar entendendo nada. Velho Getúlio começa a limpar a orelha esquerda com o dedo mindinho da mão, ciente de ter falado a coisa errada.

- Você nunca acha engraçado essa piada... Eu sou uma pessoa normal, Bruno. Apenas tive a sorte de encontrar uma criatura mágica logo quando abri o Canto do Mundo, tantos anos atrás. Quando se vê uma, logo não consegue mais parar de ver. Estão em todos os lugares, Bruno, todos. Algumas bem inseridas na sociedade, como se fossem pessoas normais, outras completamente reclusas na natureza. Mas, de fato, existem milhares de criaturas diferentes, de todos os de tipos e tamanhos possíveis! Elas estão por aí, Bruno, mesmo que não saibamos.

- Mas você é mesmo uma pessoa normal?

Ele respira fundo.

- Sim, eu sou uma pessoa normal.

- E esse lugar?

- Ora, é um antiquário! – ele responde com certa impaciência, abrindo bem os braços – Tenho produtos tanto para o mundano quanto para o mágico.

- Mas eu venho aqui todo dia durante anos e nunca vi uma criatura mágica!

- Heh, não que você saiba. – ele pigarreia com a mão fechada em frente à boca – a maioria é bem sutil e costuma andar disfarçada de alguma forma. Centenas passaram por essas portas durante esses anos que você esteve aqui.

- C-centenas?

A imagem de 100 vampiros portugueses invadindo o Canto do Mundo perturba os pensamentos de Bruno.

- Assim eu vou ficar tonto de novo...

- Se importa em contar exatamente tudo o que aconteceu hoje? – pergunta Velho Getúlio, levemente apressado.

- Ah. Claro...

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- ... e então o senhor entrou pela porta e me viu machucado. Foi isso.

Após alguns minutos, Bruno finalmente termina de contar sua história com o máximo de detalhes que conseguiu. Algumas coisas eram mais fáceis de lembrar do que outras, o garoto sabia que colidiu e derrubou várias coisas nas vezes que saiu correndo, mas não parou para prestar atenção. Velho Getúlio ficou com bastante raiva quando soube que as fadas foram liberadas, começou com uma bronca e dizer o quanto tinha perdido de dinheiro, mas, depois que se acalmou, acabou se desculpando, falando que a culpa não era do garoto. Isso não o impediu de ficar irritado ao saber dos esqueletos dançantes soltos e dos dois frascos quebrados no fundo do armazém.

Nem tudo tinha sido expressões de raiva, no entanto. Quando soube que Bruno usou a armadura medieval para se defender do vampiro e que rapidamente aprendeu como utilizar o líquido vermelho derramado no tênis a seu favor, uma mudança aconteceu nos olhos de Velho Getúlio. Seria orgulho?

Bruno contestou o motivo de algumas criaturas serem mercadorias e outras serem clientes. Aparentemente capturar e vender fadas é um costume milenar – dizem que elas trazem sorte e fazem milagres acontecer para as pessoas próximas. Na América do Norte, após muitas passeatas e debates políticos, finalmente foi abolido a captura e venda de fadas após 2334 anos de tradição. Elas não souberam o que fazer com essa liberdade, no entanto, e hoje em dia são encontradas reunidas dentro de grandes potes, conversando sobre como é bom não ter mais uma tampa sobre suas cabeças.

Já os esqueletos dançantes são ossos de pessoas extremamente festeiras, que ao morrer apenas desejaram ter tido mais tempo para dançar. Com um pouco de necromancia básica de um antigo conhecido do Velho Getúlio, as almas voltaram para seus ossos para acordar e (literalmente) requebrar o esqueleto todas as vezes em que a porta do armário for aberta. Elas não se sentem obrigadas a nada e afirmam estar mais felizes assim do que na pós vida. O armário com esqueletos é alugado para festas.

A armadura medieval não é exatamente uma criatura mágica, mas apenas uma armadura que foi enfeitiçada para proteger determinado local de ameaças. Veio de um castelo na Alemanha e Velho Getúlio não sabe muito bem como chegou aonde chegou, só que foi oferecido a ele por um preço bem abaixo do mercado alguns anos atrás. É impressionante o quanto certos objetos rodam o mundo antes de parar num antiquário e isso é válido para as mercadorias mundanas no Canto do Mundo também.

Por último, Bruno perguntou das coisas no fundo do armazém – como o caldeirão e as estantes com coisas sinistras e os frascos multicoloridos. Ele apenas disse que comprava mercadorias de bruxas, mas, antes que Bruno perguntasse algo, foi logo dizendo que elas são mulheres traiçoeiras e sinistras, as quais não devem ser confiadas. Velho Getúlio ficou impaciente a partir desse ponto, não respondendo mais as perguntas. Bruno decidiu que as faria outro dia.

De qualquer forma, quando a história terminou de ser contata e as devidas explicações foram dadas na medida do possível, Velho Getúlio coçava o queixo.

- Pelo menos o caixão estava pago com antecedência e a gorjeta foi bem generosa. Mesmo assim, terei que gastar uma boa parte...

- Desculpa... – disse Bruno pela décima quinta vez.

Velho Getúlio não responde, estando imerso em cálculos de gastos.

- E então... – Bruno começa – e agora?

- Hãn?

- O senhor disse que tudo muda depois que a gente enxerga uma criatura mágica. Que não dá mais para parar de ver. Hoje eu vi um vampiro, fadas, esqueletos dançantes e uma armadura que se move sozinha. Quantas mais têm no armazém? Todo dia vou ver alguma nova? Como faço para identificar aquelas que se disfarçam bem?

- Ah sim, têm isso. Espera um pouco.

Ele se levanta e começa a vasculhar algo em seus armários, deixando um Bruno curioso de lado. O garoto se levanta e vai até ele.

- Seu Getúlio? – nenhuma resposta – Seu Getúlio? Oi?

- Ei, fica quieto! Estou tentando me concentrar para achar o Amuleto do Esquecimento!

- Amuleto do Esquecimento?

- É, Amuleto do Esquecimento. Um efeito colateral dele é nunca conseguir se lembrar onde foi guardado. É sempre um incômodo, mas eu sei que- Ah! Achei!

Velho Getúlio puxa um colar do fundo do armário com um pingente de bronze, oval, cheio de círculos cada vez menores até terminar em um símbolo que Bruno não reconhece. A visão do garoto é atraída para o centro como se este fosse um magnetizador de olhos.

- E-ei! Espera ai!

Bruno sacode a cabeça, assustado, e pula para trás com o dedo indicador apontado para Velho Getúlio com um ar acusador.

- Amuleto do Esquecimento! O senhor quer que eu esqueça!

- Droga, ele viu coisa demais dessa vez... – Velho Getúlio tosse com a mão fechada em frente à boca – Olha, Bruno, é apenas procedimento padrão.

- Procedimento padrão?

Velho Getúlio suspira e leva um segundo para responder.

- Faz mais de 60 anos que abri o Canto do Mundo. As criaturas mágicas só vêm aqui porque confiam em mim e elas só confiam em mim porque nunca deixei nenhuma informação vazar. Mas muita coisa aconteceu nesse tempo, pessoas acabaram descobrindo algo que não deviam ter descoberto. É para isso que tenho o Amuleto do Esquecimento, para que as coisas não saiam do controle.

- E você usou esse amuleto em mim antes?

Velho Getúlio faz uma careta com a boca.

- Você usou! – grita Bruno.

- Eu precisei usar!

- Quando foi isso?

Silêncio.

- Foi mais de uma vez?

Silêncio.

- Não acredito! – Bruno não acredita no que está acontecendo.

- Como eu disse... – Velho Getúlio está visivelmente incomodado - ... não tive escolha. Precisei manter o segredo dentro do Canto do Mundo.

Dessa vez foi Bruno quem ficou quieto, apenas escutando.

- Eu não quero fazer isso, mas eu-

- Então não faça. – diz Bruno. O garoto sentiu que Velho Getúlio ia dizer algo com “... mas eu preciso fazer.” e resolveu agir o mais rápido possível. Saber que várias memórias suas foram apagadas em dias que ele sabe lá quando foram, fez o rapaz sentir como se estivesse sendo enganado, como se vivesse uma mentira. Saber que o conhecimento sobre um mundo completamente novo iria desaparecer de seu cérebro era ainda mais assustador, como se uma janela fosse aberta em sua vida, o permitindo visualizar brevemente que existe uma vida diferente do outro lado da janela só para ela se fechar novamente. Isso com o agravante de que ele nunca se lembraria que a janela sequer existiu e foi aberta em algum momento. A janela sempre estaria ali para ele, mas invisível. – e se o senhor... – ele pensa bem as palavras e então tem uma ideia – me... contratasse como ajudante?

- Te contratar como ajudante?

- Me contratar como ajudante? Digo, é! Quer dizer, por que não?

- Bom...

- Olha, faz sentido! Eu sei onde tudo fica, posso ajudar os clientes, tirar a poeira da mercadoria, ajudar no inventário... O armazém é enorme, sério que o senhor não gostaria de ter alguma ajuda? Sem falar que hoje foi uma baita experiência para botar no currículo!

Velho Getúlio faz uma careta.

- Bruno...

- O senhor não teve a vida mudada para pior ao conhecer as criaturas, teve?

- Não, mas...

- Então por quê me privar disso? Sou confiável e, quero dizer, deve ser legal ter alguém para ajudar e poder conversar sobre tudo de diferente que tem no mundo, não?

- Eu realmente...

- E quando o senhor não conseguir mais cuidar de nada? O antiquário vai morrer? Eu sou responsável, o senhor sabe! Eu posso me responsabilizar por-

- Tá, tá legal!

- T-tá legal?

Bruno não esperava uma resposta afirmativa, ainda mais tão cedo assim.

- É, pelo jeito hoje eu estou estranhamente aberto a novas ideias!

Dessa forma o garoto paralisa completamente, com a boca aberta e de pé em frente do Velho Getúlio, que por sua vez parece sentir uma mistura de cansaço e raiva. Ao mesmo tempo em que Bruno acha que devia estar pensando em diversos assuntos simultaneamente, sua cabeça não consegue focar especificamente em nada.

- Então eu... – Bruno tenta começar uma frase.

- Vá para casa.

- Hãn?

- Para casa! Antes que eu me arrependa! Amanhã você começa o trabalho e a gente discute os detalhes!

- S-sim, senhor!

E, assim, Bruno pega sua mochila e corre para fora do Canto do Mundo, sem nem sequer arrumar qualquer bagunça que possa ter deixado para trás. Velho Getúlio observa o garoto sair em disparada e sumir à distância pela janela do antiquário. O senhor de idade tira a boina e a joga para longe na bancada, senta na cadeira de balanço e começa a coçar a cabeça com a mão direita. Seus pensamentos vão direto aos eventos recentes que o deixaram pensativo.

- Eu só espero que essa tenha sido a escolha certa.

--------------------
Como sempre, agradeço por qualquer comentário ou feedback! Não tenho certeza sobre o final do capítulo, então uma avaliação sobre essa parte seria ainda mais importante.

Nos vemos no capítulo 3!


Última edição por Eusine48 em Dom 6 Ago 2023 - 18:39, editado 2 vez(es)
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyQui 1 Abr 2021 - 16:18

Tenho uma coisa bem interessante para falar para você, Eusine... Bacons. (Feliz primeiro de abril!)

Capítulo 02 – O Dia em que Deixaram Bruno Cuidando do Antiquário (Parte 2)

Parece que a aventura do Bruno vai ser bem mágica e louca... Talvez o Bruno ganha alguma magia legal eventualmente para combater o Vampiro português? Vai ser interessante.

Fora isso parece que as aventuras do Bruno só vão começar...! Vamos ver se ele vai sair vivo!
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySeg 12 Abr 2021 - 5:21

Eu não tenho certeza exatamente do quê ou do porquê, mas sinto que a qualidade da sua escrita no crossover é melhor do que a desta estória. E não estou me referindo à sequência de acontecimentos, mas a questões de concordância e coisas parecidas.

Enfim. Eu senti que este capítulo fluiu MUITO melhor. Você equilibrou muito melhor os blocos descritivos em meio dos narrativos. (Se eu fosse um editor, acho que recomendaria colocar mais ação no primeiro capítulo, especialmente no começo)

Esse foi um começo até que divertido. O orgulho que o velho getulio sentiu deve ter dado bom efeito pra ele fazer uma escolha diferente desta vez. Falando nisso, é interessante que ele tenha apagado a memória do bruno várias vezes no passado. A fala dele no final foi bem sinistro, o que é... divertido(?)

Foi particularmente divertido as criaturas mágicas do dia. Os esqueletos foram particularmente criativos, e as fadas parecem ser referência a zelda, mas ao mesmo tempo com uma backstory inteira justificando o negócio.

A situação das fadas só me foi um pouco estranha. Não é claro se o pote com as fadas tinha uma tampa. A backstory sobre elas parece estar dando a entender que elas não estavam tampadas, mas elas falam ficam felizes de estarem livres, o que dá a entender que estavam presas, e que portanto que estavam tampadas. Parece ser um detalhe pequeno, mas este detalhe iria falar bastante da ética do negócio todo.

Não sei se a música iria exatamente com a situação, eu não leio muito desse tipo de coisa, mas é interessante ver casos de música diegética nesse tipo de coisa.

O capítulo também teve boa ação, representou bem como ele não faz ideia de como lutar, mas é bom em improvisar. Imaginar um vampiro dando um chute parafuso foi engraçado também.

Enfim, é um bom começo para uma história. Explica bem o setting e é um bom começo para uma aventura.
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MensagemAssunto: Update Cap 1   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySex 6 Ago 2021 - 18:43

Yo! Não é um update completo hoje, mas uma atualização de qualquer forma.

Atendendo os pedidos, acrescentei um novo começo para o Cap 1 para ficar menos monótono e também dar um ar de mistério. Também botei a sinopse inicial em spoiler, mas isso é detalhe.

Estranho eu ter tido ideia para isso agora, de todas as coisas. Oh bem, próximo update provavelmente será do Crossover.

Novo Início:
Uma figura de capa e capuz se senta em cima de um teleférico na estação abandonada no subúrbio da cidade. Enquanto recupera seu fôlego após a subida, ele observa com nostalgia aquela região residencial, notando os aspectos que mudaram desde a última vez que esteve ali. Desta vez observa tudo com confiança e se sente como um rei retornando para seu trono de direito.

Seus olhos encontram um garoto com mochila nas costas, certamente carregando os livros da escola, caminhando pelas ruas com naturalidade e uma certa pressa. O topo da torre de rádio balança de um lado para o outro por conta de uma ventania, lembrando a figura encapuzada de que já está na hora de descer.
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MensagemAssunto: Capítulo 03 - Pernas pra quê te Pernas   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySeg 1 Ago 2022 - 0:00

Yeah! Depois de um pequeno grande bloqueio criativo, finalmente aqui está o Capítulo 03! Espero que se divirtam tanto quanto me diverti escrevendo. Não vou garantir nada, mas o meu objetivo até o final do ano será postar 1 capítulo a cada 3 semanas. Vamos ver no que vai dar.

*EDIT: Esse capítulo recebeu alguns updates e se tornou o Capítulo 05. Mais informações nos posts futuros.

----------------------------------------

- Estamos chegando perto, meus irmãos. – diz Dredd, que caminha em frente ao grupo de forma incansável. Seus companheiros esgotados olham ladeira acima com as mãos protegendo os olhos da intensa luz solar.

Temia, acostumada com a vida na floresta, não gosta nada de viajar sem a cobertura das árvores e a constante disponibilidade de água fresca em algum riacho próximo, toda aquela secura não está fazendo bem para sua pele e sua garganta. Amelius, desgostoso desde que fora obrigado a sair da Torre dos Magos e participar daquela desventura, está particularmente de mau humor devido ao seu esgotamento físico e ao suor que empapa seus robes. Ambos concordam que o ânimo exagerado de Dredd é demasiado irritante.

A pilha de músculos que veste armadura de couro chega ao topo do desfiladeiro após dar uma última olhada para trás com um sorriso que diz “Heh, eu sou mesmo o mais forte!” sendo intensificado ainda mais pela expressão de revolta nos rostos seus companheiros. Como ele próprio é um veterano de longas peregrinações e acostumado com aquele clima árido, claramente leva vantagem sobre os colegas de viagem.

O chão treme quando Dredd é arremessado para trás rugindo de dor e cai de costas no chão seco. Uma chama negra arde em seu peito direito e ele luta para apagá-la esfregando o local com sua mão esquerda. Temia e Amelius correm para levantá-lo, mas ao se aproximar de seu companheiro barbárico, este já se colocou de pé, furioso.

- Ele está aqui! – bradou Dredd, avançando implacavelmente com espada em mãos, dessa vez tendo os seus companheiros logo atrás de si, com armas à postos, igualmente preparados para o combate.

Ao longe, uma voz rouca chama “Bruno! Bruno!”.

Do chão, mãos esqueléticas se elevam buscando apoio e se puxando para cima. Dezenas de esqueletos se erguem vestindo armaduras em frangalhos e bradando armas enferrujadas. No meio deles flutua um ser não-morto, uma criatura que um dia foi um homem estudioso das artes místicas, mas que agora é um híbrido de morto e vivo, seu corpo se mantendo funcional por intermédio de magias proibidas.

- Lich! – ruge Amelius, a ponta do seu cajado se iluminando ao preparar uma magia de defesa.

“Eu juro que geralmente ele não é desse jeito.” diz a voz distante e rouca.

- Ei Bruno, o que está fazendo aí? – Getúlio estala os dedos da mão direita próximo ao rosto de Bruno com o intuito de chamar a atenção dele - Preciso que traga umas coisas do armazém para cá!

- A-ah, claro Seu Getúlio, já estou indo!

Capítulo 05 - Pernas pra quê te Pernas

O transe de Bruno é quebrado pelo chamado do Velho Getúlio. Apesar de estar oficialmente trabalhando no Antiquário Canto do Mundo a uma semana, constantemente o garoto precisa se lembrar que não é mais um frequentador do local e sim um funcionário. Esteve tão imerso em sua leitura que nem percebeu a entrada de clientes na loja, clientes esses que olham para Bruno com olhares julgadores por ele estar lendo ao invés de os atendendo.

- São duas caixas de papelão no segundo corredor, embaixo de um relógio de metal, grande e redondo do século XIX. – Ele fala por cima do ombro, conforme Bruno vai se afastando em direção a porta de trás.

- Certo. – Bruno responde, já passando pela porta.

O rapaz aproveita que está indo para o armazém e leva consigo o livro que está lendo, intitulado As Crônicas de Xalimbra Vol. 1, uma história sobre bárbaros, monstros e feiticeiros, que está gostando bastante, sendo bem diferente do que costuma ler. Desde que encontrou o livro, se pergunta como foi que chegou ali, numa pequena estante, à direita da entrada do armazém e atrás de várias sacolas velhas repletas de sabe se lá o quê. O livro ainda está em bom estado, apesar das folhas estarem amareladas. Bruno dá uma última olhada na capa (aonde o bárbaro, o feiticeiro e a caçadora caminham em direção à uma pirâmide de cristal verde no meio do deserto) antes de guardá-lo na penúltima prateleira, contando de cima para baixo, sozinho no canto direito.

Ele então caminha até o segundo corredor e busca as caixas que Velho Getúlio lhe indicara. Achar o relógio do século XIX preso na parede foi fácil, pois o garoto já havia o notado antes - ainda que não soubesse de que século pertencia até alguns instantes atrás. Sem prestar grande atenção ao relógio ou ao corredor, puxou as duas caixas de baixo do relógio, as empilhou e tratou de voltar para a loja.

Nessa semana em que Bruno esteve trabalhando, vez ou outra teve que ir ao armazém para buscar alguma coisa. Em geral, tudo que não chama muita atenção, que é repetido, quebrado, defeituoso ou fora do normal acaba sendo guardado na parte de trás. Isso e eventuais encomendas que os clientes façam.

- Obrigado, Bruno. – foi a resposta breve de Getúlio quando o garoto deixou as caixas em cima da bancada e as organizou lado a lado. Getúlio abre uma delas e começa a mostrar o interior para o casal de clientes na sua frente.

Antes de poder se sentar na sua cadeira, o garoto avista um cliente vindo lentamente em sua direção, com a cabeça baixa. A pessoa é mais baixa que Bruno, tendo menos de 1.60 m, com o corpo coberto por uma capa marrom com um capuz caindo sobre a cabeça, impedindo que seu rosto seja visto. Ela anda lentamente, com sua mão direita segurando a capa fechado em frente ao corpo e a mão esquerda utilizando uma bengala de metal para ajudar a caminhar. Bruno percebe a ausência de uma perna esquerda nessa pessoa.

- Boa tarde. – diz ele, com uma voz aguda e juvenil, humildemente, enquanto ergue o rosto e puxa o capuz levemente para trás. Seu rosto é de um adolescente moreno, que parece ter a idade de Bruno ou ser um pouco mais novo, usando um pequeno brinco de argola no lóbulo da orelha esquerda e um gorro vermelho que tampa a maior parte dos cabelos encaracolados. Parece estranhamente familiar. – Vim pegar uma encomenda. Está no nome de Troncoso Ramos.

- Vou verificar para... – por um momento pensou em chamá-lo de senhor, mas não conseguia fazer isso para alguém mais novo do que ele. - ... para você.

Bruno se aproxima de uma das caixas que trouxe do armazém e começa a vasculhar em seu interior. Não foi difícil encontrar a encomenda, pois era uma perna feita de madeira e com uma etiqueta escrita “T. Ramos”. É mais leve do que Bruno esperava que fosse.

- Aqui está. – diz ele, entregando a perna para o cliente, que agora observa as estantes do Antiquário com curiosidade. Subitamente, Bruno percebe porque acha o garoto familiar mesmo sem tê-lo visto antes. – Ei, você não é... – ele para, com medo de soar idiota, e acaba falando sem muita confiança. - ... o Saci?

- Sshhh!! – o cliente arregala os olhos, imediatamente coloca o dedo indicador direito na frente dos lábios e xia para Bruno. – Fala baixo!

- D-desculpa! – Bruno se sobressai, assustado.

- Eu sou famoso, bródi. Não gosto que as pessoas venham me pedir autografo, tá entendendo?

O Saci olha de relance para os dois clientes que o Velho Getúlio está atendendo e depois volta a olhar para Bruno. O garoto entende a mensagem.

- Entendi. Mas, hum... eu não sabia que você precisava de ajuda para andar.

Num movimento rápido e preciso, o Saci, com visível impaciência em seu rosto, gira sua bengala com a mão esquerda e a faz bater (não tão) suavemente na cabeça de Bruno.

- Ai!

- Eu tenho que me misturar de alguma forma, tá ligado?

- Ah.

- Saltitar por ai ou usar essa bengala fica chato depois de um tempo, então eu gosto de usar próteses como essa.

- Faz sentido. Mas por quê de madeira?

- Você não faria essa pergunta se soubesse o quão mais fácil e barato é enfeitiçar madeira.

Como Bruno não tem resposta para essa afirmação, a conversa acaba terminando por ai mesmo. O Saci solta a capa brevemente, possibilitando que Bruno veja as surradas camisa branca e bermuda vermelha que ele usa por baixo. Ele pega a perna de madeira, sem cerimônias, a coloca no local onde estaria sua perna esquerda e a torce levemente em sentido horário. Bruno não se lembra de ter visto qualquer tipo de encaixe na madeira, mas ainda assim escuta um clic suave após a torcida.

Com um sorriso no rosto, o Saci ergue a sua nova perna esquerda para cima, flexiona o joelho várias vezes, mexe o pé para cima, baixo e para os lados e então termina abaixando a perna, se equilibrando encima dela e dando pequenos pulos.

- Há! É perfeito! – diz ele, falando novamente em um volume normal – Valeu, boy, a grana já tá com o véi. Qual seu nome mesmo?

- É Bruno. Bruno Santana. – ele responde, por dentro animado que alguém famoso agora sabe seu nome.

- Beleza, Santana-boy. A gente se vê por ai. – ele novamente cobre seu corpo com a capa marrom.

- Espera, antes de ir. – Bruno decide tirar uma dúvida antes que o Saci, que parece subitamente apressado, vá embora. Só por garantia, ele se aproxima e volta a abaixar o volume da voz. – E esse nome de Troncoso Ramos? É de verdade?

- Há! – o Saci dá uma risadinha, abrindo um grande sorriso repleto de dentes amarelados. Ele então pisca com seu olho esquerdo antes de responder, em tom de gozação. – Já disse que evito autógrafos, boy.

E, assim, o Saci se vira de costas e caminha até a saída do Antiquário, caminhando bem como alguém que sempre teve as duas pernas funcionais. Logo depois, o casal de clientes ao lado vai embora satisfeito ao comprar um abajur de décadas atrás. Bruno e seu chefe sentam-se novamente em suas respectivas cadeiras.

- Deu tudo certo com a venda, Bruno?

- Ele veio pegar uma encomenda, disse que já tinha deixado pago com o senhor.

- Era o Troncoso?

- Ele mesmo.

- Ah sim, tudo certo então. – Velho Getúlio dá um singelo sorriso de satisfação.

As portas se abrem novamente. O Saci retorna, novamente mancando, segurando a capa em frente ao corpo com a mão direita e a bengala com a mão esquerda. Bruno franze a testa, olhando com estranheza. Por que ele está mancando, será que a perna já deu defeito? Ele sempre usou luvas nas mãos? A bengala não era de metal?

Bruno logo percebe que a resposta para as suas três perguntas é não.

- Troncoso, meu garoto! – Velho Getúlio se levanta, abrindo os braços em um gesto convidativo. – Como vai o seu pai?

A figura coberta olha para um lado e para o outro. Ao notar que outros clientes não estão presentes no Antiquário, ele larga sua capa e mostra um corpo completamente de madeira, vestindo uma bermuda caqui, cinto preto, pochete marrom e uma camisa de botões verde. Para completar, ele puxa o capuz para trás, mostrando um rosto que pega Bruno de surpresa. Parece, para o garoto, que alguém apanhou três tábuas de madeira e as pregou na cabeça daquela criatura, depois colou dois olhos de vidro e finalizou desenhando sobrancelhas, nariz e boca com um lápis de ponta grossa.

- Tá do mesmo jeito, reclamando de tudo e de todos. – respondeu o suposto Troncoso, com uma voz cansada e áspera, bem diferente dá voz do Saci.

- Ele não muda nunca. Algum problema com a perna?

- É aquilo que eu te falei, bati o joelho e agora ela tá travando, não consigo nem andar direito.

- Sim, mas estou perguntando da perna que você acabou de levar.

- Acabei de levar? Como, se eu entrei agora na loja?

Silêncio.

- Bruno... – Velho Getúlio começa a falar, de maneira vagarosa.

- Ehehe... hehehe...

- O que está acontecendo? – pergunta Troncoso, se aproximando da bancada.

- Bruno vai nos explicar exatamente o que houve com sua encomenda. – Getúlio fala, cerrando os olhos e fazendo uma expressão séria ao falar com seu funcionário adolescente.

- Então...eu entreguei a perna para o Saci.

- O QUÊ?! – os dois gritam em uníssimo.

- De todas as pessoas, por que justo ele? – indaga Troncoso, batendo com a mão direita em seu próprio rosto liso.

- E-ele disse que Troncoso é o nome falso que ele usa pra evitar ser reconhecido! E-e-e tava com uma capa igual a essa, usando bengala e parecia mesmo que precisava de uma perna! – Bruno responde, atrapalhado, gaguejando e começando a suar frio.

- Não ensinam nada sobre folclore para as crianças hoje em dia? – diz Getúlio, decepcionado. – O Saci é conhecido por pregar peças nas pessoas.

- Eu sei disso, mas... não achei... que ele fosse fazer isso... com... a gente...

Após alguns segundos de silêncio, Getúlio respira fundo. Agora que o erro já foi cometido, não adianta se estressar. Precisa algum dia se lembrar de detalhar certos assuntos com o garoto.

- Você vem comigo! – diz Troncoso, girando a bengala de madeira e fazendo-a bater no topo da cabeça de Bruno. A ingenuidade de Bruno não foi uma desculpa bem aceita por Troncoso, pelo menos não enquanto a perna não for devolvida.

- Ai! – o garoto esfrega o topo da cabeça, resmungando que a mesma pancada duas vezes no mesmo lugar já é demais.

- É Bruno, vai ter que fazer alguma coisa antes que ele quebre a perna do Troncoso. – fala Getúlio, como um tom de voz de quem aceita que não há outra solução.

- Ou usar para algo indevido. Seria a cara dele. – Troncoso resmunga, batendo com a bengala no chão, inquieto. – Quando ele saiu daqui?

- Um pouco antes de você entrar. – responde Getúlio.

- Então vamos antes que ele vá para longe! – decide Troncoso, virando de costas e mancando em direção da porta da frente.

Bruno olha para Getúlio, que dá de ombros.

- O-ok...

----------------------------------------

Bruno passou os próximos minutos caminhando com Troncoso pelas ruas do subúrbio. Ele entende que aquele homem de madeira (ou sabe-se lá o que ele realmente seja) precise esconder sua aparência, mas, na opinião de Bruno, o modo como ele anda coberto pela capa chama mais atenção do que o necessário. As pessoas passam por eles olhando e comentando, estranhando como alguém pode sentir tanto frio em um dia ensolarado como esse.

- Aposto que ele foi para um lugar aberto. – disse Troncoso, assim que saíram do Antiquário, obviamente falando sobre o Saci. – O que ele mais gosta é de pregar peças nas pessoas, se esconder e observar elas se ferrarem. – ele completa com um tom bem claro de desaprovação em sua voz.

Com isso, Bruno guia a criatura de madeira até um campo aberto com poucas árvores. Lá, alguns adolescentes do bairro criaram um campo de futebol improvisado ao trazer duas traves com as bases enferrujadas para lá. Os adolescentes são mais velhos que Bruno e no momento estão ocupados em uma partida acirrada de futebol.

- Então... você tem ideia de que tipo de peça ele pode pregar?

- Fazer as pessoas caírem na lama, sentarem em uma almofada de peido ou colocarem a mão em um ninho de vespas são todos clássicos...

- C-colocar a mão em um ninho de vespas?!

- ... mas pode variar bastante. – ele continua falando, sem nem escutar Bruno. – Em geral alguma coisa que cause desconforto, vergonha ou uma dor cômica.

- Eu não entendi bem o que seria uma dor cômica, mas atrapalhar um jogo de futebol também conta?

- Não sei, acho que depende de como ele-

Troncoso para de andar e falar quando Bruno o puxa pelo braço e o faz parar. A princípio não entende o porquê do garoto estar apontando para o campo de futebol, até perceber que ele aponta para além do campo. Do outro lado do campo, é possível ver uma cabeça morena com um gorro vermelho espiando o campo e, mesmo longe, o homem de madeira jura que consegue ver um sorriso aberto de orelha a orelha naquele rosto zombeteiro.

- Ele vai agir! – Troncoso fala alto e aponta a bengala para frente, usando a mão direita para sacudir o ombro de Bruno. – Vai lá e faz alguma coisa!

- M-m-mas fazer o quê?

- Pega ele! De preferência pela perna!

Ele empurra Bruno, que não vê outra escolha além de correr em direção ao campo. Do outro lado, o Saci invade o campo, já sem a capa, correndo com sua perna natural e a perna de madeira de Troncoso, para a surpresa de todos ali presentes.

Recomendação do Capítulo:
Banda: Sweet
Álbum: Nenhum / Lançada Apenas Como Single em 1973
Música: Hell Raiser
Gênero: Glam Rock


O Saci aproveita para pegar a bola que estava saindo do campo e indo para escanteio, dribla os dois jogadores que são pegos no susto, contorna outros dois enquanto dá uma risada aguda, cruza o meio de campo e vai em direção ao gol. Bruno, desajeitado e exatamente o oposto do que seria um bom atleta, corre no meio de dois adolescentes mais velhos, após ter colidido com um deles e quase caído. Bruno se lembra do livro que esteve lendo e imagina que eles são Dredd, Temia e Amelius avançando para derrotar o terrível Lich.

Exceto que o Lich não jogaria a bola para cima, distraindo os garotos, depois correria ao redor deles para aparar a bola com sua cabeça alguns metros depois, como o Saci fez. Enquanto corre pelo restante do campo, Troncoso se firma diante dele, na frente da zaga. Mesmo com o capuz por cima do rosto de Troncoso, os olhos dos dois se encontram, com o homem de madeira transmitindo a melhor expressão ameaçadora que consegue.

O Saci sorri.

- Esse é em sua homenagem, Troncoso. – diz ele, piscando. A bola sai de sua cabeça, quica uma vez no chão e depois é chutada pela perna de madeira. Ela passa em alta velocidade ao lado da cabeça de Troncoso (que não se importa em tentar pegá-la) faz uma curva no ar e entra no gol pelo canto superior direito, mesmo com os esforços do goleiro, que se joga e ergue a mão esquerda para tentar impedir.

- Devolve minha perna! – grita Troncoso, se jogando em direção à perna de madeira. O Saci, em resposta, pula por cima dele como se não fosse nada.

- Infelizmente não vai dar, Troncoso meu caro. – diz ele zombeteiramente enquanto corre para longe.

- Você está bem? – pergunta Bruno, se ajoelhando no chão para ajudar Troncoso a se levantar.

- NÃO! A minha perna está indo embora com aquele-

- Tirando isso.

- Fora isso estou bem sim, obrigado.

Os dois mal se levantam e Bruno já começa a puxar Troncoso para longe do campo, fazendo-o mancar desajeitadamente pela grama.

- Ai, ei! Eu já falei que minha perna esquerda não tá prestando!

- A gente não vai querer ficar aqui.

No campo, os adolescentes começavam a discutir e apontar dedos uns para os outros.

- A culpa foi sua por ser muito lerdo!

- Por que não pegou ele quando teve chance?

- Cala a boca, que tu é só o goleiro!

- Vocês só estão reclamando porque ele venceu a partida pra gente.

- Até parece que esse gol valeu de alguma coisa.

- Gol é gol, nem vem com essa!

- É, pelo menos ele desempatou o jogo.

- Sai fora, imbecil! Não valeu!

- Sai fora tu, cabeção!

- Magrelo!

- Careca!

- Ei, parô! Cadê aqueles moleques? Foi tudo culpa deles!

E foi assim que os adolescentes decidiram ir atrás de Bruno e Troncoso, que a essa altura já estão a vários metros de distância.

- Droga, eles nos viram! – resmunga Troncoso, que manca enquanto olha para trás em intervalos regulares.

- Vêm, por aqui talvez tenha um caminho que dê pra se esconder... – é o que Bruno fala, logo antes de passar por cima de alguns arbustos e perder o folego com o que vê - Ah!

O garoto se arrepende mentalmente do caminho que fez, pois agora está de frente para um barranco de vários metros em uma diagonal (praticamente vertical) que termina em um estreito caminho de grama e logo depois em um córrego do rio que passa na região.

- Ferrou, ferrou! – diz Bruno, nervosamente olhando para trás e olhando para frente, se sentindo completamente encurralado. Os gritos dos adolescentes que se aproximam raivosamente não tornam a situação mais fácil de lidar.

Troncoso, no entanto, continua querendo avançar. Dessa vez é ele que puxa Bruno pela roupa.

- E-ei, o que tá fazendo?

- Precisamos continuar em frente, não podemos parar.

- M-mas eu vou me quebrar todo!

- Olha, apenas pule! Feche os olhos se achar necessário!

- Mas-

Sem parar para escutar o garoto, Troncoso deixa cair a bengala de madeira na frente dele, agarra a camisa de Bruno com a mão esquerda (Ai! – o garoto resmunga enquanto fecha os olhos com força) e então pula puxando seu companheiro humano.

Bruno passa os milisegundos em que está no ar pensando em como vai pisar em falso, escorregar e cair rolando por vários metros antes de quicar uma única e dolorosa vez no chão para então acabar dentro do rio.

O que acontece, na verdade, é que os seus pés encontraram uma superfície lisa e plana. Hesitantemente, o garoto abre os olhos e vê que ele e Troncoso estão surfando em uma prancha circular de madeira, na qual Troncoso em sua frente controla equilibrando seu corpo para um lado e para o outro, com os braços bem abertos, como um surfista faria ao pegar uma onda real feita de água.

Ao se aproximar da base do barranco, Troncoso freia inclinando o corpo para trás da prancha. Com um pouco de turbulencia, mas sem que algum dos dois caia, ambos param e saltam da prancha na pequena faixa de terra em frente à água. A prancha encolhe e se transforma em uma bengala de madeira, Troncoso se abaixa e a pega.

- Como você fez isso? – Bruno pergunta, com o queixo caído e os olhos arregalados.

- Se chama Naturacinese. – Troncoso responde, com um sorriso de orgulho em seu rosto madeiroso – Minha habilidade especial.

- Que legal. – são as únicas palavras que Bruno consegue falar, tão impressionado que mal consegue elaborar pensamentos completos.

- Troncoso, você me deu um susto! – grita uma voz infantil à frente deles.

- Waaaah!!!

Uma criatura bota a cabeça para fora d’água, assustando Bruno, que se esconde atrás de Troncoso. A cabeça dela é verde escura, com uma textura que lembra musgo, um bico amarelo pouco alongado, uma depressão no topo da cabeça e cabelos pretos que parecem algas caindo em direção ao rosto. De tudo isso, o que mais surpreende Bruno é que essa criatura parece mais assustada com ele do que ele com a criatura.

- E você está com uma c-c-criança humana! – diz a criatura, com a voz aguda e tremida, se abaixando dentro d’água de forma que apenas fique visível os seus olhos para cima – O que significa isso?

- Estamos atrás do Saci, ele pegou minha perna esquerda. – Troncoso responde de madeira rápida e seca – Você sabe pra onde ele foi?

- Sim, ele desceu o rio. – ela responde, momentaneamente esticando um dos braços para fora d’água, o bastante para Bruno notar que ela possui um braço escamoso e barbatanas entre os dedos – Mas e sobre-

- Sem tempo, irmão. – diz o homem de madeia, mancando o mais rápido que consegue na direção indicada, mas parando ao ter uma ideia. – Pode nos dar um impulso?

- A-ah, claro. – ela responde, hesitante.

A bengala de Troncoso se transforma novamente em uma prancha instantes antes do homem de madeira a colocar na água. Ele sobe na prancha, segura o braço de Bruno e o ajuda a subir e se posicionar atrás dele. O garoto está se perguntando o que Troncoso quis dizer com “impulso” quando um solavanco os faz seguir em frente de maneira súbta, quase o derrubando.

Olhando para trás, o rapaz avista dois pés semelhantes ao de sapos batendo em alta velocidade emitindo um som análogo ao motor de uma lancha. Infelizmente ele mal tem tempo de comentar o que acha da habilidade, pois uma presença preocupante se aproxima.

- Troncoso, o Saci está atrás de nós! – Bruno alerta.

- O quê? Mas nós é que estávamos atrás dele!

- I love surfing, baby! – com um comentário zombeteiro em inglês, o Saci passa surfando em alta velocidade ao lado da dupla, lançando propositalmente uma onda para cima deles.

- Argh!

- Desgraçado, como faz isso?! – Troncoso brada, furioso.

- Aprendi a surfar nas pororocas do Rio Amazonas. – ele responde, surfando em uma espiral ao redor de Bruno e Troncoso.

- Isso não explica nada! – grita o homem de madeira, se esticando perigosamente na direção da criatura travessa.

- Ei, desse jeito nós vamos acabar-

E dessa forma, antes mesmo de Bruno terminar de avisar, a dupla cai dentro do rio após Troncoso perder o equilíbrio tentando agarrar o Saci em pleno giro. Após alguns segundos se sacudindo em meio aos peixes, o garoto sente algo abraçando seu abdômen e o erguendo. O susto resultante desse momento o faz soltar todo o ar dos pulmões e, por pouco, não aspira água.

Quando se dá por si, Bruno está deitado ofegante de barriga para cima na margem do rio, ao lado de Troncoso, por sua vez sentado com as pernas e braços cruzados. A prancha em algum momento voltou a ser uma bengala de madeira e descansa ao lado de seu dono.

- Não acredito que fui tão tolo. – ele lamenta para si mesmo, balançando a cabeça de um lado para o outro.

Bruno se levanta devagar enquanto se sacode para tentar retirar o excesso de água de suas roupas. A criatura aquática está no rio, com apenas a cabeça para fora, olhando os dois com certa curiosidade. Apesar de não falar nada a respeito, Bruno sabe que foi ela que os retirou de dentro do rio.

- Obrigado pela ajuda. – Bruno diz, com um sorriso molhado. Em resposta, a criatura se encolhe e afunda alguns centímetros dentro d’água. O garoto não tem certeza, mas pensa ter visto ela corar. – Vamos, Troncoso?

- Pra quê? O Saci só vai nos fazer de bobos, de novo.

- Prefere deixar ele ir embora com sua perna? Vamos, a gente dá um jeito.

- Acho bom mesmo. – Troncoso responde, se levantando mal-humorado – Se não vou ter que ficar sei lá quanto tempo mais sem a perna esquerda esperando vocês encomendarem uma nova.

- Ah. – Bruno paralisa no lugar por alguns instantes, percebendo que o custo de uma a perna de madeira nova pode acabar saindo do seu salário.

- Vão querer impulso de novo? – pergunta a criatura na água.

- Não, dessa vez vamos andando. – o homem de madeira responde, para alívio de Bruno, que agradece silenciosamente.

Após dar alguns passos para frente, o jovem funcionário do antiquário se vira para trás, para se despedir da criatura que os ajudou. No entanto, ela já se afundou completamente na água e não está em nenhum lugar à vista dos olhos.

----------------------------------------

- Uff, finalmente.

Bruno resmunga ao terminar de subir uma pequena ladeira. Enquanto o rio passa por baixo de uma ponte de pedra e continua seguindo seu caminho errante, a dupla sobe pela grama ao lado do córrego e consegue voltar para as ruas do Vale das Pereiras enquanto espreme suas roupas molhadas.

- E agora? – o garoto pergunta, recuperando o fôlego - Procuramos outro lugar aberto?

- Não necessariamente. – responde Troncoso, aparentemente sem estar cansado. Bruno mentalmente se pergunta se o homem de madeira respira – Talvez ele tente variar um pouco agora.

Em resposta, Bruno e Troncoso escutam vários “triiim triim”s de campainha, vindo da esquerda, aumentando gradualmente de volume. Imediatamente, os dois viram a cabeça em direção ao som e avistam o Saci pedalando uma bicicleta cor-de-rosa com uma cesta branca em alta velocidade. Após um pequeno susto inicial, Troncoso avança para o meio da rua e estica a mão direita para frente, com a palma aberta, claramente fazendo sinal de parada.

- Chega, Saci! Acabou a brincadeira! – ele brada, com a voz séria e o mais ameaçadora possível. Com isso, o Saci freia com força, fazendo a bicicleta deixar uma trilha de borracha queimada na rua por metros até que pare exatamente na frente de Troncoso. O Saci pula da bicicleta permitindo que ela caia no chão.

- Valeu, eu já tava de saco cheio de pedalar mesmo. – diz ele, dando um toca aqui na mão aberta do homem de madeira e saindo correndo.

- Ei! A mão aberta não era pra isso! Volta aqui!

De maneira desajeitada e revoltosa, Troncoso se agacha, levanta a bicicleta, senta no banco e começa a pedalar na direção em que o Saci foi.

- E-espera, essa bicicleta nem é nossa! – Bruno fala, sem que ninguém o escute - Não podemos pegar assim!

- eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeEEEEEIIII! Devolve minha bicicleta! – uma voz grita de longe e se aproxima em alta velocidade. Bruno avista uma garota ruiva mais nova correndo e gritando em plenos pulmões por sua bicicleta roubada. Ele não quer ser pego pela fúria daquela criança, então decide fugir.

Alguns minutos depois de correr uma corrida desenfreada, Bruno precisa parar e se apoiar em um poste para recuperar o seu fôlego. Em seu desespero, não teve tempo de pensar muito para onde esteve correndo e também não faz a mínima ideia de qual direção Troncoso e Saci seguiram.

- Olha amor, podemos aproveitar que o cimento está fresco e marcar nossos nomes nele. – diz um jovem adulto ali perto de onde Bruno está descansando. Ele olha para sua esposa com um olhar tão feliz e apaixonado que o garoto quase consegue ver corações saindo de sua cabeça.

- Que ótima ideia, amor! – responde a esposa, com uma expressão facial de quem está igualmente apaixonada – Marcaremos nossa casa nova com nosso eterno amor!

- Oh, amor!

Bruno observa a situação se perguntando se todo casal se comporta dessa forma melosa quando se casa. Após um beijo apaixonado, o rapaz se ajoelha em frente à sua calçada recém cimentada, desenha um grande coração com o dedo indicador...

... e o Saci contribui com a obra de arte pisando com seu pé de madeira no meio do coração, jogando cimento fresco para todos os lados.

- Argh, seu...! -  o rapaz se afasta, limpando o rosto.

- Amor, seus olhos!

- Eu tô bem, eu tô enxergando!

Enquanto a esposa se preocupa em limpar o rosto do marido, o Saci aproveita para escrever logo acima do coração, usando o dedão do pé de madeira.

- T R O N – ele começa.

Aproveitando a deixa, Bruno sai da sombra do poste e avança para o Saci, pronto para agarrá-lo enquanto está praticando suas travessuras. No entanto, o que o garoto não espera é que o cadarços de seu tênis foram amarrados um no outro enquanto esteve olhando para o casal apaixonado e com isso ele tropeça e cai com as mãos no cimento molhado, bem abaixo do coração com uma marca de pé no meio.

- C O S O – o Saci termina de escrever acima do coração. – Bom, minha homenagem aqui está finalizada. Obrigado pela contribuição, Santana-boy!

E assim, o Saci novamente vai embora, rindo alegremente. Bruno retira o excesso de cimento das mãos, ajeita os cadarços e se prepara para ir atrás dele novamente, dessa vez já sem tantas esperanças de que vá dar certo.

- Seu moleque, vou te ensinar uma lição!

O casal se volta para Bruno, após a esposa ter tirado todo o cimento do rosto do marido e certificado que nada tivesse escorrido para os olhos. O marido avança, bufando de raiva para Bruno.

- N-não fui eu! – são as únicas palavras que ele consegue dizer ao mesmo tempo que corre.

- Ei, garoto! – diz uma voz conhecida. Troncoso aparece ao lado de Bruno, ainda pedalando a bicicleta rosa. Ele aponta para frente, onde o Saci acaba de virar uma esquina – Estamos quase pegando ele!

A dupla vira a esquina e dá de cara com um time de jogadores adolescentes de futebol repletos de raiva. Os dois tentam retroceder, mas ao olhar para trás avistam o casal furioso e a garota dona da bicicleta se aproximando.

- Agora vocês não têm para onde correr!

- Já era para vocês!

- Ensina pra eles, Careca!

- Devolvam minha bicicleta!

- Moleques...!

- É... acabou. – diz Troncoso, saindo de cima da bicicleta.

- Minha vida foi tão curta... – reclama Bruno, que preferia ter ficado no Antiquário terminando de ler o seu livro.

- Nyaha há há há há!

Uma risada estridente e zombeteira quebra a tensão e faz com que todos olhem para o outro lado da rua, onde o Saci está sentando em uma cadeira reclinável, com a perna de madeira dobrada para cima da perna normal, apontando para a cena e rindo enquanto come pipoca de um saquinho que acaba de roubar.

- Vocês são hilários! Mais, mais, quero mais! Mais tensão, mais suspense, mais ação!

- Ei... ele é o cara!

- Fez o gol no nosso time!

- Roubou minha bicicleta!

- Pisou com o pé de madeira no cimento!

- PEGUEM ELE! – gritam várias vozes ao mesmo tempo, imediatamente esquecendo de Bruno e Troncoso e indo atrás do Saci, que pula da sua cadeira confortável e foge.

Em poucos instante, tudo realmente acabou. O foco de todos ali deixou de ser em Bruno e Troncoso e passou a ser no Saci. A garota pegou a bicicleta e mesmo assim pedalou em direção ao pregador de peças, pronta para entregar algumas pancadas. Boa sorte para eles, pensa Bruno.

- Bom... e agora? – questiona o garoto.

- Acho que é isso. Ele é demais para a gente. Nunca vamos pegá-lo. – responde Troncoso, vencido.

- Não mesmo.

Ambos olham para trás, com um susto, fazendo o Saci rir novamente. Ele pula de cima do muro para a calçada, fazendo uma pose exagerada como um ginasta que acaba de realizar diversas acrobacias complexas.

- M-m-mas como você fez isso?! Você estava indo pra lá e agora está aqui?! – Bruno olha para os lados e para o Saci, sem entender absolutamente nada.

- Há! Tenho meus truques, dude.

- Devolva minha perna! – Troncoso avança, com as mãos fechadas em punhos em frente ao rosto, preparado para lutar por sua perna se for preciso.

- Claro, é para isso que eu vim aqui. – diz o Saci, simplesmente, pegando a perna de madeira e a girando até que faça um clic e se solte. Ele entrega para Troncoso, que olha desconfiado como se fosse uma bomba e não a perna que esteve atrás a tarde inteira – Não esquenta, a perna tá de boa.

O homem de madeira pega a sua perna e a examina cuidadosamente, virando de um lado para o outro, testando as articulações e esfregando o cimento da sola do pé.

- Foi divertido, devemos fazer isso mais vezes! – continua ele – Foi ótimo brincar com vocês, Troncoso e Santana-boy!

- Espera... nós éramos os alvos o tempo todo? – Bruno pergunta, incrédulo.

- Ora, claro! Ver vocês correndo por ai tentando me pegar foi hilário!

Troncoso balança a perna de madeira em suas mãos como um bastão para tentar golpear o Saci, mas este se abaixa agilmente e desvia mesmo sem estar olhando.

- Ei ei, nada legal isso ai. Melhor vocês irem embora antes que uma multidão enfurecida volte a perseguir vocês. See you!

Bruno e Troncoso se entreolham, preocupados se aquilo seria verdade ou não. Quando olham na direção do Saci, ele não está mais lá.

Por via das dúvidas, eles decidem voltar imediatamente para o Antiquário, andando o mais rápido que podem.

- Então, agora que tudo isso passou, eu devo dizer... – começa Troncoso - ... você foi uma boa ajuda. E o Saci sempre encontra formas de enganar as pessoas, você não foi o primeiro e nem o último a ser enganado.

- Ah, certo. – ele não tem certeza se deve agradecer pelas palavras.

- Qual o seu nome, mesmo?

- É Bruno. Bruno Santana.

- E eu sou Troncoso Ramos, mas disso você já sabe. Eu fico impressionado que até agora você não fez a piada. Tem um ótimo auto-controle.

- Piada? Que piada?

- Você sabe. A piada que você pensa quando olha pro meu rosto.

- Hum... – o garoto olha para o rosto de Troncoso. Continua sendo feito por tábuas de madeira, olhos de vidro e detalhes desenhados em lápis. – Eu não sei de piada nenhuma.

- Então você não tem vontade de olhar para mim e dizer que sou um cara de pau? Do tipo “Nossa, que cara de pau a sua, Troncoso, de vir pedir a minha ajuda!” ou talvez “Você não tem vergonha de ser tão cara de pau com as pessoas, Troncoso?”? – a raiva que ele sente dessas frases fica bem evidente na voz.

-Ah! Não, nem pensei nisso! – diz ele, mas logo em seguida uma risada começa a surgir em seus lábios. – Mas seria engraçado.

- É, seria. Seria se eu já não tivesse escutado umas seis mil variações dela.

- Entendi. – responde Bruno, engolindo a risada.

Eles caminharam em silêncio o resto do caminho até o antiquário Canto do Mundo. Apesar de não haver troca de palavras, Troncoso decide gostar daquele humano chamado Bruno Santana.

----------------------------------------

Quando chegam ao Antiquário, falta pouco menos de uma hora para o horário de fechamento. Bruno imediatamente vai ao armazém, buscar o livro que deixou por lá, com o objetivo de terminar de ler pelo menos o capítulo que já começou antes de dar a hora de ir para casa. Assim, ele segue para a direita ao abrir a porta do armazém, para a estante atrás de várias sacolas. Lá está As Crônicas de Xalimbra Vol. 1, na penúltima prateleira, contando de cima para baixo, no canto direito ao lado de um livro com a capa preta de couro.

Bruno pisca e se inclina mais para perto da estante, na dúvida se está enxergando bem ou vendo coisas. Ele sabe que não deveria ter outro livro ali, naquela posição específica. Intrigado, decide tirar os dois da estante. O livro de couro parece antigo e bem surrado, com páginas que foram rasgadas, molhadas e até mesmo queimadas. Na capa, o título está escrito em um idioma que o garoto não reconhece. No entanto, logo abaixo, escrito com uma caneta azul, está uma sentença que ele consegue entender perfeitamente:

“Magias Básicas”.


Última edição por Eusine48 em Qui 17 Ago 2023 - 4:01, editado 5 vez(es)
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyQui 11 Ago 2022 - 23:35

Hm, esse capítulo não avançou muito a história geral, exceto com esse finalzinho. Interessante, meio que lembrou da estrutura de alguns sitcoms.

O começo me confundiu um pouco; fazia tanto tempo que não havia lido que pensava que havia perdido algo x_x, mas é um bom começo que mostra que Bruno é imaginativo, o que é bom.

Uma crítica sobre como a situação se desencadeou é que Bruno não teve muita agência sobre a situação: as coisas acontecem com ele. Ele não inicia muita coisa.

A perseguição em si foi divertida, nada de muito extravagante, mas mostra bem os poderes dos sacis (saci é uma espécie?)

Você se referir a "buzinas de bicicleta" me confundiu sonoramente (lol), usar "buzinas" me fez vir à mente o barulho de carros, não o de sino de bicicletas, além disso é estranho o uso do plural em "buzinas" pois só há uma delas na bicicleta (provavelmente?).

Sinto também que chamar o Bruno de "Bruno-Boy" um pouco... estranho? Iria combinar se ele utilizasse de outras anglicosidades ou para mostrar que é um Saci moderninho, mas não parece ser a característica dele, talvez algum apelido brasileiro seja melhor? (Brunoso? Brubru? Unobruno?)

O saci também é caracterizado como tendo voz de aguda mas é descrito como adolescente, então confundiu também minha imagem dele...  Ele é imortal? Envelhece?

De qualquer forma, espero que ele volte. Ele é divertido e caótico.

Achei que a sua recomendação musical combinou com a situação.

A introdução da criatura aquática é interessante, pois abre a possibilidade de encontrarmos ela novamente, mas o gênero me confundiu um pouco. Inicialmente o gênero é conjugado com "criatura" (ie feminino), mas sem indicar que Bruno notou que é uma criatura masculina, a próxima frase utiliza o gênero masculino para indicar o falante, então pensei que bruno quem havia falado. Precisei reler algumas vezes para entender o que estava acontecendo.

Outra coisa a se notar é que gostei da caracterização dos personagens. São vários velhos e novos, alguns aleatórios, mas todos caracterizados bem o suficiente para ficarem distintos uns dos outros.

Enfim, é um bom capítulo com coisas a se melhorar, e espero que Bruno ganhe mais agência no futuro.
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MensagemAssunto: Capítulo 04 - Magia, Paixão e Goblin   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySáb 20 Ago 2022 - 22:48

Hey, obrigado pelos comentários! Sinto falta de quando o FireAlex comentava aqui... quem sabe ele está escrevendo algo secreto e por isso está ocupado? EVILtheREVENGE

Mr.Galleom escreveu:
O começo me confundiu um pouco; fazia tanto tempo que não havia lido que pensava que havia perdido algo x_x, mas é um bom começo que mostra que Bruno é imaginativo, o que é bom.

Achei que isso ia mesmo acontecer maple awesome face~

(Provavelmente vai acontecer de novo no futuro)

Comentários Sobre o Saci escreveu:
A perseguição em si foi divertida, nada de muito extravagante, mas mostra bem os poderes dos sacis (saci é uma espécie?)

O saci também é caracterizado como tendo voz de aguda mas é descrito como adolescente, então confundiu também minha imagem dele...  Ele é imortal? Envelhece?

De qualquer forma, espero que ele volte. Ele é divertido e caótico.

Boas perguntas, eu também fiquei me perguntando mentalmente isso enquanto escrevia. O que posso dizer que O Saci é único, não aceite imitações.

Melhorias no Texto escreveu:
Você se referir a "buzinas de bicicleta" me confundiu sonoramente (lol), usar "buzinas" me fez vir à mente o barulho de carros, não o de sino de bicicletas, além disso é estranho o uso do plural em "buzinas" pois só há uma delas na bicicleta (provavelmente?).

Sinto também que chamar o Bruno de "Bruno-Boy" um pouco... estranho? Iria combinar se ele utilizasse de outras anglicosidades ou para mostrar que é um Saci moderninho, mas não parece ser a característica dele, talvez algum apelido brasileiro seja melhor? (Brunoso? Brubru? Unobruno?)

A introdução da criatura aquática é interessante, pois abre a possibilidade de encontrarmos ela novamente, mas o gênero me confundiu um pouco. Inicialmente o gênero é conjugado com "criatura" (ie feminino), mas sem indicar que Bruno notou que é uma criatura masculina, a próxima frase utiliza o gênero masculino para indicar o falante, então pensei que bruno quem havia falado. Precisei reler algumas vezes para entender o que estava acontecendo.

Modifiquei o texto com base nesses comentários, obrigado. Em especial dei mais caracterizações para as falas do Saci, deixando ele mais jovem e inserindo mais inglês no diálogo pra se tornar algo característico dele.

Personagens escreveu:
Outra coisa a se notar é que gostei da caracterização dos personagens. São vários velhos e novos, alguns aleatórios, mas todos caracterizados bem o suficiente para ficarem distintos uns dos outros.

Lendo algumas das minhas histórias mais antigas, notei que muitos personagens que criei apenas "existem" para determinado objetivo ou para um momento específico da história. Um dos meus focos aqui é tornar os secundários mais expressivos e importantes. Só espero não exagerar na quantidade... theNewF6

Enfim, lá vamos nós com o Capítulo 04!

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O despertador do celular toca com uma música positiva e otimista do final dos anos 1960. Sem enrolar muito, Bruno se espreguiça e se levanta com um bocejo. Além de cumprir a função de acordar o garoto, o modo como a música foi gravada (colocando o celular em frente ao toca discos) lembra automaticamente que ele precisa ir trabalhar.

Ele não se dá o trabalho de parar a música, prefere deixá-la tocando enquanto arruma sua cama e guarda alguns pertences na mochila, pois o volume não está alto a ponto de atrapalhar ninguém.

Após tomar um banho, o garoto sai do quarto com mochila nas costas, sem ligar nenhuma luz no corredor ou na sala. As cortinas estão fechadas, fazendo com que apenas o mínimo de luz natural entre no apartamento, mas a tela da televisão da sala ilumina o ambiente o bastante para que Bruno evite pisar ou bater em algo. Assim, ele caminha se esquivando de fazer qualquer barulho que acorde o seu pai, que mais uma vez dormiu sentado na poltrona.

Antes de sair pela porta da frente, Bruno recolhe algumas notas de dinheiro e moedas que estão na bancada que separa a sala da cozinha e as coloca no bolso da calça. Ele retorna poucos minutos depois, com dois sacos da padaria Da Esquina repletos de pão de queijo. Bruno deixa um dos sacos na bancada da cozinha ao lado do troco, coloca a cafeteira elétrica para funcionar e, por fim, vai trabalhar.

Bruno prefere comer seu pão de queijo quando já está no metrô, indo para os subúrbios.

Capítulo 04 – Magia, Paixão e Goblin

Pelo menos uma vez por mês, Velho Getúlio junta uma quantidade suficientemente grande de itens que estão a tempo demais sem serem vendidos e resolve fazer uma liquidação. Assim, a manhã de segunda-feira de Bruno foi bem ocupada, com o garoto precisando levar várias caixas para o lado de fora, ajudar a organizar tudo e anotar o preço de cada item com desconto.

Esses não são os dias favoritos de Bruno, muito pelo contrário. Estes são os dias em que o risco de comprarem algo que ele goste aumenta bastante, muita coisa boa já foi levada embora em liquidações anteriores. É com uma expressão de pesar no rosto que ele coloca uma etiqueta de “40 % de DESCONTO!” em um dos seus discos favoritos. Ele se sente escrevendo uma causa de morte.

- O que foi, Bruno? – diz Getúlio, colocando uma mão no ombro do garoto. Ele sorri, mas seus olhos mostram preocupação genuína com o jovem – Está um lindo dia, quer um suco de laranja?

Realmente está um dia bonito. O céu é de um tom azul claro, com poucas nuvens, e o sol brilhando alto, sem estar tão quente. Velho Getúlio usa uma camisa florida como se estivesse indo à praia e Bruno veste uma camisa leve e confortável. Nem parece que estão no inverno.

- Eu estou bem, não é nada. – o garoto responde, sorrindo e afastando os pensamentos do disco que (talvez) vá ser vendido hoje. – E aceito o suco, Seu Getúlio.

O espaço entre a garagem e a rua se torna uma extensão do Antiquário naqueles dias. Meia dúzia de mesas de plástico ficam cheias de itens à venda, enquanto Getúlio e Bruno ficam em cadeiras dobráveis, encostados no portão da garagem, aproveitando a sombra do telhado acima. À direita de Getúlio está uma mesa quadrada, com uma jarra de suco de laranja e alguns copos descartáveis. Bruno está sentado à esquerda, um pouco mais longe do que normalmente estaria.

O motivo de estar afastado é o livro que carrega consigo. Getúlio não costuma se importar que o garoto pegue algo para ler (desde que devolva no final do dia), mas a forma como o livro apareceu na estante, do nada, faz Bruno pensar que seja melhor manter segredo sobre ele. Mal passou das primeiras páginas na sexta-feira e a curiosidade o deixou boa parte do fim de semana desejando continuar lendo.

Ele se sente completamente louco folheando aquele livro velho intitulado Magias Básicas. Na sexta-feira, Bruno anotou algumas frases e pesquisou na internet quando chegou em casa, resultando em uma tradução quebrada e no garoto descobrindo que o livro está escrito em latim. Mesmo sem nunca ter tido contato com o idioma, as anotações em caneta azul de quem quer que usou o livro antes dele ajudam a, pelo menos, entender o nome e função de cada magia.

O garoto está lendo sobre uma magia chamada Corda Espectral que, de acordo com as anotações, cria uma Corda Espectral. A falta de detalhes deixa Bruno apreensivo de tanta curiosidade. As duas páginas sobre a magia devem dar mais detalhes, mas as únicas anotações em português são “Esticar a mão para o alvo e imaginar um nó”.

- Que vida boa essa sua, ein Getúlio? Só na sombra!

- Manoel! – Velho Getúlio se levanta e abraça um velho amigo – Chegou bem na hora, acabei de fazer suco de laranja e estou com vontade de vencer alguém no dominó!

- Oooh hehehei, quem sabe se minha neta decidir jogar, você vença de alguém uma vez na vida!

Bruno coloca o livro no colo por alguns instantes, toma alguns goles de suco de laranja e olha para o poste de energia do outro lado da rua, sem reparar naqueles dois senhores gargalhando ao seu lado. Ele estende sua mão direita na direção do topo do poste e sacode seus dedos para cima e para baixo, imaginando que, por magia, faz um raio cair do céu e despedaçar o poste com um estrondo. Imerso em pensamentos, sua boca emite um “kaboom” em volume baixo.

Sua mão formiga por alguns segundos. Ele a recolhe, meio assustado, e a abre lentamente enquanto a observa com cuidado. Bruno começa aos poucos a rir de si mesmo, se sentindo bobo por se imaginar conjurando magias e invocando raios.

- Oi, Bruno!

- Wah!

Pego no susto, Bruno rapidamente fecha o livro que está em seu colo e o guarda na mochila, que está no chão ao lado da sua cadeira. Com o coração tão acelerado que parece prestes a saltar pela boca, o garoto ergue os olhos para a pessoa que acaba de cumprimenta-lo.

Com toda a empolgação por conta do livro de magias, Bruno acabou esquecendo que este é, na verdade, o seu dia favorito no mês.

Parada em frente a ele está a garota mais bonita (pelo menos aos seus olhos) da sua escola. Martina Martins é um pouco mais baixa que Bruno e alguns meses mais velha – ela vai fazer 16 anos no final do ano, enquanto ele, apenas no ano que vem. Tem a pele clara, com um leve bronzeado, cabelos castanho-claro encaracolados que descem até metade das costas e olhos igualmente castanhos. Usa uma boina preta na cabeça, camiseta amarela, jaqueta e short jeans azuis e sandálias de dedo.

Além disso, ela é neta do melhor amigo do Velho Getúlio.

Recomendação do Capítulo:
Banda: The Beatles
Álbum: Revolver (1966)
Música: Good Day Sunshine
Gênero: Rock


- A-ah. – Bruno reage após um período desconfortável de tempo ter passado e dolorosamente consciente de que ela o viu mexendo a mão direita como um idiota. Ele não consegue evitar se sentir nervoso, ela é ainda mais bonita vestindo roupas casuais ao invés do uniforme escolar, chegando a ser hipnotizante - Oo-i, Martina! Que surpresa ver você aqui.

Ele responde como se não soubesse que que ela viria, o que causa uma breve franzida de sobrancelhas por parte dela. Bruno pensa rápido e continua:

- Er, sabe, com tanta gente viajando nas férias, achei que você também viajaria.

- Dessa vez não, meus pais só vão poder tirar férias no final do ano. Vou passar essas semanas com meu avô. – ela responde com um sorriso singelo, que logo em seguida muda para uma expressão que demonstra curiosidade – Então, gosta tanto de ficar cercado de coisas velhas que vem aqui até nas férias?

- Ficar cercado de coisas velhas é meu trabalho agora! – diz ele, empolgado. Talvez empolgado demais, por conta do nervosismo – Final do mês estarei recebendo dinheiro por isso.

Ele não faz ideia de como vai gastar esse dinheiro, ainda não parou para pensar no assunto. Alguém pigarra próximo a eles, mas Bruno nem se vira para olhar. Deve ser um dos idosos.

- Oooh, que legal! – Martina parece genuinamente impressionada, o que deixa Bruno encabulado – Foi por isso que você faltou os últimos dias de aula?

- Ah. – Bruno olha de relance para o Velho Getúlio, para ver se ele está escutando, mas seu chefe está absorto em um jogo de dominó com o avô de Martina. Quando teve o incidente com o vampiro português e Bruno passou a trabalhar no antiquário, acabou não comentando que ainda tinha alguns dias de aula por medo de perder o novo emprego antes mesmo de começar. – Sim, foi por isso.

Outro pigarro. Bruno pensa que os velhos deveriam tomar mais suco de laranja para umidificar suas gargantas. Faria bem para eles.

- Parece que a Helena aqui tá com ciúmes porque não recebeu um oi.

- Hãn?

Bruno olha para o lado e percebe que uma outra garota está acompanhando Martina. Óbvio que ele esteve tão focado que nem percebeu que havia mais alguém por perto, de tal modo que a aparição de Helena em seu campo de visão parece como o surgimento de uma assombração em plena luz do dia.

A diferença entre as duas garotas é como o sol e a lua. Martina é uma garota com sorriso gentil, bondosa e fácil de conversar, adora o verão e a primavera e se veste com roupas claras. Helena é fechada, sempre de cara emburrada e não gosta de falar com as pessoas, adora o outono e o inverno. Helena tem a pele pálida, usa uma camisa de manga comprida roxa, com uma estampa de lua cheia no centro, e calças pretas, mesmo sendo um dia quente. Suas unhas são pintadas de preto e ela costuma passar bastante delineador, resultando em um grosso contorno preto ao redor dos olhos. A garota mantém um guarda-chuva com estampa de borboletas aberto sobre sua cabeça.

Apesar das diferenças, ela é a melhor amiga de Martina, inseparáveis na escola. Normalmente, quando Martina vem acompanhada do avô, Helena não está junto, mas parece que nas férias as duas deram um jeito de se tornarem inseparáveis mais uma vez. Bruno sempre teve a impressão de que ela especialmente não gosta dele. Helena estala a língua quando Martina insinua que ela esteja com ciúmes, revirando os olhos com desprezo.

- Ah, oi. – Bruno olha para Helena sem jeito e ela não retribui o olhar. Meio incomodado, o garoto tenta puxar assunto – É a sua primeira vez visitando o Canto do Mundo, né?

- É sim. - ela responde, em um tom de voz monótono que ela sabe fazer muito bem – Estou procurando algumas coisas para decorar o meu quarto.

- Bom, fique a vontade para dar uma olhada. Tudo aqui fora está em liquidação, mas, se quer algo para decorar o quarto, dentro da loja tem mais opções.

- Ok.

Com uma resposta seca, ela se vira e passa a examinar as mesas ao redor. Martina ergue a mão direita e acena para Bruno, com um sorriso.

- Até logo. – ela diz, antes de se virar de costas e acompanhar a amiga.

- Até. – Bruno sorri um sorriso bobo e apaixonado, também erguendo a mão direita e acenando. Mesmo quando ela se vira, o garoto permanece acenando enquanto mentalmente relembra o rosto lindo de Martina Martins bem em sua frente.

- Garota legal ela, né?

- É sim. A mais legal de todas. – ele responde, com a cabeça nas nuvens, para a criatura que está ao seu lado tomando suco de laranja. Demora alguns instantes para que Bruno se recomponha e perceba que não devia haver ninguém ali – Wah! Q-quem é você?!

- Prazer, me chamo Nork. – responde Nork, uma criatura de pele verde, humanoide, do tamanho de uma criança de 5 anos, vestindo apenas uma bermuda preta e que está sentado escondido atrás da mochila de Bruno.

- E o que é você?!

- Que mal educado. – ele diz, se levantando. Além da pele esverdeada, o rosto também distingue Nork de um humano, pois seus olhos são pequenos e estreitos, completamente pretos, as sobrancelhas finas e quase inexistentes, nariz e ouvidos longos e pontudos. Sua voz soa estranha, anasalada, como se tivesse com o nariz entupido – Eu ein, não temos nem intimidade. Você não me vê perguntando o que você é, do nada.

- Porque você sabe que eu sou um humano, eu acho.

- É por isso mesmo. - É a única resposta da criatura verde, que então olha para Bruno com expectativa.

- Sou Bruno, agora pode me dizer logo o que você é? Aproveita e me diz o que está fazendo aqui, faz favor. – o garoto está claramente angustiado, olhando para os lados preocupado que alguém os esteja vendo.

- Agora sim! Bom, eu sou um goblin! – ele sorri, mostrando dentes pontudos e uma boca que se estica quase que de uma orelha até a outra, enquanto aponta para o seu peito com o polegar direito – Eu estou aqui para conhecer a loja.

- Você não pode voltar outro dia, não? Tá cheio de gente aqui que pode te ver a qualquer momento!

- Ah, eu sou cuidadoso. Te garanto, sou silencioso como um ninja!

- Não sei, você não tá me passando muita confiança não.

- Bruno! – Martina chama, alguns metros de distância – Quanto custa isso aqui?

- Só um minutos, já vou ai! – responde ele, se virando na direção da voz. Quando a garota novamente volta a se concentrar no que está em sua frente, Bruno se vira para o goblin… exceto que ele não está mais sentado atrás de sua mochila, no lugar está apenas um colo de plástico com resto de suco de laranja no fundo. - … e ele se foi.

Bruno caminha a passos rápidos em direção das garotas, ao mesmo tempo que olha para baixo, para esquerda e para a direita à procura do goblin.

- Perdeu alguma coisa? – pergunta Helena, com um tom de voz de quem não se importa realmente se ele perdeu algo ou não.

- Hum? Ah, não é nada. O que vocês precisam?

Helena ergue uma caixa de joias antiga, mas é Martina quem pergunta:

- Quanto custa?

- Ah, eu não coloquei o preço? Isso ai custa… - e ele é distraído pelo som de algo caindo com um “poow” dentro do Antiquário - … 15 dinheiros.

- Hum. – sem agradecer, ela coloca a caixa de joias de volta no lugar em que achou.

- Obrigada, Bruno. – diz Martina.

- Ei, Bruno! – chama Getúlio, sem se levantar ou desviar o olhar da partida de dominó – Pode ir ver que barulho foi esse?

- Posso sim! – responde o garoto, que queria mesmo ir investigar – E de nada, Martina e Helena!

Alguns instantes depois, ele abre a porta do antiquário e se depara com o goblin montado no aeromodelo de um zepelim, se balançando para frente e para trás, no chão do antiquário.

- Ihuul!

- Mas o que-

- Hum? Ah, oi! Eu tava aqui amarrando de novo esse balão no teto! – diz Nork, parando de se balançar e tirando um barbante do bolso.

- Mas ele não deveria nem ter saído do teto!

- Eu sei, mas isso acontece quando você é igual um ninja e anda pelo teto.

- Eu mereço… - Bruno bate com a mão direita no rosto – Olha, eu trabalho aqui e gosto desse lugar limpo e arrumado, então tenta, por favor, não derrubar nada, tá? Se não vai sobrar pra mim.

- Certo, vou tentar não derrubar nada de propósito.

- Não é bem isso que eu…

A porta se abre.

- Tudo bem ai, Bruno? – diz Martina, entrando.

- Ah, tudo bem sim! - Bruno se vira rapidamente, de forma a esconder Nork com o seu próprio corpo. – Um zepelim caiu do teto, só isso. Acho que não prendi ele direito, he he he…

O garoto sua frio, ele não é bom em disfarçar quando se está nervoso e nem em contar mentiras. Após Martina, Helena também entra no antiquário, fechando seu guarda-chuva e o colocando ao lado da entrada.

- Não encontrei nada lá fora que seja de meu agrado. – ela diz, desanimada.

- Er, espero que goste de algo por aqui. Qualquer coisa é só chamar.

- Hum.

As duas passam a observar os relógios à direita da entrada, enquanto Bruno se vira para o Zepelim solitário no chão. Não há nenhum sinal de Nork por perto, o que mais preocupa do que tranquiliza o garoto. Ele começa a amarrar o barbante na alça do aeromodelo enquanto sorrateiramente olha para todos os lugares em busca do goblin.

Bruno finalmente o encontra – e arregala os olhos com o susto. Deixando o zepelim em uma estante, ele avança com passos rápidos. Nork, mostrando mais da sua sutileza ninja, está em uma das prateleiras da esquerda, andando atrás de uma coleção de louças de cristal azulado. Bruno corre ao ver que Nork colide com a parte de trás das louças ao caminhar, fazendo-as cambalearem para frente e para trás. A maioria balança um pouco e volta para o mesmo lugar, mas algumas...

- Ui – urgh – argh – ah! – Grunhindo, Bruno intercepta dois copos, uma taça e um prato fundo antes que eles atingissem o chão e se quebrassem em milhares de pedaços. O garoto solta um sonoro “ufa!” e sorri para si mesmo por ter sido ágil. Ele se vira para a estante, começando a arrumar a louça no devido lugar.

- Quanto custa esse quadro?

- Wah! – Helena chegou por trás do garoto, o assustando e quase fazendo com que solte a louça em mãos – Não precisa me assustar, mulher!

- Está tudo caindo aos pedaços por aqui, não é mesmo? – ela comenta, com um ar de crítica.

- Não deveria, acho que vou precisar me certificar se tá tudo bem preso. He he...

- Tanto faz. Quanto custa o quadro?

- Ahn... – ele olha para um quadro de madeira, com várias borboletas desenhadas com seus respectivos nomes científicos escritos ao lado de cada uma. – Custa 10 dinheiros.

- Ótimo. – diz ela, sorrindo na frente de Bruno pela primeira vez. O garoto percebe que ela também carrega três miniaturas de pirâmides do Egito e uma bolsa cilíndrica de couro preto.

- Pode deixar tudo ali na bancada, depois acertamos o pagamento.

Helena não responde, mas segue em direção à bancada mesmo assim. Conforme Bruno termina de novamente de organizar a louça, a voz de Martina soa animada pelo antiquário.

- Helena, olha só!

Martina se aproxima da estante em frente a Bruno. O garoto olha na direção dela e percebe um espelho próximo a sua cabeça e, no reflexo, Nork está sentado em uma antiga televisão de tubo no outro lado da sala, fazendo careta e acenando.

- Mas que coisa! – o garoto resmunga em voz baixa e corre para lá.

As garotas chegam na estante ao mesmo tempo em que Bruno termina de atravessar a sala e cobrir Nork com seu corpo. O goblin coloca os dedos compridos e pontudos nas costas do garoto e encosta a cabeça no ombro direito dele.

- O que foi, Bruno?

-Eu que te pergunto! As criaturas que vêm aqui costumam se disfarçar ou usar alguma magia para enganar as pessoas, mas você nem faz questão!

- Eu não preciso, sou como um nin-

- Bom, desculpe, mas você não é bom em ser sorrateiro. E tenta falar baixo, por favor...

- Por quê?

- Eu mereço mesmo... – enquanto isso, as duas conversam sobre o preço elevado de alguma antiguidade - Porque se elas te virem, vão se assustar, fazer barulho, chamar atenção. Velho Getúlio vai ter que apagar a memória delas com aquele amuleto e talvez fique tão bravo que apague as minhas também. Entendeu?

- Hum... – ele coça o queixo.

- Vou levar, então! – declara Helena, triunfante. Nork se abaixa atrás das costas de Bruno e as garotas olham na direção do rapaz, com Helena segurando uma caveira de prata com olhos azul-safira. Bruno imediatamente se lembra que ela custa 250 dinheiros.

- Espera... aquilo é...? – Nork começa a falar, lentamente levantando a cabeça por cima do ombro de Bruno.

- Ah! – Bruno fala mais alto do que de costume, para encobrir o Goblin tagarela nas suas costas, ao mesmo tempo que o puxa para baixo com a mão esquerda. Ele então comenta com sinceridade: - Ótima escolha, é um dos itens mais bonitos do Antiquário. Os olhos dela seguem a gente conforme a gente se mexe.

- Por isso que gostei. – diz Helena, sorrindo pela segunda vez.

- Eu sabia, é a sua cara! – fala Martina, com um ar de quem sabe de tudo.

- Huuuuum... – a amiga faz uma careta, aparentemente voltando ao mal-humor costumeiro, e novamente se volta para Bruno – Eu quero pagar, isso tudo já vai dar bem caro pra mim.

As duas se dirigem para a bancada e Nork chama a atenção de Bruno puxando sua camisa por trás.

- Ei, viu aquilo que ela pegou?

- Vi e agora vou lá pegar o pagamento.

- Mas você percebeu que-

- Olha, Nork. – Bruno se vira rapidamente para trás, com impaciência no olhar – Será que você pode por favor ficar atrás de alguma coisa, quieto, por alguns minutos? Elas já vão sair e aí eu posso te dar toda a atenção do mundo, tá legal?

- Legal, mas eu só ia dizer que-

- Sssh! Quieto e escondido! – sua paciência acaba e ele empurra o Goblin para trás da televisão de tubo. Ele se dirige até a bancada, agradecendo aos céus por elas estarem distraídas conversando ao invés de acharem que ele é louco.

Bruno se coloca atrás da bancada e soma o valor de cada item utilizando uma calculadora. Enquanto Martina examina uma estante e Helena conta o dinheiro dentro de uma bolsa de moedas, Bruno nota um movimento próximo da porta de entrada. O garoto arregala os olhos e precisa se segurar para não verbalizar seu susto.

Nork está de pé em uma das vigas do teto, segurando a corda que está amarrada lá e cuja outra extremidade deveria ter um aeromodelo de zepelim. Bruno não acredita no que está vendo: o goblin está se preparando para balançar na corda como se fosse um Tarzan!

Milhares de ideias e possibilidades correm pela mente de Bruno Santana, mas nenhuma boa o bastante. Ele não consegue visualizar uma forma de ir até a entrada do Antiquário, subir até próximo ao teto e impedir que ele faça o que quer que esteja prestes a fazer. Em frustração, Bruno estende a mão para Nork, faz uma careta e imagina uma corda amarrando todo aquele pequeno e esverdeado corpo.

Em um literal passe de mágica, Nork solta a corda em suas mãos. Uma outra corda, transparente e com uma leve coloração alaranjada, surge atrás dele e amarra suas mãos e suas pernas, forçando-o a se deitar imóvel na viga.

- Pronto, está tudo aqui. – diz Helena, terminando de contar o dinheiro.

- Uia. – solta Bruno, surpreso consigo mesmo, recolhendo o braço para junto de si.

- O que foi? Pensou que fosse dar calote?

- Hãn? Ah, não é isso...

Bruno prossegue para colocar o quadro de borboletas, as miniaturas de pirâmides, a bolsa de couro e a caveira de prata em uma sacola. As duas saem do Antiquário, satisfeitas, e Bruno as acompanha logo atrás. Quando elas já estão do lado de fora e a porta fechada, Bruno se dirige para Nork.

- Desculpe por isso, essa foi a única forma que encontrei pra te deixar parado. Na verdade, eu nem sei como aconteceu.

- Acontece.

- Depois eu te solto, quando tudo estiver mais calmo. Espero que não leve pro lado pessoal.

- Que nada, vivo passando por isso.

- Legal! Bem, até depois, Nork!

- Mas antes eu queria dizer que-

- Depois, Nork!

E, assim, Bruno sai do Antiquário.

--------------------

O garoto fica bem satisfeito com a forma como lidou com Nork sem alertar ninguém, especialmente pelo fato de que ele conseguiu realizar uma magia do livro de magias. Estava louco para tentar novamente e para tentar outras magias. Como ele conseguiu fazer aquilo, mesmo? Bruno não tem certeza.

O bom humor de Bruno sofre um golpe quando ele vê um cliente cabeludo, com roupas largas e um cordão de “paz e amor” pendurado no pescoço pegando um de seus discos favoritos, justamente o que está com 40% de desconto. Paralisado, Bruno observa enquanto o cliente lentamente toca as bordas da capa, abre, cheira tudo, retira o disco e o analisa calmamente dos dois lados. Por último, ele olha pensativo para a etiqueta de preço. Bruno já consegue visualizar o hippie colocando o disco junto com os outros debaixo do braço e os levando embora.

Porém, o pior não acontece. O cliente decide por guardar o disco no lugar onde o encontrou e ir embora com os outros que já estavam consigo. Bruno solta todo o ar em seus pulmões, aliviado.

A situação não pode mais continuar assim. Em um impulso, ele avança, pega o disco e caminha a passos firmes até Velho Getúlio, que está imerso na partida de dominó.

- Seu Getúlio. – começa o garoto.

- Hum? – ele responde sem prestar atenção.

- Eu posso comprar esse disco?

- Comprar... por quê? – ele lentamente se vira, com uma expressão confusa.

- Eu gosto dele, é um dos meus favoritos. Posso comprar?

- Pode, mas sabe que se quiser escutar é só colocar na vitrola.

- Eu sei, mas queria que fosse meu, sabe? Sem ninguém comprando.

- Ah... então pode comprar.

- Sério?

- Sim, claro.

- Só tem uma coisa.

- Sim?

- Eu não tenho dinheiro ainda. Pode descontar do meu salário?

- Huuuuuum. – Getúlio coça o queixo lentamente, se vira e olha para o seu amigo Manoel, que igualmente coça o queixo com igual lentidão. Bruno sorri timidamente pra tentar disfarçar o nervosismo, sem tanto sucesso – Está bem.

- Legal!

Com um sorriso no rosto e seu primeiro disco comprado em mãos, Bruno volta para sua cadeira. O restante da tarde progride com a mais pura tranquilidade. Bruno atendeu a maioria dos clientes que se interessavam pela liquidação e nos tempos livres se sentava ao lado de Martina e Helena. As garotas ficaram mais tempo focadas nos respectivos smartphones do que qualquer outra coisa, mas, utilizando toda a sua coragem, Bruno conseguiu trocar algumas frases com Martina, o que certamente foi uma vitória.

--------------------

Com o fim do expediente, Bruno e Getúlio retornam para dentro do Antiquário após se despedirem de Manoel, Martina e Helena. Os dois carregam caixas das mercadorias restantes. Velho Getúlio está bem satisfeito com os resultados do dia: venceu a maioria das partidas de dominó, vendeu metade do que colocou em liquidação e seu jovem vendedor fez uma boa venda para a garota que gosta de roupas escuras.

Getúlio deixa suas caixas no chão e parte em direção ao banheiro, tendo a bexiga cheia de suco de laranja acumulado. Bruno também deixa suas caixas no chão, então se espreguiça e olha para cima.

- Tudo bem aí, Nork?

- Mais ou menos, é meio desconfortável ficar nessa posição por horas.

- Você já vai poder sair. Sabe, eu estive pensando... Foi por causa daquela caveira que você quis se balançar na corda? O que você queria fazer?

- Ah, foi sim. Achei que você não ia querer vender um objeto enfeitiçado.

- Há há há, que engraçado! Você disse enfeitiçado?

- Disse.

A risada de Bruno fica cada vez mais fraca, até desaparecer e só deixar uma expressão de confusão no rosto do garoto.

- ... espera, é sério? A caveira está enfeitiçada?

- Bastante.

- E o que ela faz de feitiçaria?

- Ai eu não sei.

- Então como vou acreditar?

- É que nós, goblins, somos conhecidos por identificar objetos amaldiçoados, todo mundo sabe disso. A gente nasce com esse dom, deve ser um dos nossos poderes ninjas.

- Meu Deus. – Bruno coloca a mão na testa, completamente desolado. – Preciso recuperar aquela caveira. Você me ajuda?

- Ajudo sim. E aí você fica me devendo um favor, hi hi hi hi.

- É, suponho que sim.

Nork dá outro sorriso de orelha a orelha, sendo um pouco assustador.

- Agora, pode me soltar? – pergunta o goblin. Bruno demora um pouco para responde-lo.

- Eu não sei como.


Última edição por Eusine48 em Dom 6 Ago 2023 - 18:44, editado 4 vez(es)
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyDom 21 Ago 2022 - 22:08

Mais ou menos correto escreveu:
Sinto falta de quando o FireAlex comentava aqui... quem sabe ele está escrevendo algo secreto e por isso está ocupado? EVILtheREVENGE

Metade certo e metade errado.

Começando com o Metade Errado: Nova casa, nova vida e arrumei um novo emprego. Esse é um dos motivos principais que eu parei de postar alguma coisa em geral nas fics e escrever alguma coisa.

Fora que ajudar a família é cansativa e exige um bom tempo para ajeitar nas minhas novas mudanças.

Metade Certo: Não esqueci totalmente da crossfic, primeira chance de conseguir um tempo livre/feriado? Comentar o final e resolver todos os problemas no meu lado. Até a Mimika e o Galleom estavam um pouco enjoados de espera e eu fiz alguma coisa para diverti-los um pouco eles antes de "aposentar" (por falta de melhor palavra, acho um pouco forte demais.) um bocado de personagens e voltar ao normal.

Em resumo: Bocado de trabalho, cuidando dos negócios dos parentes, ajeitando na nova vida de outra cidade e tempo livre embora, sem falar de bloqueio de criatividade na pior hora possivel.

Mas eu não esqueci totalmente da crossfic. Vamos agora comentar um breve comentários no cap 3 e 4 do Bruno Santana.

---
Capítulo 03 - Pernas pra quê te Pernas
---

É... O primeiro dia de trabalho do Bruno começou bem. Entregar a perna para o Saci não parece que foi uma boa ideia em primeiro lugar.

As trapalhadas que Saci fez e cometeu definitivamente foi sofridas para Bruno e Troncoso, foi divertidas, mas sim, vamos ver como o Bruno vai se melhorar e espero que ele ficou mais esperto depois do que ele passou, hoje.

Magicas Básicas? Alguma coisa me diz que esse livro vai ser importante depois...

---
Capítulo 04 - Magia, Paixão e Goblin
---

Bruno ganhou um pouco mais de desenvolvimento a ele mesmo, viva. Um romance com uma garota chamada Martina? Vamos torcer que não acabe tão ruim para os dois...

Esse Nork é um pouco suspeito... Pelo menos ele não parece fazer nada de ameaçador, por enquanto. Goblins costumam serem tão encrenqueiros no nivel do Saci, no melhor ocasião possível e malignos e perigosos depois que eu assisti '"Goblin Slayer" Uma vez. Vamos torcer que Nork seja um pouco melhor que o Saci...

É, o desenvolvimento em geral é um pouco lento, mas que bom que está trabalhando o sério para o Bruno Santana. Desejaria que eu tivesse mais tempo livre para eu escrever em primeiro lugar, como nos tempos de 2015-2019...
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyQui 25 Ago 2022 - 22:41

Hm, começo bem sóbrio, faz um contraste interessante com os outros capítulos, além de indicar ""coisas"" familiares. Até que gostei dessa parte.

Então, esse capítulo achei um pouco... conceitualmente parecido com o último? Ambos focam na nova criatura mística que cria caos que o protagonista tem de parar.

Este último achei um capítulo bem mais forte, pois está setando várias coisas importantes para os próximos capítulos, mas o fato de ser meio que uma repetição me faz gostar um pouco menos desse capítulo.

Magia ser tão simples quanto imaginar a coisa acontecendo pareceu também... um tanto simples demais? Parece algo que alguém poderia muito facilmente fazer sem querer. Talvez falte... palavras mágicas, varinha ou algo do tipo? A menos que tenha algum fator genético, o que eu não exatamente adoro mas pelo menos explicaria as coisas.

Introduzir uma parceira romântica em potencial é interessante, especialmente com a caracterização dele como "awkward" com garotas (ou pelo menos com a que ele gosta). Introduzir o conceito da magia em si também é divertido. A caveira vai trazer também consequencias para os próximos capítulos, diferente de como senti com o último (ainda que esse último talvez leve consequencias também).

E chamar a moeda local de "dinheiro" é... certamente uma ideia. Yep. Certamente uma delas.

Nenhuma das duas garotas parece particularmente interessante, mas ambas apresentam potencial. Tudo vai depender de como vai as escrever...

Não sei o quanto intencional isso é, mas a placa de "40 % de DESCONTO!" mostra o quanto o seu getúlio é inadequado, considerando como hoje em dia se escreveria "40% OFF"...

Er enfim, achei esse um capítulo efetivamente mais forte, ainda que não tenha gostado a repetição de acontecimentos.
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MensagemAssunto: Capítulo 05 – A Caveira Fugitiva   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySex 9 Dez 2022 - 4:22

Ai ai... o capítulo de hoje deu trabalho. Na hora que tive a ideia achei que ia ser o melhor capítulo até agora, mas conforme fui escrevendo tantas dúvidas foram surgindo que eu mesmo fiquei sem saber que rumo dar para a história. Enfim, mais sobre isso no final da postagem.

FireAlex escreveu:
Metade Certo: Não esqueci totalmente da crossfic, primeira chance de conseguir um tempo livre/feriado? Comentar o final e resolver todos os problemas no meu lado. Até a Mimika e o Galleom estavam um pouco enjoados de espera e eu fiz alguma coisa para diverti-los um pouco eles antes de "aposentar" (por falta de melhor palavra, acho um pouco forte demais.) um bocado de personagens e voltar ao normal.

Hey, tomara que você volte mesmo a escrever! Suas histórias fazem falta, sabia? Você já escreveu várias histórias incríveis e ainda temos muito o que escrever juntos nessa vida.

FireAlex escreveu:
Esse Nork é um pouco suspeito... Pelo menos ele não parece fazer nada de ameaçador, por enquanto. Goblins costumam serem tão encrenqueiros no nivel do Saci, no melhor ocasião possível e malignos e perigosos depois que eu assisti '"Goblin Slayer" Uma vez. Vamos torcer que Nork seja um pouco melhor que o Saci...

Entendo achar Nork suspeito, mas não se preocupe que Goblin Slayer não foi inspiração para escrever qualquer coisa por aqui. (Claro, eu nem assisti essa joça mesmo maple awesome face~)

Mr.Galleom escreveu:
Este último achei um capítulo bem mais forte, pois está setando várias coisas importantes para os próximos capítulos, mas o fato de ser meio que uma repetição me faz gostar um pouco menos desse capítulo.

Levei em consideração seu comentário anterior quando pensei no cap 04. Por enquanto vou tentar setar coisas novas mais ou menos no mesmo ritmo, para não sobrecarregar demais quem estiver lendo. Detesto quando alguma obra joga informação demais na minha cara. Sobre ser uma repetição, esse cap pelo menos é bem diferente dos anteriores (eu espero?).

Mr.Galleom escreveu:
Magia ser tão simples quanto imaginar a coisa acontecendo pareceu também... um tanto simples demais? Parece algo que alguém poderia muito facilmente fazer sem querer. Talvez falte... palavras mágicas, varinha ou algo do tipo? A menos que tenha algum fator genético, o que eu não exatamente adoro mas pelo menos explicaria as coisas.

E capítulo de hoje vai ajudar a entender um pouco mais como funciona a magia nesse mundo, mas vou deixar a maior parte dos detalhes em aberto, de propósito. Bruno não tem ninguém para guiar ele adequadamente nesse caminho e vai ficar assim por um tempo.

FireAlex escreveu:
Bruno ganhou um pouco mais de desenvolvimento a ele mesmo, viva. Um romance com uma garota chamada Martina? Vamos torcer que não acabe tão ruim para os dois...

Por que tanto pessimismo? Romances podem dar certo as vezes, sabia?

Mr.Galleom escreveu:
Introduzir uma parceira romântica em potencial é interessante, especialmente com a caracterização dele como "awkward" com garotas (ou pelo menos com a que ele gosta).

Nenhuma das duas garotas parece particularmente interessante, mas ambas apresentam potencial. Tudo vai depender de como vai as escrever...

Elas vão ser personagens importantes e interagir bastante com Bruno, então espero que a participação delas contribua para a história. Talvez eu precise mesmo caracterizar melhor as duas. ah...

Mr.Galleom escreveu:
Er enfim, achei esse um capítulo efetivamente mais forte, ainda que não tenha gostado a repetição de acontecimentos.

Bem, obrigado! Espero que gostem do Capítulo 05, apesar de tudo.

----------

- E então, qual é o plano? – pergunta Nork.

- Encontrar a caveira e trocar pela cópia que eu fiz. – responde Bruno, tentando soar confiante – Não deve ser tão difícil… eu espero.

- Você também tem habilidades ninjas?

- Não e nem você. – fala Bruno, que realmente se esforça para que o goblin pare de agir com tanta confiança em sua capacidade de não ser visto - Estou tentando pensar em um plano, mas não faço ideia de como vão ser as coisas lá…

O garoto tem noção de que as pessoas que o veem falar sozinho ao caminhar na rua o julgam de estranho. Sorte sua, pois se soubessem que está falando com algo dentro de sua mochila, o julgariam de louco.

- Você é bom com as garotas? – pergunta Nork.

Bruno tropeça na calçada e quase cai de cara no asfalto.

- P-por que isso, do nada?

- É que você tem amigas bem legais e até sabe onde elas moram, achei impressionante.

- Eu não sei o que você quer dizer com isso, mas só sei onde a Helena mora porque a casa dela é no mesmo no mesmo quarteirão do meu prédio e porque vamos para a mesma escola… então já vi ela saindo e entrando em casa algumas vezes… mas ontem foi a primeira vez que conversamos, não chamaria ela de amiga não…

- E a outra?

- A Martina? Eu só converso com ela quando vêm visitar o Antiquário com o avô dela. E pouca coisa…

- E na escola?

- Na escola?

- É, não conversa com ela na escola?

- Ah… não, eu não tenho muita coragem de falar com ela por lá, sabe?

- Por quê?

- Ah, sei lá… tem tanta gente por perto e ela parece sempre estar fazendo alguma coisa interessante… não quero atrapalhar… também nem saberia o que dizer mesmo…

- Não é só chegar e puxar algum assunto?

- Não é não, é complexo e não consigo. – Bruno passa alguns segundos em silêncio e, quando volta a falar, é sussurando - Agora fica quieto, vamos entrar na estação.

- Estação?

- É. De metrô.

Bruno sente uma agitação na sua mochila, parece que Nork está tentando pular de alegria em um local confinado e, por consequência, se batendo todo.

- Ei, Nork! Tem bastante gente aqui na estação, fica quieto!

- Eu sempre quis andar de metrô! É o melhor dia da minha vida!

- Ssshhh!

Um guarda da estação ergue uma das sobrancelhas quando o garoto passa por ele, sussurrando com raiva e impaciência para uma mochila que se move sozinha para todas as direções. Dando de ombros, ele decide ignorar. Não é a coisa mais estranha que ele já viu por ali em todos aqueles anos como guarda.

----------

O metrô saindo dos subúrbios em direção ao centro da cidade no fim da tarde costuma levar poucos passageiros, neste dia não é diferente. Dessa forma, Bruno consegue se sentar em um canto longe de qualquer pessoa. Ele coloca sua mochila no colo e se depara com os olhinhos pretos de Nork, que abriu parcialmente o ziper da mochila e observa tudo ao redor com curiosidade e entusiasmo.

- Hoje é o melhor dia da minha vida! – diz Nork, com sua voz anasalada – Primeira vez andando de metrô e primeira vez conhecendo a cidade grande dos humanos!

- Sshhh! Você não sabe mesmo falar mais baixo?

- Impossível, Bruno. Estou muito emocionado para isso!

- Ai ai, que seja… - diz Bruno em voz baixa, enquanto empurra Nork para o fundo da mochila – Então você nunca veio para uma cidade grande antes?

- A gente não pode não. Vocês humanos são problema, e a gente evita problema.

- A gente é problema? Sei… - breve momento de silêncio. Bruno esfrega a testa, estressado demais com o goblin para discutir com ele. O garoto suspira e olha para cima, pensativo, antes de resolver fazer algumas perguntas – E quem fez essa regra? O que acontece se for quebrada?

- Ah, foi um rei a muito tempo atrás. A gente pode ser preso se fizer pessoas normais descobrirem que a gente existe. Vocês do Antiquário não contam.

- Vocês têm um rei?

- Ué, claro.

- Que legal. Como ele é? – Bruno imagina um homem alto, de pele tão clara que é quase transparente, orelhas pontudas e traços delicados sentado em um trono de ouro, governando um reino de seres do folclore.

- Sei lá. O castelo dele fica em um lugar secreto. Só conheci o prefeito mesmo.

- Pode me apresentar ao prefeito, então?

Nork se encolhe na mochila, subitamente desconfortável com a pergunta.

- É melhor não.

- Hum? Algum problema?

- N-não é nada. Agora vou cochilar um pouco.

Com isso, Nork fecha o ziper da mochila, deixando um Bruno confuso e com perguntas não respondidas. Coçando a cabeça, ele assume que não vai conseguir entender como Nork raciocina. Pelo menos é bom que faça silêncio, pois o metrô para e mais pessoas começam a entrar no vagão em que eles estão.

----------

O resto do trajeto ocorreu sem que os dois trocassem qualquer palavra. Pareceu para Bruno como se ele estivesse apenas indo para casa após um dia normal de trabalho, pelo menos até ter que parar na frente da casa de Helena, nervoso e pensando no que vai dizer dali para frente.

O muro da casa é alto, de forma que torna impossível de ver o lado de dentro. Trepadeiras cobrem toda a extensão do muro, sendo interrompidas somente pelo portão elétrico e pela porta, ambos de alumínio e pintados de vermelho. Um interfone antigo, de um branco encardido, se mantém solitário ao lado da porta. Bruno tem a impressão de que o interfone olha cansado para ele como se perguntasse “Vai ficar só olhando?”.

Bruno respira fundo e aperta o botão do interfone da casa de Helena.

Capítulo 05 – A Caveira Fugitiva

- Quem é? – responde uma voz masculina e rouca.

- Aqui é o Bruno, eu sou… - ele tenta se declarar amigo de Helena, mas não consegue se forçar a isso - … eu vim visitar a Helena.

- Bruno de quê? De onde a conhece? Tem certeza que quer visitar ela?

- Santana, sou Bruno Santana. Estudo na mesma sala que ela e… - ele hesita antes de responder a última pergunta - … tenho certeza, sim.

- Pai, quem é? – diz uma voz feminina do outro lado do interfone. Parece ser Helena, mas Bruno não tem certeza.

Silêncio. Quase um minuto se passa até que Bruno decide apertar novamente o interfone.

- Oi? Alguém?

Mais silêncio. Outro minuto se passa e Bruno ainda não está preparado para desistir. Ele estica o braço para apertar o botão novamente, mas interrompe a ação ao escutar a porta ser destrancada por dentro.

Helena abre a porta de alumínio. Está usando calças rosa de pijama, o que surpreende um pouco o garoto, e um moletom preto, folgado, com desenho de pétalas de flor roxa. O contorno escuro ao redor dos olhos permanece e sua expressão facial demonstra estranhamento e falta de paciência.

- O que foi? – ela pergunta, seca.

- Mau educada… - diz Nork, de dentro da mochila, o que lhe rende uma cotovelada para que fique quieto.

- Nada. Vim te visitar, eu acho.

- Acha?

- Acho. Posso entrar?

- Pra quê?

Silêncio. Bruno olha para um lado, para o outro, até mesmo para cima e para baixo, como se uma resposta fosse aparecer ali, do nada. Em todas as projeções que fez em sua cabeça, entrar nunca foi tão difícil assim. Ele começa a suar frio, nervoso.

- Hããããããn…

- Esquece, entra aí.

Desistindo de tirar alguma resposta de seu visitante inesperado, Helena revira os olhos e abre o portão para que ele possa entrar. Com os braços cruzados, ela observa o garoto visivelmente constrangido passar por ela e cruzar o pequeno jardim em direção da porta da frente.

- Plantas bonitas. – comenta Bruno, tentando deixar para trás aquele momento vergonhoso.

Ele mal consegue ver a parede da casa, considerando que ela é praticamente toda coberta por plantas, com alguns vasos grandes e pesados no chão, vasos menores colocados na parede e alguns pendurados no teto. Apenas a porta de madeira pintada de branco e a janela quadrada são livres de plantas. Bruno não entende nada do assunto, mas percebe que elas são bem diferentes entre si, em tamanho, cor e formato.

- São da minha mãe, ela é a louca das plantas.

Bruno para na frente da porta e fica esperando que Helena tranque o portão e venha até ele. No entanto, a porta é aberta por dentro e o garoto é recebido por um casal com sorrisos gentis e olhares curiosos. O homem é alto e tem cabelo curto, usa óculos de grau, veste uma camisa polo branca e calças jeans. A mulher é mais baixa que Bruno, o cabelo é castanho claro, ondulado e cai bagunçado por cima dos ombros, veste uma camisa folgada e uma saia roxa. Ambos estão descalços.

- Então você é o Bruno. – diz o homem alto, apertando um pouco os olhos para poder enxergar melhor e se curvando para que fiquem em uma altura parecida.

- Bem-vindo, bem-vindo! – diz a mulher, aumentando o seu sorriso. – Chegou bem na hora do jantar!

- Ah, eu não queria atrapalhar a janta de vocês! Eu só tava passando e pensei em, hum, passar e er…

- Me visitar. – diz Helena, chegando ao lado de Bruno. O garoto engole em seco.

- … isso.

- Nem sei por que você está se desculpando, adoramos visitas! – a mulher continua a falar – Só espero que goste de carne cozida.

O casal vai em direção da cozinha. Helena tira os chinelos, então Bruno acha melhor tirar os tênis e andar de meias. O garoto mal começa a caminhar sentindo o chão frio sob seus pés e já é forçado a parar bruscamente, com duas crianças rolando pela sala em uma batalha mortal, se chocando com o chão, com o sofá e com as paredes enquanto se atacam mutualmente com espadas de plástico.

- Você não vai me vencer dessa vez, Vingador Santo!

- O mal jamais irá triunfar enquanto eu tiver forças para lutar, Absolvedor Profano!

- Não vão quebrar a cabeça. – diz o pai das crianças, na cozinha, em um tom de voz de quem não está verdadeiramente preocupado com a cabeça dos filhos.

- Vocês não conseguem ficar 1 minuto sem fazer barulho? – Helena reclama, irritada. As crianças se viram para Helena e apontam as espadas de plástico para ela. Bruno percebe que os dois são gêmeos, um garoto e uma garota de cabelos pretos e bagunçados que devem ter a metade da idade dos adolescentes.

- A Bruxa Suprema!

- Devemos nos unir para derrotá-la!

- Todo dia isso… - lamenta Helena.

- E ela trouxe um aliado dessa vez!

- É mesmo! Ele é o… hum…

Os gêmeos olham confusos para Bruno, que pela primeira vez se sente mais à vontade naquela casa.

- Ignora. – Helena tenta ajudar – Eles estão assim desde que foram ao cinema na semana passada.

- Ora, eu só posso ser o Lacaio de Aço.

- Eu mereço. – Helena enterra o rosto em uma das mãos. Os gêmeos se entreolham, confusos, e então olham para Bruno.

- Você tá inventando.

- É, não existe nenhum Lacaio de Aço no filme.

- Mas existe nos quadrinhos. Ele era parceiro do Vingador Santo, mas o vilão Konquistador transformou ele em ciborgue. O Vingador o derrotou sem saber que era seu parceiro e agora ele é um ciborgue defeituoso e sem memória que foi resgatado nos esgotos pela Bruxa Suprema e serve ela como agradecimento.

As bocas dos gêmeos foram se abrindo mais e mais conforme Bruno foi falando, de forma que terminaram escancaradas em completo choque. Helena respira fundo.

- Depois eu empresto alguns quadrinhos para vocês.

- Crianças, o jantar. – a voz do pai soa longe, sem aparentar verdadeira preocupação com a alimentação dos filhos.

- Vai brincar com a gente? – perguntou o gêmeo garoto.

- Talvez mais tarde. – responde Bruno. Os gêmeos correm para a cozinha, com a garota acenando e o garoto dando um joinha. Bruno e Helena finalmente vão jantar.

- Que cheiro bom! – diz a mochila de Bruno, momentos antes de receber outra cotovelada. Helena franze as sobrancelhas, desconfiada.

Boa parte da cozinha é ocupada por uma mesa de madeira de 6 lugares. Os pais estão sentados cada qual em uma ponta da mesa, os gêmeos ficam próximos da mãe, que serve carne cozida com legumes e complementa o prato com bastante arroz. Bruno se senta em frente à Helena e próximo ao pai dela, que não esperou ninguém para começar a comer.

- Aqui está, Bruno. – diz a mãe de Helena, estendendo um prato de comida – Você gosta de pimenta?

- Obrigado, mas eu não consigo lidar com pimenta.

- Aaaaaah… experimenta, você pode gostar dessa!

- Não liga pra ela, Bruno. – interrompe o pai – Sempre querendo empurrar a pimenta dela para as pessoas.

- O molho caseiro é melhor que do mercado!

- Arde demais esse treco. E então, Bruno, aproveitando as férias?

- Ah, eu tô sim. Trabalhando num antiquário.

- Foi ele que me vendeu aquelas coisas que eu trouxe mais cedo. – Helena esclarece.

- Ah, você já trabalha! – o pai de Helena parece finalmente animado com algo. – É ótimo para formar caráter desde cedo. Foi ideia dos seus pais?

- Não, eu… - por um momento, ele pensa em dizer que ainda não contou para seu pai, mas achou melhor deixar para lá - … eu mesmo que quis. O Seu Getúlio, do Antiquário Canto do Mundo, estava precisando de ajuda, então me ofereci.

- Entendo. Bom, muito bom… - ao invés de continuar a conversa, o pai apenas balança a cabeça para frente e para trás, satisfeito com a informação que lhe foi dada.

- E o que você acha de arte, Bruno? – a mãe puxa assunto imediatamente depois.

- Arte? Tipo pinturas e esculturas e tal?

- Isso também. Mas você sabia que plantas também são arte?

- Não pode chamar qualquer coisa de arte só porque gosta dessa coisa. – Helena reclama, de cara emburrada.

- Pelo contrário, tudo pode ser arte dependendo de como é interpretado! – a mãe responde de forma empolgada, fazendo a filha revirar os olhos. O contraste entre ambas é surpreendente para Bruno. – As plantas são a mais pura e divina forma de arte botânica! Não acha?

- Bem… eu gostaria de ter mais plantas em casa.

- Esse é o espírito! E quais outras artes você gosta?

- Gosto de rock dos anos 60 e 70.

- Uma forma milenar e extinta de arte, interessante. Sabe, meus pais foram no Woodstock de 1969...

- Melhor deixar essa história para outro dia, querida. – diz ele, se levantando.

- Aaahh…

- Terminei!

- Terminei!

Os gêmeos aproveitam a deixa para sair correndo a mesa.

- Vem Bruno. – diz Helena, cutucando o braço do garoto – Para o meu quarto.

- Ah, hum, er, claro, ok, com certeza, uma boa. – Não era o tipo de frase que ele esperava receber de uma garota. Bruno começa a suar bastante.

- … vou te mostrar onde coloquei as coisas que comprei. – Helena diz, olhando-o com suspeita.

- Ah, hum, er, claro, ok, com certeza, uma boa.

- Não precisa repetir.

- Se comportem. – o pai de Helena diz, da sala, em um tom de voz de quem não está preocupado com o comportamento de ninguém.

Evitando a luta de espadas no corredor, os dois adolescentes entram no quarto de Helena. O garoto esperava um quarto tão escuro quanto as roupas que a garota costuma vestir, mas na verdade encontrou um quarto com uma grande variedade de cores. As paredes são de cor bege, mas mal podem ser vistas. Como a mãe decorando a parede da frente de casa com plantas, as paredes do quarto de Helena são cobertas por posters de bandas indie, fotos, quadros e coisas que fazem Bruno pensar em que está em uma decoração de Dia das Bruxas, como enfeites de teia de aranha, adesivos de morcegos e aranhas que brilham no escuro e ilustrações de várias fases da lua.

- O quadro das borboletas está bem aqui. – Helena aponta diretamente para cima. Bruno dá um passo para dentro, se vira e vê o quadro acima da porta.

- Ficou legal aí.

- Eu sei. As pirâmides eu coloquei na estante. – ela diz entrando no quarto e fechando a porta atrás de Bruno.

Uma das paredes do quarto é ocupada por uma escrivaninha contendo um notebook e material escolar, uma mesa de maquiagem e uma estante. A estante está repleta de decorações tanto quanto as paredes. Além das miniaturas de pirâmides do Egito compradas no Antiquário, ali se encontram um pequeno chapéu de bruxa, alguns potes com plantas floridas, uma coruja de madeira, algumas bonecas estranhamente realistas…

… e bem no topo, na estante mais alta, sozinha, está a caveira de prata com olhos de safira, fitando Bruno fixamente com o olhar. Ali de cima ela parece rir do garoto, como quem se sente superior e inalcançável.

- A caveira de prata! – Bruno fala baixo, como que descobrindo algo secreto.

- Ela mesma. Ela é única, então a deixei em um local mais exclusivo. Ajuda a evitar que os curiosos dos meus irmãos a quebrem.

- Hum… - O cérebro de Bruno começa a pensar em formas de obter a caveira de prata e a trocar pela sua cópia sem que Helena perceba.

- Miau?

- Hum…? – Um chamado felino interrompe o seu planejamento.

Bruno olha para suas pernas ao sentir que algo roça em seu pé e dá de cara com vários filhotes de gato preto o fitando com olhares curiosos. Um deles em especial tenta escalar a perna de Bruno com unhas afiadas, o que não é agradável.

- Ai!

- Parece que ele gostou de ti. - Helena diz com um esboço de sorriso em seus lábios - Você tem gatos em casa?

- Não, nunca tive nenhum animal de estimação. Nem imagino como deve ser cuidar de tantos assim.

- Ah… - a expressão de Helena ganha um semblante mais triste e ela desvia o olhar – … na verdade, não posso ficar com eles. Eu os encontrei na semana passada voltando da escola. Estavam abandonados, encharcados e com fome.

- Sério? Coitados. – Bruno se agacha e cautelosamente começa a fazer carinho na cabeça do gato escalador de pernas alheias.

- As pessoas são muito cruéis com os gatos pretos! – a voz dela adquire um tom de revolta - Sempre abandonam e fazem maldade com eles. Os coitados têm poucos meses de vida, são animais inocentes!

- Eu não fazia ideia. – os demais gatos aproveitam que Bruno está agachado e sobem em suas costas como se fosse um brinquedo. – Ai, ei!

- Pois é. Meus pais acham que 5 é demais, então tenho que doá-los.

- Ai! Entendi. Se eu souber de alguém, eu-

A conversa é interrompida pelo som de algo pesado batendo em madeira e se quebrando ao meio.

- MINHA CABEÇA!! – grita uma criança na sala.

- Eu falei pra não quebrar a cabeça brincando. – responde um homem adulto, sem muitas preocupações com a dor alheia.

- Heleeeena, vem aqui na sala! – chama a voz de uma mãe apreensiva - Traz o kit de primeiro socorros!

- Aaargh, de novo? – Helena suspira – Fica aqui, eu já volto.

- N-não quer ajuda?

- Não, tá de boa. Isso acontece com mais frequência do que deveria. – ela diz, antes de sair do quarto sem pressa.

Após um momento de choque, Bruno finalmente percebe: este é o momento no qual ele esteve esperando desde o começo. Ele levanta bruscamente, derrubando os gatos que o escalam, e busca freneticamente sua mochila que não está em lugar algum à vista.

- Droga, droga, droga... a cozinha!

Bruno coloca a cabeça no corredor, olha para os lados e não vê ninguém. Agachando-se de maneira suspeita, ele vai o mais rápido possível para a cozinha. Lá ele avista a mochila aberta ao lado da cadeira que esteve sentado e Nork em cima do fogão, com a cabeça enfiada na panela de carne cozida.

Se segurando pra não soltar uma exclamação, Bruno corre para o fogão e puxa Nork pelas pernas. O rosto dele aparece, sujo de caldo e mordendo um pedaço suculento de carne.

- Vocês humanos sabem cozinhar bem!

- Nork! O que está fazendo?

- Comendo?

- Você deveria estar me ajudando! Ah, não temos tempo pra isso!

Bruno corre com Nork nas mãos, recolhe a mochila no chão e segue para o quarto, torcendo para que ninguém apareça no caminho. Com a sorte em seu lado, ele retorna para o quarto em segredo e fecha a porta atrás de si o mais silenciosamente quanto possível. Ele solta o ar dos pulmões, aliviado.

- Uuff… - Bruno seca o suor da testa – Agora, temos que pegar a caveira e a substituir. Rápido!

- Você é muito apressado, sabia? Me bota no chão que eu- AAAH!! MONSTRO! – Nork escala os braços de Bruno, vai para as costas e sobe na cabeça do garoto, o abraçando com seus braços finos tremendo de medo. - Não me solta, não me solta!

- Ai, o que foi? Você tá fazendo um escândalo! (E qual é com todo mundo querendo subir em mim?)

- O quarto tá cheio de monstros! Vamos fugir, abortar missão ninja!

- M-monstros!? Onde?

- Terrores felinos, por todos os lados!

- Aah… - Bruno olha ao redor com cautela - Os filhotes? Sério?

- Eles foram os responsáveis por quase extinguir meu povo por completo! São criaturas nefastas, malignas, sanguinárias, mortais…

- Parece que as pessoas realmente não gostam de gatos pretos.

- … impiedosas, ardilosas, gordurosas, xumbregas, xexelentos…

- Miau?

- Saaaaaaaaai pra lá monstro! - Nork se mexe nervosamente, arranhando e pisando a cabeça de Bruno no processo.

- Ai! Eles não são monstros, Nork! Você deve ter se confundido! – Bruno põe a mão dentro da mochila e de lá retira a sua caveira substituta. No pouco tempo que ele teve para produzir uma cópia, Bruno pegou uma escultura de madeira no antiquário, cobriu de papel alumínio e desenhou os detalhes de caneta, incluindo os olhos de safira com uma canetinha azul. – Pega, deixa lá em cima e devolve a original! Vai!

- Para longe dos terrores felinos e além!

Usando a cabeça de Bruno como plataforma, Nork se impulsiona para cima e se agarra à estante. Usando apenas uma mão e as pernas, ele chega ao topo em poucos segundos, surpreendentemente sem derrubar nada no caminho. Ele coloca a escultura falsa ao lado da verdadeira e ergue a verdadeira acima da cabeça, fazendo menção de a arremessar.

- Peguei! Segura aí!

- Pera, assim não! – Bruno pega um travesseiro da cama e estende na frente de si – Faz ela cair bem aqui.

Nork deixa a caveira de prata cair e Bruno à pega com o travesseiro. Ele então deixa a caveira em cima da escrivaninha. Seus olhos de safira parecem chateados por ter descido de sua posição privilegiada.

- Sua vez, Nork.

- Jamais! Só vou descer quando os terrores felinos forem embora! – ele senta, determinado a não sair do lugar.

- Argh! Nork, você é tão… olha, se você não descer dai, não vai poder continuar sua janta. – ele olha bem nos olhos do Goblin e faz uma pausa dramática antes de continuar - Nunca mais.

- Urgh… bom ponto… - o goblin levanta o rosto e coça o queixo, pensativo.

Bruno abre a mochila e a estende.

- Vem, Nork. Pula!

- Huuuuuuuuuum…

- Nork!

- Ai, pelas barbas do meu tio mudo… - ele fica de pé e respira fundo - Que a Deusa dos desesperados me proteja!

Nork junta as mãos na frente do corpo e pula como se ele fosse um nadador e houvesse uma piscina abaixo. Assim que sua queda é interceptada pela mochila de seu colega adolescente, o goblin trata de se revirar lá dentro, fechar o ziper quase por completo de forma que apareçam somente seus olhos pretos e trêmulos de medo.

- Pronto! Já podemos ir?

Bruno seca o suor da testa, dá um sorriso fraco e um joinha com a mão direita.

- Podemos. Deu tudo certo! – otimista, ele estica o braço para pegar a caveira de prata na escrivaninha. Sua mão é interceptada por um gato preto, que pula na escrivaninha em busca de atenção. A mão de Bruno para momentaneaente para afagar a cabeça do filhote. – Ok gatinho, agora eu preciso...

E então a caveira abre a boca e abocanha o gato.

- MIIIIIAAAAAAAAAAAAAAAAAAUU!!

- WAAAH!! – Bruno abraça a mochila e recua para trás até bater na parede, gritando junto de Nork.

O gato fecha os olhos com força e se contorce por alguns instantes tentando desesperadamente se soltar dos dentes da caveira, mas tudo em vão. Seus esforços finalmente param quando a caveira começa a se dissolver como água, sua superfície prateada aderindo aos pelos do gato, consumindo todo aquele pequeno corpo felino.

No fim não sobra nada da caveira de prata, apenas um gato prateado e imóvel como uma estátua. Aos poucos Bruno dá passos para frente, hesitante e com o coração batendo rápido, com medo do que irá acontecer em seguida. Quando está prestes a tocar no gato, este abre os olhos, revelando duas pequenas e brilhantes safiras azuis, e começa a se mexer. Ele se levanta preguiçosamente, espreguiça as costas e olha com um olhar cansado para Bruno.

- O-oi?

E então o gato se vira e corre em direção da janela, pulando para o lado de fora com um único impulso.

- Ei! – Bruno corre até a janela a tempo de ver o gato de prata escalando uma árvore do lado de fora, então correndo por um dos galhos, pulando para o muro da casa e depois desaparecendo do outro lado. - ... eu não tô acreditando nisso.

- Nem eu! Melhor você resolver isso logo, né?

- “Eu”? Você não quer dizer “nós”?

- Ah não, eu prefiro que todos os terrores felinos desapareçam mesmo.

- Não tem problema, eu te deixo aqui no quarto com todos esses-

- Mas claro que eu não iria abandonar você, Bruno meu amigo!

- Ótimo, então vamos!

Colocando a mochila nas costas, Bruno desajeitadamente pula a janela, tropeçando no processo e caindo de cara no chão do outro lado. Se levantando com grama nas roupas e no cabelo, ele então corre para um grande vaso de cerâmica deixado ali nos fundos do quintal, sobe no vaso e o utiliza como plataforma para escalar o muro. Ele rola por cima do muro, caindo pesado no vizinho.

- Eu Bruno, tudo bem ai? Eu te ouvi gritar, mas estava ocupada com toda a história da ca- -
Helena abre a porta do quarto a tempo de ver Bruno nos fundos do quintal rolando por cima do muro e indo embora. Em choque, ela caminha até a janela e coloca as mãos no parapeito.

- Mas que diabos há com esse garoto?

----------

Para a sorte de Bruno, seu corpo inteiro afunda em uma pilha de objetos fofos e macios ao invés de colidir com um chão duro e rígido. Surpreso e se mexendo com dificuldade, ele ergue a metade superior do corpo acima daquelas coisas macias e olha ao redor, percebendo que está em uma grande lata de lixo repleta de pão velho.

- Ugh... pão mofado.

- Que sorte ter uma padaria atrás da casa dela, né?

- A padaria não deve ser muito boa, se joga fora tantas sobras. – Bruno responde, pouco antes da cabeça de Nork aparecer ao seu lado, mastigando vários pedaços de pão. - Nork, esse pão tá mofado! Cospe isso!

- Por que eu faria isso? Dizem que pão envelhece igual vinho.

- Eu duvido muito que alguém fale isso...

Nork entra na mochila de Bruno com vários pedaços de pão nos braços, o garoto se arrasta até a beirada da lixeira e se puxa para fora. Tirando farelo dos cabelos, Bruno passa pela lateral da padaria e chega na calçada. Se agachando e estreitando os olhos, ele vasculha pela esquerda e pela direita em busca do gato de prata.

Um homem de terno passa por ele e sacode a cabeça, dizendo para si mesmo que não entende a juventude de hoje em dia. Um mendigo sentado na sarjeta ergue a cabeça com a passagem do garoto, mas prefere não falar com pessoas estranhas e fecha os olhos, tentando voltar a cochilar. Bruno finalmente avista o gato do outro lado da rua, passando por baixo dos carros estacionados.

- Peguei! – Bruno comemora silenciosamente, ao mesmo tempo que estica sua mão em direção ao gato de prata – Vai, corda!

Nada acontece, além de Bruno ficar parado, agachado, com a mão direita estendida e o olhar perplexo no rosto enquanto o gato continua indo embora. O mendigo ali perto abre o olho esquerdo, discretamente espreitando o que está acontecendo.

- Por quê eu não consegui? – Bruno se levanta e olha para a própria mão, decepcionado. – Será que antes foi só coisa da minha cabeça?

- Claro que não! – Nork coloca a cabeça para fora da mochila, assustando o mendigo, que se cobre com seu cobertor esfarrapado e continua observando por um buraco no pano – Aquela corda me prendeu pra valer, eu senti aquilo!

- Mas então… por quê agora não deu certo? E se esconde na mochila, você sabe que aqui não é seguro.

Com Nork novamente se escondendo na mochila e um mendigo traumatizado deixado na calçada, Bruno atravessa a rua e continua a perseguição ao gato de prata.

- Pensa aí, o que tem de diferente na vez que você me prendeu e agora?

- Bem… eu estava com raiva e frustrado…

- Já é um começo.

- … e também pensando em esganar você.

- É isso! Pense em como estrangular o terror felino! Eu te ajudo nisso!

- Algo me diz que esse não é bem assim. Ah, olha ali!

Na frente de um parque, o gato de prata sai de baixo de um caminhão e vai para a calçada. Bruno arregala os olhos e começa a correr, assustado ao perceber que o gato está indo em direção a um grupo de jovens que estão caminhando e tomando sorvete.

- Olha ali em cima! – Bruno grita e aponta. – Um homem vestido de pássaro vai pular daquele prédio!

O alarde causado pelo garoto dá certo e o grupo se vira para trás em busca do homem vestido de pássaro. A distração dá tempo para o gato passar pelas pernas dos jovens sem ser notado e então entrar no parque pelos portões abertos. Bruno aproveita e também passa pelo grupo de pessoas.

- Opa pessoal, era só um pombo! Desculpa aí!

- Qual é daquele garoto?

- Moleque estranho…

- Vai ver ele precisa de óculos.

- Ei, ele pegou meu sorvete!

- Nork!

- O quê? Eu não resisto à baunilha!

- Depois eu procuro aquela moça para pagar o sorvete… e pra onde foi o gato?

Após passar apressado pelos portões e avançar pela primeira trilha que apareceu, Bruno para em uma encruzilhada. De noite poucas pessoas visitam aquele parque, os postes são antigos e nem todos funcionam. Na fraca iluminação, o garoto tem a opção de seguir para a esquerda, direita ou para frente. Além de árvores e plantas, não há nenhuma pessoa ou animal à vista.

- E agora, Nork?

- Não sei. – diz o Goblin, colocando a cabeça para fora da mochila.

Um cachorro começa a latir em algum lugar do parque, quebrando o silêncio. Bruno respira pesado, se recuperando do esforço físico e pensando no que fazer.

- Você não pode farejar ele como um cachorro, não? – diz ele, depois de mais de um minuto.

- Quem dera eu pudesse virar um cachorro, sou fã deles! Eu adoro como eles amedrontam os terrores felinos para longe!

- Sei… espera, eles fazem isso mesmo!

Bruno começa a correr pelo caminho da direita, após ter uma grande revelação.

- É claro que fazem, oras. E eu não sei se essa é a melhor hora para contar, mas… sua mochila tá toda suja de sorvete.

Após alguns segundos de correria, Bruno para derrapando na terra. Em sua frente, um cachorro vira-lata late para o gato de prata, que caminha em sua direção, aparentemente sem medo.

- Essa não, desse jeito o gato vai acabar sendo-

O cachorro avança para o gato destemido e morde a sua cabeça.

- Ah! – Bruno vira o rosto, evitando ver alguma cena sangrenta.

- Hehe… bem feito… - Nork, o goblin, comemora sombriamente.

Por alguns segundos, nada acontece. Até que, então, o cachorro abre a boca, deixando alguns dentes caírem no chão. Ele se afasta do gato dando passos para trás, primeiro lentamente e depois correndo para longe. O gato de prata se vira e encara Bruno com seus olhos de safira. O corpo dele está intacto.

- Aaah…

- O-okay, acho que a gente não tinha com o que se preocupar. – Bruno seca o suor da sua testa e o gato se vira para continuar sua trajetória aparentemente aleatória – Mas essa perseguição acaba agora!

Bruno estende sua mão direita para o gato, dessa vez se concentrando ao máximo que pode. Ele se lembra como mais cedo prendeu Nork em um momento de desespero e tenta visualizar mentalmente como se sentiu. Em sua cabeça, ele vê uma corda, um nó firme, em seguida o pequeno corpo felino preso e imóvel.

Nenhum resultado vem de imediato, mas aos poucos os dedos do garoto começam a formigar de leve. Uma fraca luz alaranjada surge em sua mão, iluminando sobrenaturalmente os arredores.

Uma corda transparente e alaranjada surge abaixo do gato e um nó começa a se formar em suas patas.

- Isso aí, rapaz! – comemora Nork.

O gato, por sua vez, olha para a corda e decide pular por cima dela, fazendo o nó se fechar em torno de um espaço vazio. Bruno se concentra e dessa vez a corda surge mais rápido. Um laço quase é feito no estômago do gato, mas ele novamente salta para longe e evita ser preso.

Cansado daquilo, o gato começa a correr. Bruno o segue, com a mão estendida e brilhando laranja.

- Você não vai escapar, gatinho!

Em um curto intervalo de tempo, Bruno cria outras três cordas. Nenhuma delas tem sucesso, no entanto, com o gato de prata saltando e desviando de cada uma sem fazer muito esforço.

- Urgh!

- Continua, Bruno! Você pegou o jeito da coisa!

Porém, Bruno não consegue. Após a quinta corda espectral, sua perna direita vacila e escorrega, sem conseguir sustentar o peso do corpo. De joelhos e apoiando as mãos no chão, o máximo que ele consegue é erguer o rosto e ver o gato de prata ir embora na pequena estrada do parque.

- O que foi, Bruno? Você tá quase pegando ele! – Nork estica seu corpo para fora da mochila e dá um tapinha no rosto de Bruno – Ei, você tá todo suado!

- Mi… minhas energias…

- O que houve? Você tá bem?

- Eu… vou ficar bem. Só fiquei cansado de repente. – a visão de Bruno fica turva por alguns instantes. Ele aperta os olhos e pisca com força algumas vezes. Em alguns momentos, sente uma pontada na cabeça e a sensação de que vai perder os sentidos. Quando finalmente seus olhos se estabilizam, ele enxerga a sombra de uma pessoa adiante na estrada.

Em meio à escuridão, Bruno consegue identificar poucas características daquela pessoa. É mais alta que ele, suas roupas compridas cobrem seus braços e pernas, a capa esvoaça atrás dela de formas misteriosas e o capuz faz uma sombra que impede que o rosto seja visto.

Recomendação do Capítulo:
Banda: King Crimson
Álbum: In the Court of the Crimson King (1969)
Música: 21st Century Schizoid Man
Gênero: Progressive Rock


A pessoa estende a mão direita para frente e um brilho alaranjado surge, fazendo o coração de Bruno bater com ainda mais intensidade. Correntes de ferro surgem do chão ao redor do gato de prata e o prendem por várias direções diferentes, tão rápidas que não permitem sequer que o felino tenha alguma reação de defesa. Mesmo estando a uma certa distância, Bruno consegue ver o gato se debatendo, tentando sair de sua prisão, mas longe de conseguir causar qualquer impacto.

Se agachando, o encapuzado se aproxima do gato e pressiona os seus olhos de safira como dois botões. Isso parece ser o bastante para que a prata no corpo do gato comece a escorrer e se agrupar no chão em uma forma esférica. Por fim, a esfera passa a mudar de forma até se tornar novamente uma caveira, com os olhos de safira surgindo como se estivessem brotando de dentro.

- Miau? – o filhote de gato preso mia, sem entender por que está preso e como foi parar no meio daquele parque.

A pessoa se levanta e fala, com uma voz masculina e áspera:

- Você ainda precisa treinar muito. Treinar e conhecer os seus limites. – são as únicas sentenças ditas antes dele se virar e ir embora pela estrada de terra.

- E-espera! – Bruno se força a dizer em voz alta – Quem ou o quê é você?

Sem respostas.

Ainda com a metade de cima do corpo saindo de dentro da mochila, Nork puxa os cabeços de Bruno por trás.

- Ei, Bruno! Consegue se mexer?

- Ai! … ah! É verdade! – Lembrando que pode tentar se mover, Bruno se levanta. O corpo ainda está cansado e ele se sente como se tivesse corrido uma maratona, mas pelo menos está conseguindo enxergar bem e aos poucos seus batimentos cardíacos vão desacelerando.

O encapuzado não está mais à vista em lugar algum.

Bruno segue em frente e, ao se aproximar do gato, as correntes ao redor do seu corpo desaparecem. Eles vêm em direção a Bruno e se esfrega em suas pernas, o que é o bastante para fazer Nork se fechar dentro da mochila, com medo. No chão e ao lado do gato, a caveira de prata olha para Bruno com olhos de decepção.

- Eu preciso ir atrás daquele cara e entender o que aconteceu aqui.

Atrás de Bruno, soam passos agitados.

- Ali, seu guarda! O garoto que roubou meu sorvete!

- E-eu posso explicar!

----------


Após o incidente da cabeça, Helena se encontra pensativa em seu quarto, sentada em sua escrivaninha, mexendo no notebook sem interesse em nada específico. Não conseguia entender porque alguém viria até sua casa para interagir com sua família e simplesmente ir embora pulando o muro. Qual foi o verdadeiro sentido de tudo aquilo?

O pensamento da garota é interrompido por batidas na janela.

- Oi? – diz Bruno, após a janela ter sido aberta.

- Qual é a sua? Você diz que vem me visitar, come minha comida e foge pelo muro… pra depois voltar cheio de grama, terra e farelo de pão? Espero que você tenha um bom motivo para-

Bruno coloca o filhote de gato no parapeito da janela.

- … o quê?

- Esse gato fugiu pela janela, subiu na árvore e pulou o muro, eu só fui atrás dele. Ele foi atacado por um cachorro no parque, mas acho que tá bem.

- Ele foi até o parque?

- Pois é. Mas enfim, desculpe ter sumido antes.

- Ah, não… obrigada por proteger esse gatinho.

- Não foi nada. Agora eu tenho que ir de verdade, já tá tarde.

- Quer sair pela porta da frente dessa vez?

- De preferência sim, eu me ralei todo pulando esse muro duas vezes.

Bruno se vira e começa a andar para longe da janela, mas é surpreendido pelo gato preto, que pula para o chão e começa a andar do seu lado.

- Ei, seu lugar é lá dentro! – Bruno levanta o gato e o leva novamente para a janela, mas dessa vez ele se prende na roupa do garoto com firmeza – O que você quer comigo?

- Ele gostou de você. Por que não fica com ele?

- Um gato? Não sei, eu nunca tive um mascote antes…

- Eu te dou algumas dicas.

- Bom, eu… acho que seria legal. – Bruno olha para o gatinho, percebendo que acabou de alguma forma se apegando a ele em toda essa perseguição noturna. – Vou ficar com ele.

- Que bom! Vou te dar um pouco de ração de filhote.

Helena se afasta da janela e Bruno coloca o gato no colo, falando baixo para ele:

- Amanhã vou te apresentar ao meu amigo Nork.

A mochila de Bruno se sacode para todos os lados, em desespero.

----------------------------------------
Bem... eu decidi escrever e postar logo esse capítulo porque é melhor do que ficar se segurando na esperança de que uma super inspiração surja do nada. A verdade é que não estou tão satisfeito com tudo que está sendo escrito. Por isso eu preciso mais do que nunca das opiniões e sugestões de vocês.

Abaixo, o quão satisfeito estou com cada capítulo e o que (talvez) possa ser feito para melhorar.

- Capítulo 03 – 85% satisfeito
Talvez alguma maluquice deva acontecer com o Saci antes de pegarem ele?

- Capítulo 04 – 70% satisfeito
Talvez melhorar a caracterização de Martina e Helena?
Melhorar a caracterização de Nork, especialmente com maneirismos de fala.
Alguma nova/diferente maluquice acontecendo?

- Capítulo 05 – 50% satisfeito
Talvez eu tenha exagerado na parte com a família da Helena e caracterização do quarto dela. Tirar/encurtar essas partes? A ideia era mostrar como a nova vida de Bruno acabou fazendo ele conhecer novas pessoas e entrar na vida delas mesmo sem querer, além de mostrar como o trabalho no Antiquário pode atrapalhar relacionamentos com outras pessoas.
Novamente, melhorar Nork... ainda que eu ache que ele ficou melhor nesse capítulo.
Focar na parte final, aumentando a perseguição ou mudando para algo mais interessante? De qualquer forma o final deve continuar mais ou menos o mesmo, com o surgimento da pessoa misteriosa e Bruno ganhando um gato.
Mudar a música?

Alternativamente desistir de tudo?

Bem, essas foram as coisas que pensei. Agora irei voltar para o Crossover, focando em terminar o capítulo atual. Depois volto para tentar corrigir estes capítulos...


Última edição por Eusine48 em Dom 6 Ago 2023 - 18:45, editado 1 vez(es)
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySeg 9 Jan 2023 - 18:35

Oh wow, você postou esse troço ano passado, melhor eu responder logo

Er certo. Sobre o capítulo em si. Em geral, até que achei o capítulo bom, já que está avançando coisas. Ele recuperar a caveira foi esperado mas a forma que isso ocorreu foi até divertido.

Só achei o capítulo um tanto que fraco no começo, com pouca coisa acontecendo enquanto bruno conhece a familia de Helena. Os pais e os irmãos de helena são até bem caracterizados(a conversa do jantar foi até que legal), mas não me intrigam muito. Deles, os irmãos gêmeos são mais interessantes, talvez porque é algo mais diferente.

Acho que é normal pois são uma familia normal, mas achei essa situação um tanto previsivel e me interessei mais a partir do momento que o gato e a caveira se fundiram. A cena de perseguição foi até que divertida. Só achei uma pena que o gato e a caveira se desfundiram (se solidificaram?)

Sobre os irmãos, talvez tenha só faltado explicar melhor o que eles faziam durante o jantar, pois pareceu que eles nem participaram do jantar.

Sobre a perseguição, achei que você esteve usando bastante isso de perseguições. Parece que ele vai ter de correr muito nesse negócio. Além disso, apesar de que Bruno entendeu como usar a magia, eu como leitor ainda não faço ideia de qual o "Eureca" que ele teve. E acho que ele começou a usar normalmente rápido demais? Talvez ele errar uma vez a mais após isso sirva bem.

Sobre revisionismo, eu sinto muito o que você tem sentindo nos meus próprios projetos. É muito irritante. Mas acho que é uma ideia com potencial e não acho necessário jogar tudo no lixo.

Na minha opinião, algumas coisas que poderiam ser modificadas:

- Conflito do primeiro capítulo poderia ser algo diferente de uma perseguição. Talvez o Saci pode causar alguma caos e Bruno ter de consertar?

- Se Nork é para ser um personagem recorrente, talvez seja bom introduzi-lo em um momento anterior (apesar de não ter tanto foco)

- Deixar o sistema de magia mais claro. Não precisa ser um sistema de hard magic, mas deixar mais claro que existe e como é difícil um "normie" como o bruno aprender.

- Talvez deixar o gato fundido por mais tempo, criando um objetivo secundário para ser usado entre capítulos

- Talvez criar um objetivo mais abrangente, que dure mais de um capítulo, nem que seja "Proteger o mundo da devastação" ou "Unir as pessoas de nossa nação" ou "Equipe Rocket decolando na velocidade da luz"
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyDom 12 Fev 2023 - 22:42

Certo... Desculpe não poder comentar mais, nova vida, novo trabalho, ajustando... É, graças a deus que a Pandemia não destruiu as nossas vidas. Os comentários, pelo menos.

Eusine48 disse escreveu:
Por que tanto pessimismo? Romances podem dar certo as vezes, sabia?

Desejaria que isso seja 100% verdade, mas os autores mais sádicos podem tornar isso um desastre.

Capítulo 05 – A Caveira Fugitiva

Sobre Nork, é, ele pode ser encrenqueiro, mas ele é bem engraçado, pelo menos. Não é o meu tipo de personagem que eu consideraria favorito, mas ele parece bem para mim.

Clássicas crianças encrenqueiras e brincalhonas. Que bom que elas estão divertindo, espero que elas continuem ficando assim e que nada de MAL aconteça com elas.

Infelizmente, não posso falar a mesma coisa com o pobre Bruno. Nork meteu uma encrenca de Gato e uma mulher com o sorvete dela. Mas parece que ele se deu bem com Martina e ganhou um gato de estimação. Um progresso de relacionamento, hm.

Enfim, um básico, mas teve um bom desenvolvimento nesse capítulo. Bom que Nork vai receber a sua lição por causa da encrenca dele, ha!
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MensagemAssunto: Capítulo 03 – A Ordem do Escudo de Prata Entra em Cena   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySáb 22 Jul 2023 - 10:17

De volta depois de aproximadamente 1000 anos com o... capítulo 3 de novo? Não se preocupem, exceto pela introdução, o resto do material é novo. Preferi acrescentar informações importantes perto do começo do que ter que reescrever várias coisas, acho que no processo também corrigi alguns problemas!

O capítulo acabou ficando grande demais, então dividi ele em 2. Os antigos capítulos 3, 4 e 5 vão se tornar 5, 6 e 7, respectivamente.

Antes de tudo, hora de responder comentários de um milênio atrás:

Mr.Galleom escreveu:
Sobre revisionismo, eu sinto muito o que você tem sentindo nos meus próprios projetos. É muito irritante. Mas acho que é uma ideia com potencial e não acho necessário jogar tudo no lixo.

Na minha opinião, algumas coisas que poderiam ser modificadas:

- Conflito do primeiro capítulo poderia ser algo diferente de uma perseguição. Talvez o Saci pode causar alguma caos e Bruno ter de consertar?

- Talvez criar um objetivo mais abrangente, que dure mais de um capítulo, nem que seja "Proteger o mundo da devastação" ou "Unir as pessoas de nossa nação" ou "Equipe Rocket decolando na velocidade da luz"

O problema do Saci vai permanecer o mesmo, já que eu gostei do resultado geral, mas entendo o ponto. Sei que tenho que ter em mente essa questão da variabilidade de situações quando pensar em novos problemas.

Pensando no outro ponto, eu decidi adiantar o “perigo maior” para um ponto mais inicial da história, isso foi o que mais me motivou a fazer o capítulo de hoje. Também porque acredito que o Velho Getúlio precisa de mais tempo aparecendo, interagindo com Bruno e com o mundo ao redor, além de mostrar o lado mentor dele.

(Sei que o seu comentário original tem mais pontos a serem respondidos, mas vou deixar para a oportunidade em que se encaixam melhor f6)

Firealex escreveu:
Sobre Nork, é, ele pode ser encrenqueiro, mas ele é bem engraçado, pelo menos. Não é o meu tipo de personagem que eu consideraria favorito, mas ele parece bem para mim.

Clássicas crianças encrenqueiras e brincalhonas. Que bom que elas estão divertindo, espero que elas continuem ficando assim e que nada de MAL aconteça com elas.

Enfim, um básico, mas teve um bom desenvolvimento nesse capítulo. Bom que Nork vai receber a sua lição por causa da encrenca dele, ha!

Fico feliz que gostou dos personagens e do desenvolvimento! Eu não fiquei muito satisfeito com várias coisas do Capítulo 5, então aspectos devem ser reescritos, mas vou manter a ideia central quando fizer isso.

Falando em mudar, fiz algumas pequenas melhorias no Capítulo 1:

Careca?:

Por algum motivo coloquei Getúlio como careca no começo, o que não combina com minha visão atual dele. Assim, decidi mudar:

Cabelo Arrumado:

Outra mudança aparece bem aqui:

Cara Chato:

Acho que o cliente causando uma impressão ruim em Bruno não combina com a cena em questão, então eu o tornei menos chato:

Cara Legal:

Com isso, vamos ao novo Capítulo 3! Como disse mais cedo, o que temos para hoje é metade do capítulo que escrevi originalmente. Por conta disso ele não tem tanta ação por se tratar do começo, mas espero ter balanceado isso com momentos interessantes o bastante. Então, mais do que nunca, agradeço comentários sobre a progressão e o pacing, além de todo o resto!

----------------------------------------

O despertador do celular toca com uma música positiva e otimista do final dos anos 1960. Sem enrolar muito, Bruno se espreguiça e se levanta com um bocejo. Além de cumprir a função de acordar o garoto, o modo como a música foi gravada por ele (colocando o celular em frente ao toca discos) lembra automaticamente que ele precisa ir trabalhar.

Ele não se dá o trabalho de parar a música, prefere deixá-la tocando enquanto arruma sua cama e guarda alguns pertences na mochila, pois o volume não está alto a ponto de atrapalhar ninguém.

Após tomar um banho, o garoto sai do quarto com mochila nas costas, sem ligar nenhuma luz no corredor ou na sala. As cortinas estão fechadas, fazendo com que apenas o mínimo de luz natural entre no apartamento, mas a tela da televisão da sala ilumina o ambiente o bastante para que Bruno consiga evitar de pisar ou bater em algo. Assim, ele caminha evitando fazer qualquer barulho que acorde o seu pai, que mais uma vez dormiu sentado na poltrona.

Antes de sair pela porta da frente, Bruno recolhe algumas notas de dinheiro e moedas que estão na bancada que separa a sala da cozinha e as coloca no bolso da calça. Ele retorna alguns minutos depois, com dois sacos da padaria Da Esquina repletos de pão de queijo. Bruno deixa um dos sacos na bancada da cozinha ao lado do troco, coloca a cafeteira elétrica para funcionar e, por fim, vai trabalhar.

Bruno prefere começar a comer seu pão de queijo quando já está no metrô, indo para os subúrbios.

Capítulo 03 – A Ordem do Escudo de Prata Entra em Cena

- Bom dia, seu Getúlio!

- Ah! – Velho Getúlio ergue as sobrancelhas, surpreso – Chegou cedo, Bruno.

Os dois se cumprimentam na frente do Antiquário, com Velho Getúlio sentado em uma cadeira de madeira ao lado da porta de entrada. O dia amanheceu bem frio e ele veste um casaco por cima de uma camisa caqui amarela. Continua com suas eternas bermuda e chinelos, no entanto. À sua direita, uma garrafa térmica descansa no chão.
- Aceita um café? – Pergunta Getúlio, enquanto ele mesmo beberica a bebida preta e quente em um copinho de vidro.

- Aceito. Quer um pão de queijo?

- Oh, claro.

Bruno se incomoda com a amargura do café sem açúcar, mas não reclama. Eles ficam por alguns instantes apenas bebendo café e comendo pão de queijo enquanto veem o tempo passar. O café ajuda Bruno a se esquentar, apesar do moletom e da calça comprida, ele ainda está com bastante frio.

Como ninguém havia comentado sobre horário de trabalho, Bruno decidiu vir antes das oito horas da manhã, que é quando o Antiquário abre. Diferente do centro da capital, onde Bruno mora, os subúrbios são infinitamente mais silenciosos. Poucos carros passam pela rua, as casas estão em quietude e as raras pessoas que caminham na calçada passam acenando para Velho Getúlio, que por sua vez balança a cabeça para cima e para baixo, a forma taciturna que ele tem para dizer algo como “Bom dia, vizinho!”.

- Então, eu estava pensando…

Na cabeça de Bruno, estão centenas de perguntas sobre o Canto do Mundo. Como foi enxotado no dia anterior, seus questionamentos acabaram ficando sem respostas e se somando a diversos novos. O garoto decide perguntar aos poucos, para não assustar seu novo chefe.

- Qual a primeira criatura mágica que o senhor conheceu? Quantas já encontrou? Onde elas vivem? Quantos tipos são? O que comem? Quantas pessoas sabem que elas existem? Quantas já foram no Antiquário e eu nem percebi? Todas falam português? Existem outros vampiros por aqui? Eles gostam de pão de queijo? Como elas conseguem dinheiro? Elas trabalham? Estudam? Recebem cota para entrar em universidade pública? Quantas vezes –

- Ei, ei, ei! Vai com calma, mal terminei de acordar ainda!

Bruno falha miseravelmente em controlar a língua.

- D-desculpa, é que…

- Muitas perguntas na cachola, eu percebi. – Velho Getúlio termina seu café, pega sua garrafa térmica e se levanta – Vamos, precisamos buscar algumas mercadorias.

O dono do Antiquário caminha até sua caminhonete, com seu ajudante timidamente o seguindo.

- Mercadorias? De que tipo?

Tendo acabado de abrir a porta do motorista, Getúlio para, olha para Bruno e arqueia a sobrancelha esquerda.

- Do tipo “não mundano”. Entendeu?

- Aaah! Entendi.

Animado, Bruno segue a passos rápidos para o outro lado do automóvel enquanto Velho Getúlio liga o carro. O garoto, até então, nunca havia tido motivos para entrar no veículo antes. A caminhonete funciona na terceira tentativa, com o motor fazendo um barulho exagerado e destrambelhado. O carro com certeza já viu dias melhores antes.

Algum dia (a algumas décadas atrás), o carro foi vermelho. Hoje, é de um marrom desbotado com algumas manchas de ferrugem alaranjadas. A porta do passageiro tremeu e rangeu ao ser puxada, parecendo que ia cair a qualquer momento. Bruno se senta em um banco cujo couro está se soltando do lugar, mas ainda assim é surpreendentemente confortável. O carpete no chão, pelo menos, é novo.

À frente do garoto, no porta-luvas aberto, estão guardados alguns livros de bolso, duas agendas e algumas canetas soltas. Pendurados no retrovisor interno, estão um aromatizante de “cheiro de carro novo” e um terço, enrolado no espelho. O carro sai da garagem para a rua com um solavanco, a parte inferior rangendo como se fosse se soltar a qualquer momento. Apesar do veículo não ter nada de especial (e estar precisando de alguns reparos), Bruno está animado e se sente indo para uma jornada.

Recomendação do Capítulo:
Banda: The Lovin' Spoonful
Álbum: Do You Believe in Magic (1965)
Música: Do You Believe in Magic?
Gênero: Folk Rock


- Então, onde o senhor costuma comprar essas mercadorias? – o garoto não perde a oportunidade de começar a fazer novas perguntas.

- Na verdade, a maioria vem até nós, no Canto do Mundo. – responde Velho Getúlio, com uma tosse seca – Esse caso é uma exceção, o vendedor disse que precisa de um pouco de privacidade.

- Isso é normal?

- Não.

- O senhor acha que ele é confiável?

- Bem… - ele coça o queixo com a mão esquerda – Na maioria das vezes, sim.

- Então já comprou dele outras vezes?

- Claro, se eu não o conhecesse não estaria fazendo isso. Ele viaja por toda a América do Sul e Central, trazendo algumas relíquias quando passa aqui pelo Vale das Pereiras.

- Oh, itens mágicos? O que dá para fazer com eles?

- Nem tudo com o que trabalhamos é mágico, Bruno.

- Mas vão ter coisas mágicas pelo meio, né?

- Provavelmente. Não tem como saber exatamente até ver com os próprios olhos.

- Entendi. – Bruno para por um instante, mas logo continua com as perguntas – Foi com ele que o senhor comprou aquele Amuleto do Esquecimento?

- Não, eu recuperei de um santuário perdido em Itzamatul. Faz muito tempo, na época em que eu ainda era um aventureiro em busca de fortuna e tesouros.

- Espera, o senhor já foi aventureiro?

- Claro, como acha que consegui o inventário para abrir o Canto do Mundo? – ele pergunta, mas sem esperar por uma resposta. Bruno percebe um sorriso nostálgico estampado no rosto de Getúlio – Passei os anos dourados da minha juventude explorando cavernas e templos antigos, vivendo aventuras e recolhendo relíquias deixadas para trás.

- Que maneiro. – diz Bruno, com o olhar perdido no horizonte, imaginando se ele teria coragem de viver tais aventuras.

- Foi supimpa mesmo. Nem preciso dizer que também foi assim que conheci vários contatos importantes.

- Que nem esse vendedor que vamos encontrar?

- Exatamente. Nós nos esbarramos pela primeira vez em alguma cidade no meio da Amazônia, há décadas atrás. Contatos são tudo de mais importante nessa linha de trabalho, garoto. Lembre-se.

- Vou me lembrar. O senhor sente falta dessa época?

Velho Getúlio não responde imediatamente, ficando apenas concentrado na estrada a sua frente. A pergunta parece ter feito com que ele se perdesse em pensamentos. Quando finalmente responde, é de forma direta.

- Um pouco.

Bruno sente um tom de melancolia na constatação, o que é o bastante para fazer o garoto conter temporariamente a vontade de fazer perguntas. Ele aproveita para olhar ao redor, percebendo que eles se afastam dos bairros residenciais, as casas aos poucos dando lugar à campos e bosques. Logo eles saem da estrada principal e entram em uma estrada de terra, onde iniciam uma subida tortuosa.

- Onde estamos indo, afinal?

- No antigo mirante da cidade. O lugar está abandonado há muito tempo, no máximo algumas pessoas usam para acampar.

- E tem a gente, que vai fazer negócios com uma criatura mágica.

- Heh, é verdade.

- Voltando ao assunto, - Bruno julga que é confortável fazer perguntas novamente – como funciona aquele seu amuleto?

- Ora, magia.

- Mas como o senhor colocou magia nele?

- Eu não conseguiria fazer isso. Não sou mago, feiticeiro, bruxo, nem nada do tipo.

- E tem diferença entre essas coisas?

- Bastante. Mas não me pergunte quais são. – ele emenda antes que a pergunta seja feita. - E não, não consigo usar magia. Não que eu tenha treinado para isso, simplesmente não nasci com o dom.

- Não entendi. O dom?

- Conseguir utilizar magia é um dom, um talento raro. Ou você nasce com isso, ou não.

- Hum… mas, o que exatamente é magia?

- Bem…

Com a boca aberta, Getúlio coça seu queixo e passa alguns instantes refletindo.

- Tem algo a ver com a energia interior. Vida. Alma. Não sei. Vai ter que perguntar de algum mago.

- O senhor conhece algum?

O carro passa por cima de um tronco, que causa um solavanco e faz ambos pularem em seus assentos, com os óculos de Velho Getúlio caindo em seu colo. Ele os coloca no rosto e os ajusta antes de responder à pergunta.

- Não, não mais.

Sentindo que a conversa pode atingir um ponto delicado e estagnar novamente, Bruno decide mudar um pouco o foco.

- Então, quando vou poder usar algo mágico?

- Há! Hahá! Essa foi boa! - Velho Getúlio gargalha e dá alguns tapinhas no volante. Como se quisesse rir junto, o motor do carro engasga e faz um som alto, áspero e metálico, quase como um idoso com tuberculose tentando rir.

- Hãn…

- Ah, fazia tempo que eu não ria tanto. Chegamos, garoto.

Após uma curva para a esquerda, a caminhonete sai do meio das árvores e rumo ao topo da colina. O lugar é um grande campo aberto, com grama alta e alguns arbustos aqui e ali. À direita, existe uma plataforma de madeira onde, Bruno supõe, seja o mirante com vista para a cidade. Mais adiante, há uma leve elevação, onde degraus de madeira levam para uma pequena construção quadrada, com duas janelas e uma porta fechadas com concreto. De um lado dessa construção, há uma torre de rádio, do outro, algumas cabines de teleférico abandonadas e enferrujadas.

Getúlio para o carro no centro do campo aberto, onde a grama está cortada mais baixo e as cinzas de uma fogueira de acampamento descansam apagadas. Getúlio desliga o veículo e sai, logo despindo o casaco ao perceber que não está mais tão frio.

- Er, Seu Getúlio? Que horas o vendedor vai chegar? - diz Bruno, ao também sair do carro e ir para o lado de Velho Getúlio, que agora está se espreguiçando.

- Ele já deveria estar aqui. Vai aparecer a qualquer momento.

- Por quê demoraram tanto?

Bruno faz um giro de 180° quando uma voz ecoa vindo da floresta atrás deles. O garoto pisca várias vezes em incredulidade, ao ver uma van sair de dentro das árvores. Aquilo não pode estar certo, pode? Com certeza ela estava entre duas árvores, e não saiu de dentro delas. Só pode ter sido isso. Sem dúvidas.

A van possui toda a identidade hippie, sendo pintada de rosa, contendo desenhos de flores por todas as partes, coloridas com as mais diversas cores psicodélicas, dizeres e símbolos de “paz e amor”, além de alguns insetos como joaninhas e borboletas. Ela veio suavemente até eles, parecendo deslizar sobre a grama ao invés de esmagá-la com os pneus. O carro para ao lado da caminhonete de Getúlio e dentro dele sai…

… um hippie de meia-idade. Praticamente o estereótipo em pessoa, sendo um homem alto, magro, com longos cabelos grisalhos e despenteados, vestindo uma camisa branca e folgada com um colete marrom por cima, calças jeans velhas e rasgadas e chinelos.

- E aí, Getúlio, bicho. Esse é seu netinho? – diz ele com uma voz suave e serena.

- Não, ele é meu… funcionário.

- Pode crer. Então ele também trabalha no Antiquário?

- Isso.

- Que jeito frio de falar, cara. Podia dizer que ele é seu aprendiz ou coisa do tipo, saca?

- Sei. Já pode parar com o disfarce, à propósito.

- Já é. Se tá dizendo.

Diante do olhar curioso de Bruno, o homem estica seus braços para frente. Por alguns instantes, nada acontece, até que os dedos dele subitamente ganham uma cor avermelhada, além de se tornarem mais arredondados. A cor passa pela palma da mão, pulso, antebraço e subindo pelo ombro, colorindo a pele e com um efeito colateral de fazer com que os pelos corporais se tornem pequenas folhas verdes.

A cor vermelha eventualmente chega no rosto, deixando-o mais arredondado, fazendo o nariz desaparecer e as íris dos olhos se tornarem completamente pretas. Por fim, os longos cabelos grisalhos se transformam em ramos de cipó repleto de folhas.

- Prazer, me chamo José Acerola. – o homem sorri como quem está se divertindo com a situação e estende a mão direita para Bruno.

- P-prazer, sou Bruno Santana. – responde Bruno, que observou aquela transformação com a boca aberta e os olhos arregalados. O garoto lentamente estica sua mão e com cautela aperta a mão de José Acerola, se surpreendendo com a maciez de sua pele.

- Não se assuste, sou apenas um Frutífurus. Sou vegetariano.

- Ah! E-eu não tô assustado, é só a primeira vez que vejo um… frutífero?

- Frutífurus! Você sabe, um homem-fruta? Aparecemos na mitologia de diversas culturas pelo mundo.

- Desculpa, nunca ouvi falar.

- Haha, não tem problema! Menino ignorante… - responde José Acerola, com um sorriso forçado e resmungando as duas últimas palavras para si mesmo.

- Você sempre se disfarça de hippie? – pergunta Bruno, fingindo não escutar que acabou de ser chamado de ignorante.

- Claro, é ótimo para viajar por aí sem ser incomodado e sem as pessoas ficarem estranhando que eu tenho cheiro de planta.

- Mas ser hippie não saiu de moda há uns 50 anos?

- Esse é o ponto! Tem vezes que –

- Tá, já falaram demais. – Getúlio interrompe, emburrado – Ainda preciso voltar e abrir o Canto do Mundo. O que trouxe, dessa vez?

Pelo que Bruno pôde entender, José Acerola esteve explorando algumas ruínas astecas e agora tenta vender seus achados. Máscaras, moedas, pratos, facas, leques, todos bonitos a sua própria maneira, mas nenhum deles contendo alguma característica claramente mágica. Ele passa a falar de cada um deles com certo exagero e teatralidade enquanto Getúlio os observa minuciosamente com uma expressão cética no rosto. Depois de fazer toda sua propaganda vigorosa, Acerola anuncia o preço, sendo então criticado por Getúlio, ambos discutem o preço até que, por fim, o produto seja vendido por menos da metade do valor original. E então, o ciclo se repete.

Eventualmente, Bruno se cansa de toda aquela negociação e anda de um lado para o outro, entediado. Primeiro pensou em ir até o mirante de madeira e aproveitar a vista da cidade, porém, seus olhos se fixam na van e, atraído pela curiosidade, o garoto caminha até ela. Depois de olhar para trás e se certificar de que Acerola está bem entretido na conversa com Getúlio, Bruno junta as mãos ao redor dos olhos e encosta o rosto na janela traseira da van.

À primeira vista, não há nada impressionante no interior do veículo. Várias caixas ocupam a parte traseira, empilhadas umas nas outras e parcialmente cobertas por um grosso cobertor, o que dificulta que Bruno espie o que quer que esteja guardado ali.

Um movimento no limite do seu campo de visão chama a atenção do garoto. Ele não consegue ver exatamente o que é, mas tem certeza de que vê algo indo de um lado para o outro. Bruno se afasta e muda de posição, finalmente conseguindo testemunhar aquilo se movendo dentro da van, mais que isso, vindo em sua direção. A coisa é gorda, desajeitada, com a cabeça minúscula em comparação ao corpo. O coração de Bruno acelera com a empolgação de estar prestes a encontrar uma criatura mágica ali escondida. Aos poucos, a coisa de aproxima da janela, lentamente revelando ser um…

- Um… franguinho?

Um pássaro de penugem amarela aparece, olhando para Bruno com o mesmo grau de curiosidade que o garoto olha para ele. A empolgação do garoto se desfaz, no entanto, ao perceber que a única coisa estranha na ave é ter a aparência de um filhote, com o tamanho de um galo já crescido.

- Ah, carambolas! – José Acerola reclama, assustando Bruno e fazendo-o se afastar da van com um pulo. O motivo do grito do homem fruta, na verdade, não tem relação alguma com a pequena espionagem do rapaz.

Um carro grande e preto aparece no topo da colina, vindo na direção de Velho Getúlio e José Acerola, que já reverteu sua transformação e voltou a ter a aparência de um hippie genérico. O automóvel preto possui os vidros completamente escuros, sendo impossível de ver quem está dentro, mas de alguma forma emite uma aura intimidadora.

Bruno percebe que Velho Getúlio sutilmente coloca uma mão no bolso da calça, como se quisesse pegar algo, e para nessa posição. A sua expressão facial permanece a de calma absoluta, no entanto, enquanto Acerola tem as pernas trêmulas. O garoto engole em seco, sem saber o que esperar, e lentamente se aproxima de Getúlio.

- Pode ficar tranquilo, garoto. – diz Getúlio, colocando a mão livre no ombro de Bruno, o que alivia um pouco o clima de tensão que estava se formando sem que ele entendesse completamente o motivo. Enquanto isso, o hippie sua exageradamente, emanando um forte cheiro de suco de acerola.

O carro para na frente do trio e, após desligar o motor, o motorista sai. É um homem alto, de pelo menos 1,80 metros, aparentando ter passado dos 40 anos. Seus cabelos são um misto de preto e grisalho, penteados para trás com uma quantidade elevada de gel. O rosto é rígido, com algumas marcas na pele, possuindo uma barba rala que não esconde uma cicatriz em forma de cruz em seu queixo proeminente e quadrado. Óculos escuros tampam seus olhos.

Com passos duros e pesados, ele avança. Veste uma jaqueta de cor prata aberta sobre uma camisa preta, luvas e botas de couro marrom, calças jeans azuis com cinto contendo uma fivela com o desenho de uma água dourada de asas abertas em alto relevo. Duas faixas de couro cruzam o torço do homem criando um X, algo que Bruno não entende bem a utilidade. Além disso, o garoto se pergunta onde vendem jaquetas prateadas e imagina que aquele homem combinaria com um distintivo de xerife, um revólver e chapéu de cowboy. Se bem que a visão de um revólver na cintura daquela pessoa imensa não seria nada animadora.

- Senhor. Ter licença para comerciar com criaturas? – ele começa a falar, com uma voz grossa que parece sair com a mesma dificuldade que a sua pronúncia da língua portuguesa.

- Criaturas? Que criaturas? Não tem nenhuma criatura por aqui, bicho. Não, não, não mesmo. Nada, meu chapa. – responde nervosamente José Acerola, tentando manter o disfarce e esfregando as mãos nas roupas em uma tentativa de limpar o suor adocicado.

- Não tentar esconder, Frutífurus. Eu ver sua metamorfose milhas de distância. – o homem responde em um tom de voz frio e implacável.

- E-eu não quis… digo… - José Acerola gagueja, enquanto gradativamente volta à sua forma normal e avermelhada.

- Aqui está. – diz Getúlio, entregando um cartão azul no qual o homem cuidadosamente lê o que está escrito dos dois lados. O cartão parece minúsculo naquelas mãos enormes.

- Getúlio Gaspar.

- Isso mesmo. Sou dono do antiquário Canto do Mundo, aqui no Vale das Pereiras. Passe lá qualquer dia desses… Joe Jameson, não é?

- Hum. E garoto? – ele pergunta, olhando momentaneamente para Bruno, que dá um sorriso torto e sem confiança.

- É meu estagiário. – responde Getúlio – Vou arranjar uma licença para ele.

- Fazer isso. – Joe Jameson devolve o documento e faz um aceno positivo da cabeça para os dois humanos, antes de se voltar para José Acerola – Mostrar carro.

- N-não quer ver meu documento?

- Mostrar carro.

Sem esperar um convite, o homem avança para a van, com Acerola atrás, se atrapalhando enquanto procura as chaves dentro dos bolsos da calça. Ao passar por Bruno, ele entende a utilidade daquelas duas faixas de couro que se cruzam no peito de Joe Jameson: prender uma espada e um escudo nas suas costas. O escudo é tão prateado quanto a jaqueta, além de ser lustrado a ponto de sua superfície refletir o rosto de Bruno da mesma forma que um espelho faria.

Com as portas de trás da van sendo abertas, Jameson entra sem pedir permissão e sem fazer cerimônias. Bruno se pergunta como aquele pássaro estranho vai reagir.

- Seu Getúlio, quem é ele?

- Depois eu te explico. – ele responde, apertando levemente o ombro do rapaz. Bruno nem havia se tocado de que a mão de Getúlio ainda está apoiada em seu ombro.

Após minutos que pareceram durar mais que o normal, aquele homem sai de dentro da van realizando um leve aceno positivo da cabeça para José Acerola, que respira aliviado enquanto limpa o suor da testa. Com as mesmas passadas duras de antes, Joe Jameson caminha em direção de Getúlio, enquanto tira um bloco de notas do bolso da jaqueta, anota algo com uma caneta, arranca o papel e o estende para o idoso.

- Uma criança dizer ver monstro pássaro gigante na janela. Pode ser nada. Ver algo, ligar. – com essas palavras, Jameson entrega o papel com seu número de telefone e volta para o seu carro, sem falar mais nada e sem olhar para trás.

Em algum momento, duas outras pessoas saíram dos bancos traseiros do carro preto e permaneceram ali, encostados no veículo, aparentemente apenas observando a situação se desenrolar. Bruno se surpreende: além de não ter escutado barulho algum vindo deles, ambos estão olhando diretamente para ele.

Os dois são jovens adultos, aparentando ter pouco mais de 20 anos. Uma mulher esbelta, de cabelos pretos amarrados em um rabo-de-cavalo e usando óculos de grau o encara com um olhar curioso. Do outro lado do carro, um homem baixo, de aparência esguia e de cabelos loiros desgrenhados sorri com o canto da boca e direciona um olhar que mistura superioridade e zombaria. Ambos vestem jaquetas prateadas, a mulher possuindo uma faixa de couro ao redor do torso, enquanto o homem possui três, duas do lado direito e uma do lado esquerdo.

Os jovens abrem as portas com a aproximação de Joe Jameson, que ao que tudo indica é o líder do trio. O rapaz loiro sorri uma última vez para Bruno antes de entrar no carro de vidros escuros. Bruno imediatamente não gosta dessa pessoa.

Da mesma forma que vieram, eles vão embora. Ficaram poucos minutos, mas a impressão que todos ali tiveram foi de que aquele encontro durou muito mais. A tensão vai embora junto do veículo preto, mas o clima se tornou completamente diferente de antes da chegada daquelas pessoas de jaquetas prateadas. Getúlio tira a mão direita de dentro do bolso e a esquerda do ombro de Bruno.

- Acho que já peguei tudo que queria. – diz Getúlio, com simplicidade – Agora, preciso ir abrir o Canto do Mundo.

- E eu preciso de uma bebida. – fala Acerola, recolhendo os objetos que não foram comprados de volta para a caixa e para dentro da van. – Nos vemos por aí, Getúlio e Brunildo.

- Brunildo...? – o rapaz franze o cenho, não satisfeito com o novo apelido.

- Até. – responde Velho Getúlio, sem alongar a conversa.

Bruno observa como, sem trocar novas palavras, Velho Getúlio e José Acerola finalizam a transação e vão para seus respectivos carros. O garoto ajuda a carregar os objetos até a caminhonete e entra mais curioso ainda do que já esteve no início da manhã.

- Seu Getúlio…

- Muitas perguntas, eu sei. – ele liga o carro e começa a dar ré, enquanto responde de forma direta – Eles são da Ordem do Escudo de Prata, se acostume a vê-lo de vez em quando.

- Acho que o nome explica os escudos e as jaquetas. Mas o que eles são?

Quando fazem a curva para começar a descer a colina, Bruno olha para trás e não avista a van hippie os seguindo. Deve ter se enfiado no meio das árvores, de novo.

- Não são nenhum tipo de criatura, se é isso o que você está pensando. São humanos normais como eu e você.

- Mas eles conhecem as criaturas mágicas, não é? Não parecem tão normais assim. O que eles fazem afinal?

- Isso é um pouco complicado. Oficialmente eles possuem o propósito de deter qualquer criatura que ameace a vida humana. Estão aqui para defender e não atacar.

- Mas então eles estão do nosso lado - a caminhonete solavanca ao passarem pelo tronco no meio da estrada, interrompendo a fala de Bruno momentaneamente – aí! Certo?

Getúlio coça o queixo, pensando em quais palavras utilizar.

- Mais ou menos. Do lado da humanidade, com certeza. Mas eles não aprovam nossa linha de trabalho.

- Por que não? Não fazemos nada de errado… fazemos?

- Lógico que não. – Getúlio responde rispidamente, enquanto troca de marcha – A questão é que eles mal toleram as criaturas mágicas. Desaprovam que confraternizamos e fazemos comércio com elas. O objetivo geral da Ordem pode ser o de proteger as pessoas contra perigos não mundanos, só que para isso seria melhor para eles se nenhuma criatura sequer se atrevesse a interagir conosco.

- Parece meio drástico.

- É claro que é drástico. Você conheceu o José Acerola hoje, o que achou dele?

- Meio exagerado, mas parece ser um cara legal. Tem cheiro de acerola.

- Sim, mas além disso, ele é só alguém tentando ganhar a vida. Nós humanos dominamos o mundo, se misturar e interagir conosco é uma necessidade, a única forma que eles têm para continuar existindo.

- … já vi que o senhor não gosta deles. – diz Bruno, após alguns instantes de absoluto silêncio. Nesse momento, a descida termina e a caminhonete volta para a estrada principal e rumo ao Antiquário.

Velho Getúlio respira fundo antes de responder, meio hesitante.

- Não é bem assim... As vezes eles são mesmo necessários… eles já salvaram muitas vidas e ajudam a manter em segredo a existência do mundo mágico. Eu só gostaria que eles fossem mais comedidos.

- O que quer dizer?

- Você viu o desconforto do Acerola. Dizem por aí que a Ordem só procura um motivo para abusar da autoridade. As criaturas ficam inquietas só de estarem perto deles.

- Aquele cara não me pareceu mesmo muito amigável, para ser sincero.

- Ele nem tenta disfarçar o desgosto.

- O senhor já o conhecia, então?

- Não, na última vez que a Ordem veio, eram outras pessoas.

- Veio? Como assim?

- Você viu que o Jameson mal sabe falar português.

- O senhor quer dizer que eles não costumam ficar por aqui?

- Por sorte, não. A presença deles é ruim para os negócios. Se eles estão por perto, é porque estão atrás de algo grande.

- Algo grande?

- Mas isso não é da nossa conta.

- Ah.

Bruno decide ficar quieto por alguns instantes enquanto absorve o que escutou. Tanta informação sobre a Ordem do Escudo de Prata o deixa pensativo, ainda que provavelmente não seja mesmo da sua conta. Pelo menos, a conversa faz o caminho da volta ser mais rápido, os dois estão quase chegando no Antiquário neste momento.

- Ainda bem que não tinha nada de errado na van do José Acerola, né? – Bruno diz, pensando em voz alta. – Fiquei preocupado com aquele pinto.

Getúlio para o carro bruscamente para permitir que uma família atravesse a rua. Ao virar à direita, eles estarão na rua do Canto do Mundo. Já se passou mais de uma hora do horário de abrir o antiquário e Bruno se pergunta se muitos clientes já apareceram nesse meio tempo.

- Um… pinto?  - o idoso constata.

- É, eu sei que a frase ficou esquisita... mas tô falando do filhote da galinha. Só que era do tamanho de uma galinha adulta e tinha uma cabeça pequena pro corpo. Era estranho.

- Huuuum… - ele continua a dirigir em linha reta, sem dizer nada.

- Er, Seu Getúlio? Não vamos para o antiquário?

- Vamos, só quero verificar uma coisa primeiro.


Última edição por Eusine48 em Seg 4 Set 2023 - 22:07, editado 3 vez(es)
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySeg 7 Ago 2023 - 20:24

Yay, você não morreu!

Achei um capítulo bem mais forte do que a primeira versão que você tinha feito antes. Agora que tem um começo mais sólido, acho que é melhor não reescrever tanto e começar a escrever mais capítulos em geral.

Como falei, achei bem melhor. Ele está fazendo foreshadow de ações futuras, como o sistema de magia (que espero que seja desenvolvido) e a ordem do escudo de prata. O mistério da ordem em particular me deixa bem mais curiosos sobre o futuro.

Gosto da inquisitividade do Bruno, me faz lembrar de [What Lies in the Multiverse](https://youtu.be/f-xAPGhh_Dg?t=1279), o que foi divertido. Se fosse eu, faria com que a forma em si do texto quebrasse de alguma forma para demonstrar de forma mais exagerada a animação dele, mas não está errado da forma como está.

Só não tenho certeza se estou adorando as interações entre ele e o seu getúlio, mas talvez tenha de ver mais. Se os dois aparecerem muito mais, acho que deveria considerar como o relacionamento entre os dois vai evoluir. Mas gosto de como ele deixa o passado dele misterioso.

O seu Acerola achei... ok? Meio que desapontante que o sotaque dele morreu quando ele se destransformou. Ele também é mais um dispositivo de trama para avançar várias coisas do que um personagem...

Você deveria 100% mudar "pinto" por qualquer outra coisa, por favor.

A Ordem do Escudo de Prata faz lembrar dos "Cavaleiros Eternos" de Ben 10, seria essa a inspiração?

Ah, vi agora um spoiler no título "Capítulo 03 – A Ordem do Escudo de Prata Entra em Cena". Também não é um problema, mas acho estranho spoilerzar as coisas no título.

Enfim, apesar das reclamações, achei um bom avanço em relação à versão anterior. Acho que poderia ter prestado mais atenção à gramática, mas acho que em geral a história está se desenvolvendo bem.
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyDom 13 Ago 2023 - 1:25

~Capítulo 03(?) – A Ordem do Escudo de Prata Entra em Cena~

Err... Com licença? Como caímos no Capitulo 5 para 3? Será que Bruno caiu no tempo e houve uma escorregadia aqui?

Pobre Bruno não poder usar nenhuma magia, por enquanto. Vamos torcer que um mago eventualmente apareça para ensinar ele como usar uma magia.

Parece que a tema desse capítulo parece ser a parte de tempo escorregadio, Um pinto com o corpo de galinha... Esse pintinho não decide se quer virar um galo ou um pintinho... Uma dica que ele cresceria como uma ave mais majestosa ou grande como um Fenix?

Esse pessoal do Escudo de prata, apesar de ter um nome nobre, não parecem que vão quererem ajudar ou praticarem bem para a história. Tem cara que vão meter alguma encrenca...! É bom tomar cuidado, Bruno!

Em geral, sim, a história está ficando melhor, parecendo que Bruno vai ganhar uma figura antagônica. Só acho que eu gosto de manter a história mais consistente, mas tudo depende de você, também. (Como depois do Capítulo 5, vamos para 6), aproveitar as falhas para continuar a história.

PS: Desculpa por demorar bastante de comentar, já arrumei trabalho mesmo!
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MensagemAssunto: Capítulo 04 – Pássaros Invisíveis e Acerola Embriagada   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyQui 17 Ago 2023 - 5:02

E aqui estamos nós com o novo Capítulo 4, também conhecido como segunda metade do Capítulo 3. Agradeço pelos comentários e espero que apreciem este capítulo também!

Antes de tudo, hora de responder comentários!

Mr.Galleom escreveu:
Achei um capítulo bem mais forte do que a primeira versão que você tinha feito antes. Agora que tem um começo mais sólido, acho que é melhor não reescrever tanto e começar a escrever mais capítulos em geral.

Firealex escreveu:
Err... Com licença? Como caímos no Capitulo 5 para 3? Será que Bruno caiu no tempo e houve uma escorregadia aqui?

Eu expliquei isso no post anterior, mas entendo as confusões... Eu quis colocar algumas informações antes do capítulo do Saci (Pernas pra quê te Pernas), como uma facção para provocar conflitos, dar mais participação para Getúlio e introduzir levemente a magia neste mundo. Esse capítulo ainda existe e vou até comentar um pouco mais sobre ele daqui a pouco.

Mr.Galleom escreveu:
Só não tenho certeza se estou adorando as interações entre ele e o seu getúlio, mas talvez tenha de ver mais. Se os dois aparecerem muito mais, acho que deveria considerar como o relacionamento entre os dois vai evoluir. Mas gosto de como ele deixa o passado dele misterioso.

O seu Acerola achei... ok? Meio que desapontante que o sotaque dele morreu quando ele se destransformou. Ele também é mais um dispositivo de trama para avançar várias coisas do que um personagem...

Não sei se você vai se lembrar de responder isso, mas gostaria de saber se as suas opiniões sobre os dois personagens vão mudar após ler o capítulo de hoje maple awesome face~

Mr.Galleom escreveu:
A Ordem do Escudo de Prata faz lembrar dos "Cavaleiros Eternos" de Ben 10, seria essa a inspiração?

Pra ser sincero, não ¬¬ =D Mas agora que você mencionou, existem algumas semelhanças conceituais mesmo. Talvez eu reassista os Ben 10s para pegar essa inspiração.

Mr.Galleom escreveu:
Você deveria 100% mudar "pinto" por qualquer outra coisa, por favor.

Eu atualizei o post reduzindo drasticamente a quantidade de vezes que a palavra “pinto” foi utilizada... mas não posso deixar de usar 100%. Isso vai ficar claro no capítulo de hoje, mas dando um leve spoiler, “pinto” faz parte do nome oficial de uma criatura do folclore.

Mr.Galleom escreveu:
Enfim, apesar das reclamações, achei um bom avanço em relação à versão anterior. Acho que poderia ter prestado mais atenção à gramática, mas acho que em geral a história está se desenvolvendo bem.

Firealex escreveu:
Em geral, sim, a história está ficando melhor, parecendo que Bruno vai ganhar uma figura antagônica. Só acho que eu gosto de manter a história mais consistente, mas tudo depende de você, também. (Como depois do Capítulo 5, vamos para 6), aproveitar as falhas para continuar a história.

Mim não ver problema nas gramática! Yay, os comentários de vocês realmente me ajudam nos momentos de indecisão. Não se preocupem, vou me esforçar em manter a consistência. Respondendo especificamente Alex, como eu quero que essa história vire um livro de verdade, é melhor corrigir os problemas do que apenas seguir em frente e terminar com algo repleto de erros e inconsistências... Mas eu concordo que é chato ficar “voltando no tempo” para revisar as coisas. Não deve acontecer com muita frequência.

Agora, aproveitando o tópico de melhorar coisas já escritas. Senti que precisava melhorar o capítulo “Pernas pra quê te Pernas” (que agora virou o Capítulo 5), então adicionei uma cena nova para as aleatoriedades antes de pegarem o Saci. Vou colocar aqui para o caso de vocês sentirem curiosidade. Antes, Bruno e Troncoso encontraram uma criatura aquática que os apontou a direção seguida pelo Saci.

“Encontro com um ser estranho”:

Agora, a criatura ajuda e interaje mais antes de sumir, além de que vemos o Saci aprontando mais uma vez:

“Surfando em pororocas”:

Outra melhoria foi mudar o seguinte trecho:

“Dragão Aleatório”:

Além de mudar algumas palavras, fiz com que esse trecho mencione o livro que Bruno esteve lendo no começo do capítulo:

“Enfrentando Lich”:

Por enquanto é isso, com essas atualizações estou satisfeito com o capítulo do Saci. Também fiz pequenas mudanças no texto para melhorar a fluidez, caso queiram ler na íntegra é só voltar para o post original.

Agora, vamos para o capítulo novo!

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Capítulo 04 – Pássaros Invisíveis e Acerola Embriagada

Ao invés de dobrar na primeira rua à direita, Getúlio entra na rua seguinte, parando o carro em frente à uma casa de paredes verdes e telhado branco, com uma baixa cerca de metal. No jardim, um senhor que aparenta ter idade semelhante ao Velho Getúlio está de joelhos no chão, com chapéu e luvas de jardinagem, retirando ervas daninhas. Ele ergue a cabeça ao escutar a caminhonete se aproximando.

- Getúlio! Chegou cedo para nosso jogo de damas.

- Manoel, quero dar uma olhada nos livros sobre as aves da região.

- Agora? Ah, tá bom então.

Sem precisar pedir permissão, Getúlio empurra o pequeno portão da cerca de metal e ele e Manoel seguem para dentro de casa. Indeciso se deve ou não os seguir, Bruno acaba decidindo esperar na calçada. Uma espera que não dura muito, em poucos minutos ambos retornam com as mãos cheias de livros grossos de aparência antiga. Getúlio é o primeiro a passar por Bruno, indo direto para o carro.

- Ah, o rapaz Brunello está aqui também. – diz Manoel, arqueando suas sobrancelhas. Ele, então, adquire um ar sério - Tomem cuidado com os livros! São os favoritos da minha netinha!

- Então quer dizer que a sua neta Martina sabe ler? – pergunta Bruno, desajeitado e fazendo uma pergunta estúpida, tentando aproveitar a oportunidade de saber mais sobre certa garota. - Digo, ela gosta de pássaros, Seu Manoel?

As perguntas chamam a atenção de Manoel e fazem com que o velho vá direto até o garoto, lhe empurrando os livros que carrega.

- Uff! Pesado!

- Você não devia estar na escola que nem ela? – responde Manoel, estreitando os olhos.

- Eeerrr…

- Vamos, Bruno! – chama Getúlio, que já está dentro da caminhonete e preparado para partir.

- S-sim! Até mais, Seu Manoel!

- Melhor um pássaro na mão do que matar dois coelhos com uma cajadada só, rapaz. Lembre-se disso.

- Okay?

Por fim, Velho Getúlio e Bruno voltam para o antiquário Canto do Mundo, com Bruno cheio de livros no colo e pensando em qual diabos seria o sentido do ditado dito pelo Seu Manoel. Apesar da demora em abrir o antiquário, não há uma fila de clientes ansiosos para fazer suas compras nem nada do tipo, lembrando ao garoto que antiquários não são tão populares assim.

Após abrir a porta da frente, ligar a luz e abrir as janelas, Velho Getúlio caminha até a bancada no canto oposto do antiquário e nela coloca os livros que carrega. Do outro lado, ele passa a procurar por cadernos e canetas.

- O que o senhor vai fazer com esses livros? – questiona Bruno, também largando seus livros na bancada, para o alívio de seus braços cansados.

- Nós vamos procurar informações sobre aquele pássaro que você viu, algo não me cheira bem.

- Não sei se eu entendo, mas tudo bem. – diz Bruno, se sentando ao lado de Getúlio e puxando para si um dos livros. – Por que o Seu Manoel tem tantos livros sobre pássaros, mesmo?

- Ele trabalhou como biólogo por 50 anos. Se quer algo de fauna e flora, é só falar com ele. Tem alguns livros sobre mitos e lendas misturados aí no meio também.

- Por quê?

- Ora, todo cientista tem que ser curioso. Agora isso não importa, temos trabalho a fazer!

- C-certo!

----------------------------------------

As próximas horas foram gastas em pesquisa, com Getúlio e Bruno parando apenas para atender os eventuais clientes e para ir ao banheiro. Até mesmo almoçaram enquanto liam, tamanho o foco em encontrar qualquer sinal de informações sobre um passarinho gigante e com cabeça mínima naqueles livros.

Velho Getúlio quis se certificar que não fosse apenas um animal estranho da região, então o primeiro passo da pesquisa envolveu vasculhar os atlas de pássaros para conhecer os animais que vivem na região do Vale das Pereiras. Foi só depois disso que veio a “parte legal” para Bruno.

Os livros sobre mitos e lendas trouxeram um novo fascínio para o garoto, agora que ele sabe que qualquer coisa ali pode ter, pelo menos, indícios de ser real. Focando em aves místicas, ele leu sobre as Fênix, Harpias, Garudas e Grifos. O problema é que nenhuma dessas possuem relação com galinhas, a não ser as Cocatrices e algumas descrições de Basiliscos, mas esses têm escamas demais para se encaixar.

Até que, por fim:

- “O Nuelo, mais conhecido como Pinto Pelado e Domingos Pinto Colchão,” - Bruno para de ler, com um sorriso se formando involuntariamente nos lábios – heh heh, esses nomes são meio...

- O quê? – pergunta Getúlio, sério.

- Er, nada. Continuando: “é uma criatura de grandes proporções, completamente desprovida de penas e possuindo poderes sobrenaturais pouco conhecidos. Relatos dizem que ele pode fazer sumir florestas, rios e rebanhos de uma única vez, para então os devolver em outros locais de forma caótica. Algumas testemunhas afirmam ter visto o Nuelo em meio à incêndios florestais, sem evidências claras de que a criatura tenha provocado tal evento, porém indicando uma resistência ao fogo.”

- Será o que estamos procurando?

- Não sei, aquele pinto tinha penas e não parecia ser tão poderoso. Essa foi uma péssima frase para se falar... – diz Bruno, resmungando a última frase para si mesmo.

- As aparências enganam, principalmente falando de criaturas não-mundanas. Mas o Jameson jamais teria deixado impune se fosse uma criatura potencialmente perigosa assim, achada dentro de um carro. – Getúlio para por alguns segundos, coçando seu queixo, sem prestar atenção nos resmungos de seu funcionário - Hum. Continue lendo.

- Tá ok. “Essa criatura não costuma apresentar comportamento violento com os seres humanos à menos que seja provocada. É conhecida por desaparecer subitamente no instante em que percebe a aproximação de algo perigoso, dificultando a observação e análise mais detalhada de suas características.”

- Desaparece subitamente? Quer dizer que ele simplesmente pode sumir?

- Não sei, mas assim ele pode ter evitado ser visto.

- Veja se tem algo falando sobre as penas.

- Certo. Hum… - descendo o dedo pela página, Bruno procura por uma informação específica. – “Se alimentam de peixes e pássaros menores…” credo, “… hibernam no inverno…” interessante, “… podem vir nas colorações azul, verde, rosa, amarelo e branco.” como?

- Foco, Bruno.

- “… nascem de ovos do tamanho de melancias e crescem em um ritmo acelerado. Suas penas começam a cair quando passam do tamanho de um bovino médio.” Espera, daquele tamanho e aquilo ainda é um filhote? Até que tamanho chega essa coisa?

- Achamos! Acerola não deve saber que esse é um Nuelo, porque ele ainda não perdeu as penas!

- É mesmo! E aquele mostro pássaro que o Jameson disse pra ficar de olho pode ser a mãe do Nuelinho procurando por ele!

- Então, acho que é isso. – diz Getúlio, sorrindo e com o olhar distante olhando para uma parede, como se a prateleira de louças antigas tivesse algo de relevante para tudo aquilo – Acho que é isso. Descobrimos.

Bruno olha para Getúlio com expectativa, mas é respondido apenas com silêncio. Após alguns instantes fitando o que quer que ele estivesse fitando, o idoso apenas se volta para sua mesa e começa a fechar todos os livros abertos.

- Er, Seu Getúlio? – começa Bruno – O que vamos fazer, agora?

- Fazer? Ora, nada.

- O que?

- Isso é problema do Acerola com a Ordem do Escudo de Prata, não nosso. Boa sorte para ele.

- Mas o senhor não disse que eles só querem um motivo para usarem a força?

- E eu sou contra isso.

- Eles não vão machucar o José Acerola? E as criaturas?

- Melhor não pensar nisso. Não precisamos atrair esse problema para nós.

- Mas o senhor quis pegar os livros e ir mais a fundo, disse que algo não estava cheirando bem!

- E não estava mesmo. Pelo menos agora sabemos o que é.

- Acho que o senhor está disfarçando. – Bruno se levanta, mais irritado do que se dá conta, fazendo Getúlio, surpreso, interromper a organização dos livros para olhar o garoto – Acho que o senhor queria no fundo fazer alguma coisa a respeito. Por isso estava tão focado.

- Ei! – Getúlio também se levanta – Você não sabe do que está falando!

- O que eu não sei é como o senhor consegue sentar a bunda na cadeira e não ajudar alguém só porque prefere ficar cochilando no trabalho!

- Como é?! – com o rosto vermelho de raiva, o chefe de Bruno se aproxima. – Eu estou nessa vida a mais tempo do que você, pelo menos sei com o quê estamos lidando aqui! Não devemos nos opor à Ordem, eles podem muito bem- quer saber, eu já vivi muita coisa pra ficar aturando birra de um adolescente que não sabe nada desse mundo!

- Irgh! - o garoto se encolhe de medo no mesmo lugar com as mãos cobrindo a cabeça, incapaz de elaborar qualquer argumento adicional e arrependido de ter levantado a voz.

- Bah! – Getúlio sacode as mãos para cima e se vira de costas, terminando de arrumar os livros, dessa vez de maneira apressada – Tá, vamos!

- V-vamos?

- Vamos! – responde o idoso, olhando rapidamente para seu jovem funcionário, após terminar de organizar os livros em duas pilhas distintas. Ele passa, então, a abrir suas gavetas e armários pessoais e puxar alguns itens (os quais Bruno não consegue ver com detalhes) para dentro de uma bolsa de couro. Quando termina de pegar o que quer, vai em direção da saída sem fazer nenhum convite adicional ao garoto.

- Então, onde vamos? – pergunta Bruno ao alcançar Getúlio, que já está dentro do carro e girando a chave na ignição pela segunda vez.

- Atrás do Acerola e daqueles pintos, é claro! – Getúlio brada, acelerando o carro assim que seu funcionário se senta ao seu lado, com a mão na boca tentando não rir da frase que acaba de ser dita pelo mais velho.

- Sabemos onde ele está? – ele consegue perguntar após alguns segundos.

- Ele disse que precisava de um drink. Tenho uma ideia de onde ele possa ter ido.

E assim eles tomam o mesmo caminho que fizeram mais cedo, exceto que em uma velocidade mais elevada e com um tom de urgência pesado e quase palpável no ar. Não precisam ir muito longe, no entanto, pois quando começam a se afastar da área urbana, dão de cara com uma cena de destruição.

Duas árvores estão caídas na estrada, causando um congestionamento de veículos. Os agentes de trânsito encontram-se bem ocupados guiando os motoristas de ambos os lados enquanto operários da prefeitura cortam as árvores para liberar a pista da esquerda. Até mesmo uma viatura se faz presente, com dois policiais de pé ao seu lado.

O asfalto está rachado de um lado ao outro da rua. Bruno tem a impressão de ver marcas de pegadas, mas pensa que deve ser sua mente lhe pregando uma peça. Aquelas marcas devem ter sido causadas pelo impacto da queda das árvores. Nenhuma criatura seria tão grande e pesada, não é?, ele pensa.

- O que aconteceu aqui, seu guarda? – pergunta Getúlio, ao finalmente conseguir dirigir para mais perto. O policial se aproxima do carro.

- Parece que algum animal descontrolado causou esse estrago. Ele veio de lá para cá, derrubando tudo. – ele faz um movimento em arco com o braço, apontando da esquerda para a direita na estrada. Não que fosse necessário, visto o lado no qual as árvores caíram e o buraco que o suposto animal criou ao adentrar na mata à direita – Ninguém se machucou.

- E que animal faz um estrago desses? – Getúlio finge curiosidade.

- Ah, eu sei lá. O controle de animais tá vindo aí, isso é problema deles.

- Eu vi, eu vi! – Uma voz aguda é ouvida por todos ali – É o mesmo monstro que apareceu na minha janela!

Uma criança vem correndo no lado esquerdo da rua, com uma mãe envergonhada a seguindo sem conseguir conter os seus anseios. Os dois policiais caminham em direção das recém chegadas.

- Era uma cabeça de pássaro desse tamanho! – diz a criança, abrindo os braços o máximo que consegue.

Bruno e Velho Getúlio se entreolham e silenciosamente fazem um aceno positivo um para o outro. Sem precisar de mais alguma confirmação, Getúlio acelera e entra no caminho da direita enquanto os policiais estão distraídos.

O que encontram em seguida é um caminho tortuoso, com crateras fundas tornando o terreno irregular e as árvores caídas os forçando a desviar constantemente da rota. Após algumas dezenas de metros, a dupla avista um carro preto, com um número de amassados nas laterais e na frente, parado perante à uma imensa árvore recém derrubada.


- Chegamos tarde. – diz Getúlio, parando o carro antes daquele outro – A Ordem já está aqui.


- Será que eles pegaram a Nuelo Mãe?


Velho Getúlio dá de ombros. Com o silêncio, a dupla escuta gritos, o impacto de algo pesado caindo no chão e sons de madeira se quebrando.


- Vamos ver o que está acontecendo! – diz Bruno, enquanto tira seu cinto de segurança e abre a porta do carro, saindo sem esperar qualquer resposta.

- Isso é peri- Droga, Bruno! Nunca ouviu falar que a curiosidade matou o gato?

Bruno corre contornando a árvore caída, tropeçando ao afastar os galhos e folhas do caminho e ganhando alguns arranhões por conta da sua pressa. Quando finalmente consegue cruzar a cortina de vegetação, o garoto não consegue deixar de abrir a boca e arregalar os olhos para o que está vendo.

Quando Bruno leu sobre o Nuelo no livro sobre mitos e lendas, as descrições sobre tamanho foram tão vagas que ele esperava que a criatura fosse no máximo do tamanho de uma pessoa adulta. Nada preparou Bruno para uma ave de 7 metros de altura, rechonchuda, sem penas, com enormes patas que podem muito bem terem causado as marcas no asfalto e as crateras na terra no caminho pelo qual eles vieram. A cabeça pequena para o corpo está retorcida em uma expressão de ódio, o bico aberto de uma forma não-natural disparando uma rajada de troncos, galhos e raízes em três pessoas familiares.

Os membros da Ordem do Escudo de Prata que Bruno conheceu mais cedo naquele dia se escondem atrás de árvores, protegidos da lufada vegetal que vem em sua direção. Após alguns segundos o disparo é interrompido e o Nuelo respira pesado, recuperando o fôlego. Sem notar a chegada de Bruno, o líder do trio sai de trás da árvore em que está se protegendo, já com espada e escudo nas mãos.

Joe Jameson avança de forma lenta e implacável para um oponente várias vezes maior do que ele. O Nuelo, tendo recuperado seu fôlego e renovando seu instinto assassino, abre seu bico e de dentro dele sai um som de sucção ensurdecedor, como se centenas de aspiradores de pó fossem acionados ao mesmo tempo. Um ciclone se forma em sua frente, tendo como base a boca da criatura e o topo se alongando até uma pereira próxima. A árvore é sugada com facilidade do chão, sendo aspirada e espremida para dentro da boca do Nuelo como se não fosse nada.

- Bem que o livro disse que ele pode mudar florestas de lugar. – diz Getúlio, em voz baixa, tendo se aproximado sem fazer barulho.

Aproveitando o breve momento, Jameson avança a passos largos, cobrindo a maior parte do caminho entre ele e o Nuelo. Tudo não dura mais do que alguns segundos, logo a gigantesca ave se vira para seu alvo e cospe - com a cadência de uma metralhadora - uma saraivada de peras.

O homem com jaqueta prateada nem sequer hesita, apenas firma as pernas no chão e estende o escudo em frente ao corpo. As peras atingem o centro do escudo, em sequência, empurrando Jameson para trás com cada impacto. Quando as frutas acabam, ele sacode o escudo e sorri confiante, como se dissesse “É só isso que você tem?”.

- Que... incrível! – diz Bruno, com os olhos brilhando.

O Nuelo se infla, ainda mais irritado, seus olhos parecendo arder em chamas. De uma única vez, ele cospe a pereira inteira, com galhos surpreendentemente mais afiados do que estavam antes. Bruno quer gritar, impedir que Joe Jameson seja perfurado por uma árvore frutífera, mas a mão de Getúlio pousa em seu ombro e impede o garoto de ser agir. Algo no olhar daquele senhor diz que eles precisam apenas observar a cena.

E a cena que se desenrola é realmente bem diferente do que o garoto poderia imaginar. Jameson dobra as pernas e, com toda a força proveniente de seus músculos, se impulsiona para cima. Após uma série de movimentos nos quais Bruno só consegue, no máximo, ver breves lampejos, o homem pousa vários metros à frente, intacto.

Dos seus lados esquerdo e direito, pedaços perfeitamente cortados de madeira caem agrupados em pilhas de mesmo tamanho.

- G-waahn… - Bruno tenta, mas não consegue elaborar uma frase. Na verdade, ele mal consegue fazer algo além de manter a boca aberta e olhar assustado para Jameson, o que é exatamente a mesma coisa que o Nuelo está fazendo.

A grande ave finalmente reage quando seu oponente começa a correr em sua direção, com espada e escudo refletindo a luz do Sol. O Nuelo se vira de costas e foge em disparada, derrubando árvores e fazendo o chão tremer a cada passada. Os membros restantes da Ordem do Escudo de Prata seguem seu líder, enquanto Bruno e Getúlio acompanham discretamente a vários metros atrás de todos.

O Nuelo para, derrapando, ao chegar em um precipício. Ele olha para trás, percebendo que 5 humanos estão em seu encalço, depois novamente para o abismo à sua frente, decidindo pela única escolha lógica:

Pular.

Batendo suas asas com obstinação, o pássaro gigante usa todas as suas forças para planar por dezenas de metros, até cair no bosque abaixo e desaparecer da vista das pessoas acima. Os três de jaqueta prateada se reencontram na beira do precipício, buscando a criatura com os olhos e debatendo se devem ou não descer escalando.

- Bruno, vamos. – diz Getúlio, em voz baixa, estando ele e seu jovem funcionário a uma distância segura da situação – Já vimos o que tínhamos pra ver. Não é seguro.

- S-sim. – responde Bruno, ainda absorvendo o que acaba de presenciar.

Refazendo o mesmo caminho com cuidado para não fazer barulho, a dupla consegue retornar para o carro sem chamar atenção.

- Para onde vamos agora, Seu Getúlio? – o garoto pergunta, abalado.

- Vamos atrás do Acerola. Ainda podemos salvar essa família de pássaros gigantes. – ele finalmente responde, determinado e sério, olhando Bruno nos olhos. O garoto assente com a cabeça, restaurando sua confiança.

Getúlio acelera e faz o caminho inverso em alta velocidade. Felizmente eles não encontram a polícia, apenas funcionários do controle de animais que cuidadosamente analisam as enormes pegadas no início da trilha. Eles não gostam nada do fato das pegadas estarem sendo estragadas por uma caminhonete e mostram isso por meio de gritos nada amistosos.

Após alguns minutos quebrando o limite de velocidade, a dupla chega no que parece ser o último estabelecimento da cidade, de tão longínquo que é. Nenhuma pessoa é vista andando na rua em que estão, sem falar que não tem nenhuma outra casa ou loja por perto, o que torna a área meio suspeita.

O lugar em si também não está nas melhores condições, com uma fachada tão malcuidada que parece ter sido abandonado há anos. Uma placa torta acima da entrada indica que o nome do bar é Sonhos Líquidos, ainda que a aparência externa remeta a, no máximo, um pesadelo. Ainda assim, a van hippie estacionada na frente indica que eles estão no lugar certo.

A parte interna do estabelecimento não é muito diferente da externa. O piso está rachado, a iluminação é precária e as paredes precisam de uma pintura – sem falar no cheiro de mofo. O local é espaçoso e contém várias mesas, mas o único cliente é um hippie debruçado no balcão, a cabeça indo para cima e para baixo enquanto fala com um homem calvo e desinteressado do outro lado.

- Eu tôôô falando, comprando esses dados da sorte você vai ganhar tantas apostas quanto aquele cara… como era mesmo? Ah, sabe o jogador de basquete que virou astronauta? É dele que eu tô falando! – diz José Acerola, com a voz arrastada e o rosto tão vermelho que está quase parecendo sua forma verdadeira como Frutífurus.

- Ah-hãn. – resmunga o dono do bar, antes de se virar para os recém chegados. Por trás dos óculos embaçados, ele estreita os olhos para tentar enxergar melhor. – Bem-vindos, senhores. O que vão querer?

Bruno prefere considerar que o homem não enxerga bem e não que ele acaba de oferecer bebida para um menor de idade.

- Um copo de leite. – diz Getúlio – E esse hippie encrenqueiro, pra viagem.

- Getúlio! *soluço* - José Acerola se levanta, tropeçando, e puxa o braço de Getúlio para que sente ao seu lado. O idoso resiste, com facilidade – Esse lugar não é demais? Só venho aqui com os meus chegados, o dono nem desconfia que sou feito de fruta!

O dono, em resposta, revira os olhos. Ele coloca um copo cheio de leite na bancada.

- Detesto bêbados e estou com pressa, então vou ser direto: a Ordem do Escudo de Prata está caçando o Nuelo, quando eles terminarem vão vir atrás de você. – Getúlio fala sem perder tempo e sem se preocupar com o barman escutando – E toma logo esse leite.

- Que história é eeessa? O que eu tenho a ver com issou?

- Bebe a droga desse leite, Acerola.

- Naum queeero!

- É uma questão de vida ou morte, cabeção. – o idoso fecha a mão e dá algumas batidinhas na cabeça do Frutífurus. Então, empurra o copo de leite nas mãos dele. – Beba o leite.

- Chaaato! Pelo menos o Brunildo tem que tomar minha bebida enquanto ainda tem gás. Desperdiçar é ruim!

- Ninguém se lembra que sou menor de idade, não?

- Só por isso não pode tomar refrigerante? Ser humano é chaaaato!

- Hun?

Aproximando o copo do rosto, Bruno cheira o líquido, olha as bolhas de gás com suspeita e dá um leve gole com desconfiança.

- Você fica bêbado com Meteoro-Cola?!

- Aah, delícia de leite quente. O que você falou antes, sobre a Ordem? – José Acerola diz, completamente sóbrio.

- Você fica sóbrio com leite quente?!

- Te explicamos lá fora. – Getúlio fala, entregando dinheiro para o dono do bar e já se virando para sair do Sonhos Líquidos - Bruno, vamos.

Conforme andam até a van colorida, José Acerola vai sendo atualizado das pesquisas que Bruno e Getúlio fizeram, bem como os últimos passos da Ordem do Escudo de Prata e como eles foram capazes de amedrontar uma criatura de proporções imensas.

- Mas como eu ia saber que ele é um filhote de Nuelo? Ele tem penas!

- Ele só perde as penas quando vai ficando adulto. -  explica Bruno.

- Você deveria ter desconfiado só por causa do tamanho dele. – Getúlio dá bronca.

- Sem falar que ele é tão pacífico! Eu tinha estacionado na floresta e estava tirando um cochilo, quando ele veio atrás de mim e ficou bicando meu cabelo. Achei que só queria ser meu amigo.

- Isso foi fofo. – comenta Bruno.

- Vamo lá, Passarinho Peladinho! – o Frutífurus chega na parte traseira da van e a abre de uma vez só – Vou te levar de volta para a mamãe!

Dentro da van estão apenas as quinquilharias de José Acerola por todos os lados.

- A-amiguinho? Cadê você?

- Parabéns, Acerola! Parabéns! – Getúlio grita com ele, sacudindo os braços para cima – Chegamos na parte em que eu te abandono pra que você se vire com a Ordem! Adeus! Boa sorte tentando vender suas coisas estando em pedaços!

- M-mas ele estava bem aqui! Eu vi antes de entrar no bar!

- Espera, acho que entendi. – Bruno fala baixo - Me empresta um pouco?

- Um pouco de quê? Aí!

Bruno puxa o cabelo de José Acerola e arranca um punhado. Ao saírem do corpo, eles se transformam no que são realmente: grossos cipós verdes e com um cheiro adocicado.

- Nada legal. – a criatura na forma de hippie reclama tristonho enquanto acaricia o cabelo comprido.

- O Nuelo pode ficar invisível para se esconder, ele deve ter se assustado com a gente. – explica Bruno - Você disse que ele gosta de bicar o seu cabelo, então…

Bruno se ajoelha e coloca os tufos de “cabelo” de José Acerola na entrada da van.

- Você não precisa se esconder da gente, nós somos amigos. Vamos te levar para sua mãe. – o garoto fala, com o tom de voz amigável.

Durante alguns instantes de silêncio, nada acontece. Quando o garoto já está quase se levantando, a criatura rechonchuda aparece do nada, sobressaltando Bruno, Getúlio e Acerola. O filhote desengonçado se aproxima de Bruno até quase tocar seu rosto e o olha nos olhos, com curiosidade.

- Piu?

- Oi?

E assim, o filhote do tamanho de um barril abaixa a cabeça e começa a bicar os pedaços de cabeço de José Acerola que ali foram deixados.

- Bom trabalho. – diz Getúlio, depois de um tempo, passando a mão na cabeça sem jeito tentando disfarçar seu orgulho. – Agora vamos, estamos sem tempo.

O trio entra na van, com José Acerola no volante, Getúlio ao seu lado contando sobre o último local onde a Nuelo Mãe foi avistada e Bruno atrás, com o Nuelinho. O grupo logo chega à conclusão de que o melhor é ir direto para o bosque e procurar a criatura, então na primeira oportunidade Acerola conduz a van para fora da estrada e segue em meio às árvores da região.

- Por sorte, eu conheço essa área como a palma da minha mão. – diz José Acerola, que, ao entrar na van, abandonou seu disfarce hippie e voltou para sua forma normal, vermelha e verde. – É só seguir em uma linha reta nessa direção que a gente chega lá.

- É o que eu espero. – responde Getúlio, com ceticismo.

Na parte de trás, Bruno tem dificuldade de se manter sentado no mesmo lugar com todas as sacudidas que o veículo dá devido ao terreno irregular, que empurra o garoto de um lado para o outro. Ele se choca com o filhote de Nuelo e se força a se segurar de qualquer jeito nas caixas que o cercam para tentar manter o equilíbrio, mas as derrubando no processo.

- Ei, cuidado com minhas coisas aí! – avisa José Acerola, brabo, se virando para olhar para trás.

- Desculpa, mas você tá indo muito rápido!

- Oh, eu achei que estivéssemos em uma situação crítica envolvendo maníacos de jaquetas prateadas!

- Estamos, mas ei, pelo menos olha pra frente!

- Por que? Acha que não dirijo bem? – Acerola pergunta ironicamente, ainda olhando para trás enquanto movimenta o volante para a esquerda e para a direita de maneiras imprevisíveis.

- Se continuar assim, vamos bater!

- Hãn? Não ouvi o que você disse.

- Uma árvore! – o garoto aponta.

- Fala mais alto, eu não te escuto aqui da frente!

- Acerola, para de implicar com o garoto! – Getúlio reclama, irritado.

- Vamos bater! – grita Bruno, com os olhos arregalados.

- O quê?! Mais alto!

- Eu mereço. – Getúlio suspira, cansado.

- Waaaah!!! – Bruno grita enquanto fecha os olhos com força e abraça a ave filhote. Ambos esperam o impacto fatal de bater em uma enorme árvore em alta velocidade…

… mas o impacto não vêm. Quando Bruno recupera a coragem para abrir os olhos, vê que todos estão intactos e a van continua seguindo em frente. Ele se lembra vagamente de que, enquanto esteva de olhos fechados, não sentiu o veículo fazer qualquer curva.

- Tyohoho!! Você deveria ter visto sua cara! – José Acerola gargalha e se sacode no mesmo lugar com vontade – “Waaaah!!!”! Impagável!

- Muito maduro, Acerola. Muito maduro. – diz Getúlio, esfregando o rosto com a mão direita.

- Ei, não me julgue. Pode ser minha última risada da vida.

- Tomara.

- M-mas… - Bruno ainda está assustado. – O que vocês fizeram?

- Meu carro tem intangibilidade vegetal, já ouviu falar?

- Hãn…

- Quer dizer que posso dirigir ele através de qualquer árvore sem as tocar. É prático e preserva a natureza ao mesmo tempo!

- Acerola, freia! – Getúlio fala sobressaltado, apertando o ombro de seu colega, que está mais preocupado em olhar para trás e implicar com um adolescente.

- Até você, Getúlio?

- Pelo menos olha para frente!

- Com esse carro eu posso dirigir de olhos fechados! Acabei de explicar a intangibilidade vegetal.

- Eu não tenho paciência pra isso. – diz Getúlio, respirando fundo e puxando o freio de mão sem aviso prévio.

Bruno, o filhote e todas as mercadorias de José Acerola são jogadas para frente, quicando nas paredes e no piso. As caixas se abrem e as mercadorias se espalham para todo lado, criando uma bagunça generalizada e cobrindo os passageiros de objetos aleatórios.

- Ugh… - o mais jovem do trio resmunga ao sair de baixo de uma pilha de máscaras de madeira. – Essa foi cruel, Seu Getúlio.

- Aí… eu não acabei de explicar a intangibilidade vegetal? – o Frutífurus reclama.

- Eu precisei parar por conta daquilo.

Mal conseguindo tempo de se recuperar do impacto, Bruno e Acerola são sobressaltados com tremores de terra e uma imensa sombra crescente que vai cobrindo toda a van em que eles se encontram.

A Nuelo Mãe se ergue colossal à frente deles. E não está nada satisfeita.

Recomendação do Capítulo:
Banda: The Stooges
Álbum: Raw Power (1973)
Música: Raw Power
Gênero: Garage Rock/Proto-Punk


- Waaaah!!! – grita Acerola, tão assustado quanto Bruno havia ficado alguns minutos atrás. A diferença é que, sentado no assento do motorista, ele pode virar o volante totalmente para a esquerda e pisar no acelerador com toda a força pertencente à sua perna direita.

Derrapando e arrancando pedaços de terra no processo, a van atravessa árvores de todos os tipos e tamanhos, tão rápido que o motorista perturbado mal consegue ver para onde está indo. As pisadas do Nuelo em seu encalço fazem o veículo saltar e deslizar no lugar, o que aumenta ainda mais a tensão dentro do automóvel.

- Acerola, dá pra frear essa porcaria?! – Getúlio grita, com a mão direita segurando a alça de teto e a mão esquerda apertando o cinto de segurança. Ele pensa seriamente em puxar o freio de mão novamente quando voltarem a seguir em linha reta. – Temos que entregar o filhote!

- Se a gente parar, vai ser engolido! – José Acerola grita de volta, suando uma quantidade alarmante de suco de acerola.

- Ele tá chegando mais perto! – avisa Bruno, pendurado na janela traseira, observando com temor a aproximação da criatura gigantesca, muito mais veloz do que o automóvel com décadas de uso.

Poucos instantes após o alerta, o rosto do garoto é empurrado de encontro ao vidro, com a van iniciando uma descida vertiginosa sem aviso prévio por parte do motorista.

- Uff!! – grunhe o garoto, com o impacto. Ele ainda está abraçando o filhote desde o susto de alguns minutos atrás, o que pelo menos torna a colisão mais macia.

- Vou frear esse treco! – ameaça Velho Getúlio.

- Eu consigo sentir a velocidade! – Acerola ri triunfante e loucamente - Tyohoho!! Estamos quase esca-

O Frutífurus nunca terminou sua fala. As rodas dianteiras foram de encontro à uma saliência na terra, o impacto resultante sendo tão intenso que a van se solta do chão por completo.

Após vários e assustadores segundos em pleno ar, o veículo finalmente pousa metros abaixo, caindo no meio de um córrego (alguns peixes até mesmo colidem com a lateral do automóvel, confusos). Após percorrer mais alguns metros com a velocidade acumulada, a van sai de dentro do córrego e finalmente para ao bater de frente com uma rocha.

----------------------------------------

O silêncio reina por uma quantidade incalculável de tempo. Reclamando que não quer acordar, Bruno preguiçosamente abre seus olhos e tenta se levantar. Sua cabeça está zonza e dolorida, ele sente dificuldade para se erguer e firmar seus pés. Não entende onde está. Vagamente percebe que o que o acordou foi o chão tremendo em intervalos regulares.

É impressão dele, ou os tremores estão ficando mais fortes? Difícil dizer. Por que está na parte de trás de uma van, cheia de quinquilharias quebradas? Impossível de se lembrar. E desde quando ele dorme abraçado com um travesseiro?

Quando Bruno percebe que o que está em seus braços não é um travesseiro, ele finalmente se lembra de tudo.

Saindo pela parte de trás, o garoto dá de cara com uma ave gigantesca. Seu bico está aberto e, de dentro dele, sai um redemoinho que vaga sorrateiramente em direção à van, prestes a engoli-la por inteiro. Somente quando já está prestes a finalizar sua sucção, é que ela percebe seu filhote de ponta cabeça nas mãos de um humano.

O redemoinho regride para dentro da boca da criatura, que olha para a situação com clara dúvida no olhar.

- Toma.  – o garoto diz, simplesmente, antes de colocar o Nuelinho no chão sem perceber que ele está de cabeça para baixo - É ele que você quer, não é?

O pássaro menor gira no chão e se levanta com um salto, indo feliz até sua mãe e abraçando carinhosamente sua pata esquerda. A colossal criatura sem penas olha para Bruno com dúvida se deve ou não agir com agressividade.

Após alternar o olhar entre Bruno e o filhote diversas vezes, o Nuelo solta um grunhido de agradecimento, se vira de costas e simplesmente vai embora. O filhote corre para acompanhar as largas passadas de sua mãe, mas no meio do caminho se volta, pula e acena seus pequenos braços para Bruno em um claro gesto de despedida.

E assim, ambos os Nuelos se tornam invisíveis e desaparecem por completo. Os tremores provocados pelo peso das passadas da Nuelo mãe gradativamente diminuem, até se tornarem distantes demais para serem sentidos.

- Bom trabalho, Bruno. – diz Getúlio, passando a mão a cabeça, pela segunda vez naquele dia envergonhado por estar parabenizando o rapaz. O idoso estava, até aquele momento, com a mão dentro de sua bolsa de couro, se sentindo aliviado por não precisar usar o que se encontra lá dentro.

Bruno não havia percebido, mas Velho Getúlio e José Acerola em algum momento saíram de seus assentos e vieram ver o que estava acontecendo, preferindo permitir que o adolescente terminasse sua negociação com a criatura perigosa que poderia acabar com a vida deles se assim desejasse.

- Você tá com um galo enorme na testa. – José Acerola fala, tendo ele próprio um galo enorme na testa – Mas mandou bem, Brunildo! Te devo essa.

- Sério? O-obrigado, vocês dois. – o garoto responde, corando.

- Agora, vamos. – diz Getúlio, novamente com o seu jeito rabugento de ser. – Já tive emoções demais por hoje.

- Nem me fala... – Acerola limpa o suor do rosto antes de entrar na sua van, que agora está com a frente consideravelmente amassada. – Nunca mais quero ver pintos na vida...

Ainda um pouco atordoado com a situação, Bruno entra na parte traseira da van sem sequer conseguir rir da última frase dita por José Acerola. Ele passa alguns segundos olhando para todos os lados à procura das duas criaturas depenadas, mas não tem sucesso em encontrá-las. Ele sorri antes de fechar a porta, satisfeito com o pensamento de que os Nuelos agora estão à salvo.

----------------------------------------

Centenas de metros córrego acima, um trio de pessoas com escudos de prata nas costas observam a van ir embora em direção da cidade. O líder do grupo faz uma careta, não estando nem um pouco satisfeito com aquela resolução.


Última edição por Eusine48 em Ter 26 Set 2023 - 22:02, editado 4 vez(es)
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MensagemAssunto: Finalmente, um tempinho livre para comentar, ufa!   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySáb 2 Set 2023 - 22:03

"Pinto Pelado"... @.@ Urrrgh...!

As trapalhadas dos Bruno e seus amigos foram até engraçadas, Uma corrida para pegar os pássaros grandes, O Cabelo do José Acerola é feito de Grama mágica, aparentemente e Getúlio se meteu em uma encrenca, parece tudo isso engraçado, sim.

Esses Cavaleiros de Prata na cola do grupo do Bruno parecem quem vão serem uma ameaça bem irritante de lidarem depois... Vamos torcer que Bruno arrume alguma coisa para deter eles se não livrar deles de uma vez por todas.

... Eu só gostaria de um nome melhor dos pássaros sem pensar em coisa sexual, sem querer, ai ai...! @.@
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MensagemAssunto: Limpeza de Pintos   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySeg 4 Set 2023 - 22:55

Okay, eu precisei fazer uma intervenção por aqui. Como o nome “Pinto Pelado” não foi bem aceito (Mr. Galleom até disse que isso impede ele de ler direito, mas deve ser um trauma pessoal com pintos) eu fiz uma drástica mudança no Cap 04, cortando praticamente todo o uso da palavra “pinto” no texto, assim como no Cap 03.

O nome da criatura vai ser oficialmente Nuelo nesse mundo, ainda que “Pinto Pelado” seja o nome mais comum dentro do folclore brasileiro.

Agora toda a vez que a palavra “pinto” aparece, é de uma forma propositalmente tosca, seguida por risadas ou algum comentário. Melhor rir do que pensar em obscenidades, não é mesmo? Até aceito mais sugestões de piadinhas, se tiverem.

Acho que agora o capítulo está melhor, de maneira geral. Agradeço pelo feedback, como sempre. O próximo capítulo está quase pronto, estou ansioso para postar ele aqui!

Antes que vocês perguntem, não, não tem “pintos” no capítulo seguinte.
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptySex 22 Set 2023 - 15:35

Certo, com a mudança do texto ficou bem melhor!

Utilizar "pinto" fez com que levar sua história a sério fosse bem difícil. Sua revisão deixou as coisas bem mais legíveis (sem contar mais verossímil, considerando como ninguém parecia reagir ao uso da palavra.

Enfim, sobre o capítulo em si.

Gostei do comentário do narrador falando que o bar mais parecia "um pesadelo". É divertido quando o narrador é sarcástico dessa forma.

As batalhas foram mais divertidas do que eu esperava. Considerando o cenário, esperava uma história sem tantas lutas intensas, mas o negócio todo com o coiso de prata contra o pássaro gigante teve proporções maiores do que esperava. Também é um bom setup pra coisas ainda masi futuras.

Outra coisa que gostei foi como Bruno resolveu as coisas, gosto dessas resoluções pacíficas.

... Mas por algum motivo, o Bruno falando "Legaaal" não me parece bom, não tenho certeza do por que. Da mensagem da reação até que gostei, mas acho que poderia haver... mais... emoção?


O seu acerola foi um personagem divertido, o "Tá" no final fez eu ter impressão de que ele tinha sotaque caipira

Mas enfim o capítulo foi divertido. Com certeza muito melhor depois da revisão.
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MensagemAssunto: Capítulo 06 – Balançando a Cabeça com Javalis e Goblins   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyQua 4 Out 2023 - 17:38

E lá vamos nós para o Capítulo 6! Esse é um capítulo inteiramente novo, mas aqui aproveito para reintroduzir o personagem Nork, o goblin. Como não gostei totalmente do antigo capítulo “Magia, Paixão e Goblin”, preferi fazer um novo começo para Nork. Não apenas isso, agora ele está mais caracterizado, com maneirismos únicos de fala e mais personalidade. Estou bem mais satisfeito com o personagem agora.

Também aproveito para dar um amigo para Bruno. O coitado praticamente se vira sozinho a maior parte do tempo, então o Nelson, que no planejamento apareceria depois, faz sua primeira aparição aqui. Se for para comparar com um dos nossos personagens clássicos, Nelson se assemelha mais ao Eddy.

Ah sim, não posso me esquecer de responder os comentários! Evitando falar de pinto, já que meu último post foi sobre isso e ninguém mais aguenta falar do assunto.

Mr.Galleom escreveu:
Gostei do comentário do narrador falando que o bar mais parecia "um pesadelo". É divertido quando o narrador é sarcástico dessa forma.

Eu gosto desse tipo de comentários quando estou lendo algo, mas quando estou escrevendo acho difícil de encontrar essas brechas. Vou tentar quando fizer a revisão de tudo de novo. (Já tô vendo que vai dar um trabalhão, ai ai) Waa?

Mr.Galleom escreveu:
... Mas por algum motivo, o Bruno falando "Legaaal" não me parece bom, não tenho certeza do por que. Da mensagem da reação até que gostei, mas acho que poderia haver... mais... emoção?

Não entendi muito bem, mas mudei o “Legaaal” pra “Que... maneiro!”

Mr.Galleom escreveu:
O seu acerola foi um personagem divertido, o "Tá" no final fez eu ter impressão de que ele tinha sotaque caipira

Sinal de que eu preciso revisar tudo pra ver a consistência do está/tá por personagem. Ugh, mais trabalho Waa?  Waa?

Firealex escreveu:
Esses Cavaleiros de Prata na cola do grupo do Bruno parecem quem vão serem uma ameaça bem irritante de lidarem depois... Vamos torcer que Bruno arrume alguma coisa para deter eles se não livrar deles de uma vez por todas.

Citação :
As batalhas foram mais divertidas do que eu esperava. Considerando o cenário, esperava uma história sem tantas lutas intensas, mas o negócio todo com o coiso de prata contra o pássaro gigante teve proporções maiores do que esperava. Também é um bom setup pra coisas ainda masi futuras.

Que bom que gostaram da luta e da Ordem do Escudo de Prata. Definitivamente as lutas não vão ser tão exageradas como no Crossover com os personagens derrotando os generais e Matéria Negra, mas pretendo manter as coisas interessantes em questão dos perigos a serem enfrentados.

Agora, vamos enfim ao capítulo novo!

----------------------------------------

Um ser esguio vaga pela cidade, aproveitando a escuridão e os sons de tempestade para esconder seu rastro. Encurralado após adentrar em um beco estreito e dar de cara com uma parede, ele sabe que logo seus perseguidores irão encontrá-lo se permanecer ali. Ouvindo passos à distância, ele escala o muro molhado o mais rápido que consegue.

Pouco antes de alcançar o topo, as luzes de lanternas cobrem seu corpo. Os seus perseguidores não dizem nada – afinal eles não precisam. Em desespero, ele salta para o telhado baixo de uma casa próxima, desviando por pouco de um projétil que passa ao lado de sua cabeça.

A chuva que escorre pelo telhado torna a aterrissagem difícil, seus pés descalços escorregam e ele cai de bruços nas telhas de cerâmica. O barulho da queda alerta dois cachorros, que começam a latir para a figura ali pendurada com as pernas chutando o ar freneticamente. Após alguns segundos lutando para não despencar, ele finalmente consegue se erguer no telhado.

Sem perder tempo e sem sequer ousar olhar para trás, ele continua a correr, se afastando o máximo que pode de seus perseguidores. Saltando de telhado em telhado, passando sorrateiro por cima de muros e evitando ser visto a qualquer custo, ele finalmente para, encostado em uma chaminé, mais de uma hora depois, completamente ofegante.

O descanso, porém, não dura muito. Um carro passa na rua, a iluminando com seus faróis. O ser se move de imediato, saltando em uma árvore próxima e subindo pelos seus galhos. Ele se esconde atrás do tronco, observando o carro passar. Mesmo sem ter certeza se o veículo pertence aos seus perseguidores ou não, ele só arrisca voltar a se mexer quando o automóvel desaparece à distância.

Soltando o ar de seus pulmões, ele reflete no que deve fazer. No meio tempo em que esteve fugindo, a chuva gradativamente diminuiu, o que vai prejudicar sua vantagem na perseguição. Ele sabe que, acima de tudo, o que precisa agora é de um lugar seguro no qual se esconder.

À distância, ele enxerga um estabelecimento com as luzes ligadas.

Capítulo 06 – Balançando a Cabeça com Javalis e Goblins

Uma tarde chuvosa de segunda-feira, nenhum cliente para atender e a barriga cheia de feijão: os ingredientes perfeitos para que Velho Getúlio tire um cochilo que dure até a hora do jantar. Em outras palavras, a situação perfeita para Bruno.

Na última sexta-feira, o garoto encontrou um livro que fala sobre como realizar magias de uma forma que parece surpreendentemente legítima. Getúlio não costuma se importar que ele pegue algo para ler (desde que devolva no final do dia), mas a forma como o livro apareceu na estante, do nada, faz Bruno pensar que seja melhor manter segredo sobre ele. Pelo menos por enquanto.

Aproveitando o cochilo de seu chefe, Bruno folheia como um lunático aquele livro velho e gasto. Está escrito em um idioma que o garoto não reconhece, as palavras por vezes possuindo símbolos que mais se assemelham a formas aleatórias do que letras. Na sexta-feira, ele anotou algumas frases e pesquisou na internet quando chegou em casa, usando o velho computador de seu pai, mas sem encontrar nenhum resultado. A sorte é que o livro é recheado de anotações feitas em caneta azul que ajudam o garoto a, pelo menos, entender algumas informações específicas.

As primeiras páginas parecem dar uma introdução sobre o uso da magia em si, com a repetição das palavras “magia” e “mago” rabiscadas diversas vezes. Muitas frases estão sublinhadas à caneta, o que não diz muito, com anotações mais concretas apenas surgindo no final da sessão:

A magia é a energia primordial presente em toda a existência. É a energia que cerca a matéria, está presente nas forças da natureza, nas leis da física, na manutenção da vida. Um usuário de magia molda a realidade ao seu redor, a adequando às suas necessidades e desejos por meio de sua própria força de vontade.

O garoto olha ao seu redor, para os objetos antigos organizados em mesas, estantes e caixas do Antiquário. O livro pode dizer que a magia está em tudo, mas nada ali parece especialmente mágico, principalmente o idoso roncando alto ao lado de Bruno. Ainda assim, ele se lembra como Velho Getúlio disse com melancolia, a duas semanas atrás, que já conheceu um mago.

Se este livro é mesmo confiável, Bruno pensa, esse tal mago deve ter sido alguém incrível. Como pode alguém conseguir moldar a realidade?

Após a introdução que o enche de dúvidas, Bruno avança até a descrição da primeira magia: a chamada Corda Espectral que, de acordo com as anotações em caneta, cria uma corda feita de energia. A falta de detalhes é tão grande que deixa Bruno apreensivo, o fazendo ler com ainda mais intensidade, como se de repente fosse aprender aquele idioma estranho só por conta do esforço mental. As duas páginas sobre a magia devem dar mais detalhes, mas as únicas anotações rabiscadas em português se resumem a um único parágrafo:

Esticar a mão aberta para o alvo, fazer dois círculos no ar em sentido horário, fechar o punho e trazê-lo em direção ao rosto, com o cotovelo fazendo um ângulo de 90° perfeito para cima. Se concentrar. Acreditar.

Abaixo deste texto há o desenho malfeito de uma mão e dois círculos, com setas rodopiando em sentido horário. Além disso, no rodapé da segunda página:

Falar o nome da magia em voz alta ajuda.

De todas as palavras escritas, a que mais chama a atenção do garoto é a palavra “Acreditar” solta. Acreditar em quê? Ou em quem? Na pessoa que fez os rabiscos?

Pensando no que acaba de ler, Bruno abaixa o livro e o fecha. Olhando fixamente para um aeromodelo de helicóptero pendurado no teto, ele estende a mão direita aberta e a gira duas vezes em sentido horário...

- O que está fazendo-goru?

- Waaaah!!!

Com um susto que o joga para trás e quase o derruba da cadeira, Bruno percebe uma criatura sentada na bancada à sua frente. Olhando para o lado para se certificar que Velho Getúlio ainda está cochilando, o garoto se aproxima da criatura, com uma mão tampando a boca e a outra segurando o coração acelerado.

- O que é você? E de onde veio? – Bruno pergunta, sussurrando.

- O quê, nunca viu um goblin na vida-goru? – pergunta o suposto goblin, sem se importar com o volume de sua voz. Sua pele é verde, oleosa e aparentemente escamosa, tem o tamanho aproximado de uma criança de 5 anos e veste apenas uma bermuda azul rasgada. A voz soa estranha, enrolada, como quem fala com algo preso na garganta. – Nork veio pela janela e se enxugou na cortina-goru.

- Sssh!! Dá pra falar mais baixo? – o garoto arregala os olhos, olhando rapidamente para Getúlio e para Nork de forma alternada. – Não quero que acorde meu chefe.

- Tá preocupado que ele durma bem-goru? – o goblin fica de pé na bancada, de braços cruzados e a cabeça torta para um lado enquanto olha para Getúlio. Além da pele esverdeada, a cabeça grande, nariz e orelhas pontudas, olhos pequenos e estreitos, completamente negros, com sobrancelhas finas e quase inexistentes são todas diferenças bem claras entre ele e um ser humano.

- Não, eu... ¬– Bruno estende a mão para pegar seu livro na bancada – ... só quero que ele durma mais um pouco.

Mais rápido do que o garoto consegue reagir, as mãos magrelas de Nork pegam o livro começam a folheá-lo.

- Um goblivro de magia-goru! Qual seu nome-goru?

- Eu sou Bruno e preciso que você – antes mesmo de terminar de falar, Bruno se levanta e tenta tirar o livro das mãos do goblin, mas a criatura verde se vira de costas no momento exato para desviar – me devolva o livro!

- Aaaah Nork já devolve, Bru-goru. – diz o goblin, passando a andar de um lado para o outro na bancada, dando pequenos pulinhos e evitando o jovem humano que começa a ficar irritado.
- Urgh! Olha, seu nome é Nork, não é? – se esforçando ao máximo para manter a calma e continuar sussurrando – Você veio para comprar alguma coisa? Podemos falar sobre isso?

- Nork só veio conhecer as gobcoisas legais do humanos-goru. O que isso faz-goru?

Saltitando, Nork rapidamente chega ao toca discos do antiquário e encaixa a agulha no disco de vinil que ali está posicionado. Quando as primeiras notas musicais começam a soar, Bruno se vira para Velho Getúlio, que por sua vez resmunga em sua cadeira reclinável e começa a se mexer de um lado para o outro. Com a certeza que seu chefe vai acordar, Bruno se joga por cima da bancada e em direção de Nork.

Recomendação do Capítulo:
Banda: Budgie
Álbum: Never Turn Your Back on a Friend (1973)
Música: Breadfan
Gênero: Hard Rock/Proto-Heavy Metal


- Vem cá! – o garoto grita, sem mais conseguir controlar a voz.

- Gyahaha, gyahehe!!

Saltando e gargalhando, Nork facilmente desvia da investida de Bruno. Ainda com o livro em mãos, o goblin salta com leveza para uma estante próxima, por pouco não chutando os pratos de porcelana, depois para o meio dos caixotes de madeira com discos no centro do antiquário. Com pulos atléticos, ele rapidamente se aproxima da saída da loja.

- Ah, você não vai fugir não!

Antecipando o movimento da criatura verde, Bruno acelera o passo e para derrapando entre os caixotes de vinil e a porta de madeira. Com os braços abertos, ele se prepara para agarrar o goblin.

- Cês humanos sabem ser divertidos-goru!

- Chega de brincadeira, Nork!

- Mas Nork acabou de chegar-goru!

Bruno esperava que Nork freasse ao alcançar no final da fileira de caixotes, não que tomasse impulso e se jogasse em sua direção. Fechando os braços em desespero, o garoto agarra o ar de maneira frustrada enquanto o goblin passa por cima de suas mãos.

Em um único e calculado movimento, o goblin encosta os pés na testa de Bruno e se impulsiona para cima. Ele pousa em um dos aeromodelos e, com uma mão segurando a corda que prende o aeromodelo ao teto e a outra segurando o livro, se impulsiona para frente e para trás como se estivesse em um balanço.

Após algumas balançadas, Nork decide aproveitar o impulso que criou e salta uma última vez, usando toda a velocidade acumulada para cruzar o antiquário em pleno ar, com os braços e as pernas abertas, e pousar certeiramente na barriga de Velho Getúlio...

... e o pouso em Getúlio teria acontecido, caso Bruno não tivesse novamente antecipado os movimentos do goblin. Ele agarra Nork em pleno ar e o puxa para baixo, fazendo com que ambos caiam deitados no chão, e não em cima de um idoso.

- Peguei! – comemora o adolescente por cima do goblin.

- Gyahaha, gyahehe!! Vamos brincar de novo-goru!

A porta da frente se abre, mas a música alta e a os resmungos de Nork impedem que Bruno escute o soar dos sinos e os passos no piso de madeira vindo em sua direção.

- Brincar nada, você vai me devolver o livro e ir para-

- Ei, algum problema aí? – uma voz masculina soa acima de Bruno.

- E-er... oi?

Bruno fica de joelhos e se vira lentamente, com medo de quem possa ser. Olhando de baixo para cima, ele vê os tênis surrados de cor marrom, as calças jeans cinzas, a camisa e a jaqueta jeans pretas. Por fim, vê o rosto de um adolescente com longos cabelos castanhos e a sobrancelha direita erguida em uma expressão clara de dúvida e estranhamento.

Com os olhos arregalados, Bruno se dá conta que o adolescente deve ter visto Nork. Agora ele precisa, urgentemente, inventar uma desculpa ou distração.

- Hãn... hãn... eu... o quê?

O garoto falha miseravelmente.

- Perguntei se você está com algum problema. – repete o cabeludo, franzindo o cenho na certeza de que está falando com alguém excêntrico.

-N-não, é que eu... – Bruno vira seu rosto e percebe, com espanto, que Nork não está mais entre ele e o chão. Em seu lugar, apenas o livro de Magias Básicas. - ... estava juntando esse livro que caiu.

- Sei.

Sem jeito, Bruno se levanta com o livro em mãos, tendo tido o cuidado de virar a capa para seu corpo de forma a tampar o título. Ansioso para voltar à sua leitura solitária e se livrar daquela pessoa antes que veja o goblin verde perambulando por aí, ele logo começa a falar como o funcionário que é.

- Em que posso-

- Pera, – o adolescente cabeludo interrompe, ponderando algo enquanto coça a cabeça em reflexão - acho que já nos conhecemos.

- Pensando bem, - Bruno finalmente olha com calma para o rosto daquele rapaz - acho que sei quem você é... da escola?

- Heh, é claro que conhece. – o garoto vira o rosto, pisca o olho esquerdo e coloca a mão direita no queixo, tentando uma pose de galã – Minha popularidade no meio estudantil é simplesmente lendária!

- Hum... Ah, eu já sei! Você não é o Nelson, que senta no fundo da sala e tira as piores notas?

A pose de galã é destruída imediatamente. Nelson se vira para Bruno com um sentimento de maldade no olhar, sorriso sádico e as mãos abertas como se quisesse agarrar algo. O cabelo comprido parece se arrepiar sozinho, misteriosamente.

- E você não é o Bruno, que anda faltando aula?

Antes de responder, o garoto olha de soslaio para Velho Getúlio, apenas para conferir que ele continua dormindo.

- Er, é que eu adiantei minhas férias desde que comecei a trabalhar aqui. – Bruno responde, envergonhado.

- Que inveja! – Nelson desfaz sua pose estranha e responde, dessa vez com um riso sincero - Nas últimas semanas não tem nada de importante mesmo. Pena que meu pai não me deixa fazer isso. E acredite, eu tentei.

- Ah sim, sim, os pais precisam estar de acordo com algo do tipo. – Bruno aperta o livro em seus braços, subitamente desconfortável. – E o que você-

- Ei, essa música! – Nelson novamente o interrompe, dessa vez com entusiasmo - Eu conheço ela!

- Conhece? – Bruno indaga, mais interessado no rumo dessa conversa.

Nelson caminha até a bancada, pega a capa do vinil ao lado do toca discos e a gira em suas mãos.

- É! A minha banda favorita fez um cover dessa música velha.

Bruno não sabe se fica feliz ou ofendido com o comentário.

- Eu nunca tinha visto um disco de vinil antes. – o garoto cabeludo continua a falar, dessa vez aproximando o rosto do toca discos até quase tocá-lo com o nariz – Você disse que trabalha aqui, né?

O som de buzinas de carro vindas do lado de fora interrompe a resposta de Bruno. Ele olha na direção da porta da frente, que ficou aberta, e vê um jovem de camisa preta dentro de um velho carro popular acenando e chamando Nelson.

- E aí, Nelson? Descobriu ou não? – ele grita, de longe.

- Ah! – Nelson se afasta do toca discos, lembrando de algo importante – É mesmo, eu vim perguntar se você sabe onde fica essa casa de show aqui. Meu irmão descobriu uma banda nova de Heavy Metal chamada Javali Khaos na internet e a gente tá doido pra ver eles ao vivo.

O cabeludo retira um celular do bolso, onde mostra a foto de um poster de propaganda do show. O nome JAVALI KHAOS está escrito de forma quase ilegível no topo, acima dos dizeres “Primeiro show da banda! Entrada gratuita!”. No meio, um desenho feito à lápis de 4 homens usando máscara de javali e fazendo pose de malvados, erguendo espadas e machados como se estivessem prontos para uma guerra animalesca. Por fim, a parte de baixo do poster indica o endereço, com uma foto do estabelecimento colada de qualquer jeito.

- Eles se vestem de javalis, cara! É muito metal! – diz ele, novamente com os olhos arregalados, o sorriso de quem se satisfaz com algo mórbido e as mãos em garra.

- É... claro. – Bruno responde, sem saber ao certo o que falar.

- Enfim, o nosso GPS não tá funcionando bem. - o rapaz completa, retornando à sua expressão normal.

- Ah, acho que sei sim onde fica.

Bruno acompanha seu colega de classe até a saída, onde então aponta para a direita com o braço esticado. A chuva já parou quase que por completo, restando apenas um chuvisco fino e persistente.

- Vocês têm que seguir nessa direção, dobrar a direita depois de... hum... três cruzamentos se não me falha a memória, depois seguir até o final da rua e então virar à esquerda. É isso.

- Parece perto! Valeu, Bruno!

- Por nada.

Nelson se afasta em direção ao carro. A visita foi inesperada e um pouco estressante devido às condições, mas por fim Bruno pensa que poderia ter sido legal conversar com ele por mais algum tempo.

- Ei. – o garoto se vira no meio do caminho, como se Bruno tivesse expresso seus pensamentos em voz alta – Cê não quer vir com a gente?

- Eu? Ir pro show com vocês?

- Claro, vai ser maneiro.

Olhando nos olhos de Nelson, Bruno enxerga sinceridade no convite. Ele pondera por alguns instantes, até que seu pensamento é interrompido pelas buzinas do carro.

- Vamo logo! – o irmão de Nelson grita.

- Não vai dar, meu expediente ainda não acabou. – Bruno responde, lembrando que está trabalhando.

- Tranquilo. A gente se vê.

E assim teria sido a despedida, caso Bruno não avistasse uma cabeça grande com orelhas pontudas embaixo do carro. Nork acena para ele e, assim que Nelson entra pela porta traseira do veículo, Nork se arrasta pra dentro e se esconde abaixo do estofado do banco velho, com um sorriso de orelha a orelha.

- Espera! – Bruno grita – E-eu vou!

- Cê vem? – Nelson indaga.

- Vou! Er, deixa só eu guardar esse livro!

No desespero de saber que Nork acaba de se enfiar no meio de pessoas que desconhecem a existência de criaturas como ele, Bruno corre até o armazém na parte de trás do antiquário, esconde o livro de magias, pega sua mochila e corre novamente para a saída da loja, onde fecha a porta e vai direto para o carro.

- C-com licença. – diz Bruno, ao entrar na parte traseira do carro.

- Quem é esse? – pergunta o motorista.

- Esse é o Bruno, ele estuda comigo. – explica Nelson – E esse ai na frente é meu irmão.

O jovem adulto se apresenta, mas o garoto mal presta atenção, estando focado em tatear o assento em busca de Nork.

- Que som você gosta, Bruno? – pergunta o irmão de Nelson.

- Hum? Ah. – ele é pego de surpresa – Eu gosto da música dos anos 60 e 70.

- Ele tava escutando um disco de vinil quando entrei no antiquário. – expõe Nelson.

- Gostei. Bem old school. – o irmão de Nelson sorri e balança a cabeça para cima e para baixo. Nelson silenciosamente faz o mesmo, em concordância.

Instantes após Bruno partir, um outro carro, grande e preto, para na frente do Canto do Mundo. De dentro dele, três pessoas saem e se dirigem a passos largos para a entrada. O primeiro do grupo abre a porta sem cerimônias e marcha para dentro enquanto busca algo dentro de sua jaqueta.

De imediato, Getúlio acorda ao sentir a aproximação de presenças ameaçadoras. Ele se levanta, vai até o toca discos e o desliga.

- Em que posso ajudar? – ele diz solenemente, olhando o líder do trio nos olhos. Ou melhor, diretamente para os seus óculos escuros. O homem não parece se importar com o fato de já estar relativamente escuro do lado de fora.

- Você ver essa criatura? – pergunta Joe Jameson, estendendo um cartaz em sua frente. Getúlio ajeita seus óculos de grau para enxergar melhor. Claramente o que está sendo colocado na frente de seu rosto é um cartaz de procurado.

Como na última vez que Getúlio e Jameson se encontraram cara a cara, dois jovens adultos seguem o homem de jaqueta prateada como fies escudeiros. O homem baixo e de olhar zombeteiro olha para os lados com desdém, balançando um aparelho que se assemelha a um walkie-talkie, parecendo achar tudo aquilo um desperdício de espaço. Enquanto isso, a mulher alta observa cada item nas estantes com interesse e um olhar cirúrgico. Ela até mesmo passa um tempo anormal encarando uma das cortinas nas janelas.

- Huuum... – Getúlio coça o queixo, pensativo – Não vi. Faz tempo que não vejo um desses por aí.

- Espião perigoso. – Jameson declara, deixando o cartaz na bancada. Se ficou decepcionado com a resposta do idoso, não demonstrou de forma alguma – Cuidado. Se ver, avisa.

- Sim, é claro.

Encerrando o assunto, o líder da Ordem do Escudo de Prata se retira, assim como seu seguidor loiro de baixa estatura. Getúlio franze o cenho, percebendo que a mulher de jaqueta prateada agora olha para os lados à procura de algo. Essa ação dura apenas alguns instantes, pois logo ela se vira de costas e segue seus colegas. Para os olhos do lojista experiente, no entanto, algo o preocupa. Mesmo que não tenha trocado qualquer palavra com ela, seus instintos dizem que ela esteve procurando pelo seu funcionário adolescente e curioso.

Getúlio apenas descansa após os três membros da Ordem do Escudo de Preta terem entrado no carro e sumirem à distância. Ele suspira, aliviado, e chama:

- Bruno? Bruno, cadê você?

É claro, Bruno está longe demais para poder responder.

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- Esse lugar é demais! – diz Nelson, comemorando.

- É... claro que é. – Bruno comenta, não sabendo com o que devia se impressionar.

A casa de show é bem menor do que o rapaz tinha imaginado, ele calcula que deve caber no máximo vinte pessoas na área em frente ao palco. Não que superlotação seja um problema, pois até o momento a banda conseguiu atrair menos de dez pessoas para sua apresentação de estreia.

De todos ali presentes, Bruno é o menos interessado na banda que irá tocar. Assim que chegou no local, o garoto ficou para trás tentando tirar Nork de baixo do assento do carro. Pelo menos até ele notar que o pequeno goblin já havia saído a tempos e estava subindo pela parede dianteira da casa de show, se esgueirando como uma lagartixa verde e sorrateira.

Por conta disso, enquanto Nelson fita a cortina cinzenta que cobre o palco com os olhos brilhando de expectativa, Bruno vasculha a área, buscando locais onde uma pequena criatura goblinoide possa estar se escondendo.

O garoto vê o irmão de Nelson indo para a direita com alguns conhecidos, onde há um pequeno espaço para compra de bebidas, com uma bancada que separa a cozinha da área em que estão. Lá, Bruno finalmente encontra o que está procurando, pois o pedaço de uma cabeça verde se sobressai por cima de uma máquina de refrigerante, daquelas em que é necessário puxar alavancas para que a bebida saia por meio de torneiras de metal.

Da forma mais discreta que consegue, Bruno lentamente se aproxima da máquina de refrigerante, escorado na parede e olhando constantemente para os lados se certificando que não estão olhando na sua direção.

- O que está fazendo, Bru-goru?

- Ssshh!! – Bruno se vira sobressaltado ao ouvir a voz do goblin. O rosto de Nork aparece, sorridente, no espaço entre a máquina de refrigerante e a parede. – Nork, você tem alguma noção de que alguém pode te ver aí?

- Nork toma cuidado-goru. Nork tem habilidades ninjas-goru! – ele afirma, fazendo uma série de sinais estranhos e sem significado com as mãos.

- Francamente, Nork... – o garoto humano abaixa a cabeça e a balança de um lado para o outro, em negação – Você podia pelo menos tentar sussurrar como eu. É a criatura mais inconsequente que conheci até agora.

- Hoje Nork só quer curtir a gobvida um pouco-goru. Nunca se sabe quando vai ser o último dia-goru. – ele então estende um copo cheio de refrigerante – Quer uma gobrefri, Bru-goru?

- Você pagou por isso?

- Não-goru.

- Então devolve!

- O que tá fazendo aí?

- Waaaah!!!

Bruno se vira, pela segunda vez naquele dia alarmado ao ouvir a voz de Nelson.

- E-eu só vim fazer... digo, pegar... – algo pousa na mão direita de Bruno - ... esse refrigerante pra você?

- Oh, valeu! Meteoro-cola é meu favorito!

Os dois são interrompidos pelo som de uma bateria tocando alto e seus rostos se viram para o palco, onde a cortina lentamente se levanta.

- Vai começar! – Nelson comemora, bebe todo o refrigerante em um gole e puxa Bruno pelo braço. – Vamos!

- E-espera! – Bruno tenta ficar no lugar, sem sucesso. Não que fosse adiantar de algo, pois quando olha para trás, não vê nenhum sinal do goblin verde atrás da máquina de refrigerante.

O garoto é arrastado para o centro da pista, onde seu colega aguarda sorridente pelo começo do show. O irmão mais velho de Nelson e seus amigos estão mais à frente, o mais próximo possível do palco. Bruno olha para todos os lados em busca de Nork, frustrado pelo goblin ter desaparecido novamente.

Desalentado, o jovem funcionário do antiquário olha para cima. As cortinas já subiram pela metade e os primeiros riffs de uma guitarra desafinada começam a soar. É possível ver parte dos membros da banda, com o vocalista no meio, guitarrista e baixista, um de cada lado, e baterista no fundo, todos dividindo um espaço diminuto e apertado para eles. A falta de lugar é acentuada pelo fato de todos os músicos serem grandes – tanto em altura quanto em largura – com eles colidindo uns com os outros a cada mínimo movimento.

A vestimenta dos quatro em cima do palco é muito similar ao das pessoas assistindo, com botas, jeans rasgados, munhequeiras, jaquetas de couro e camisas pretas. O que surpreende, porém, são as fantasias de javali. Bruno não consegue deixar de pensar que o poster mal feito não faz jus ao visual real deles. As fantasias são realmente bem feitas, havendo até o esforço de encher as roupas para parecerem que os quatro são peludos por baixo das vestimentas, o que inclusive parece incomodar bastante os usuários. Os braços e peito cobertos de pelo marrom são realistas e incrivelmente convincentes.

- Nós somos a Javali Khaos!! – grita o vocalista, com uma mão agarrando o microfone e a outra fechada em um punho em frente ao rosto - Viemos aqui para javalizar vocês!!

- Yeah!! – gritam os outros homens vestidos de javalis.

- Yeah!! – Nelson repete, empolgado.

A cortina termina de subir, revelando as máscaras usadas por aquelas pessoas. São enormes, peludas, com presas e focinhos incrivelmente realísticos. Alguns até mesmo tiveram o trabalho de colocar piercings nos lábios, nariz e sobrancelhas para deixá-los ainda mais genuínos. Quanto mais Bruno observa, mais se impressiona com a qualidade de tudo. São tão bons que não parecem falsos...

Quando a primeira música começa a ser tocada, o momento que Bruno teve para pensar acaba de imediato. Sem aviso prévio, as pessoas começam a saltar, se chocar umas com as outras, se empurrar e correr em sentido anti-horário de maneira caótica. Enquanto o garoto olha para tudo aquilo assustado e confuso, uma mão o agarra pelo ombro e o puxa para trás no momento em que alguém com o dobro da sua altura iria colidir com ele.

- Você ainda não está pronto para o mosh pit. – diz Nelson, caloroso.

- Por quê as pessoas estão fazendo isso? – pergunta Bruno, genuinamente confuso e tendo que falar alto por conta da música.

- Muita energia acumulada! – responde o cabeludo, momentaneamente sorrindo de maneira estranha mais uma vez – O choque entre ideias, a mais pura manifestação do caos humano! A manifestação máxima de louvor aos Deuses da Destruição!

Para finalizar sua declaração, Nelson retorna ao seu tom de voz e expressão facial normais.

- Um dia você tenta, é a melhor parte do show!

Bruno não responde, pois não entende como aquela atividade selvagem pode ser a melhor parte de qualquer coisa. Nem sequer a música é especialmente boa. O garoto pode não ser especialista no gênero musical, mas consegue perceber quando as notas são tocadas errado, o quanto eles o vocalista é desafinado e o fato das composições serem repetitivas. Sem falar que é um som barulhento e sujo. Ainda assim, quando a primeira música acaba, todos batem palmas. As pessoas no mosh pit interrompem o que estiveram fazendo e Bruno percebe impressionado que todos estão sorrindo e comemorando.

O ciclo se repete na próxima música. O garoto continua sem entender completamente aquele entusiasmo todo pela bagunça e pela confusão, mas dessa vez se sente menos assustado. Por um breve momento, fica até mesmo feliz de estar ali experimentando essas sensações novas.

Pena que essa felicidade dura pouco.

Ao deixar de focar nas pessoas e passar a olhar na direção da banda, Bruno se lembra do real motivo de estar ali. Acima da banda, em vigas de metal que sustentam os holofotes, um pequeno e verde goblin balança a cabeça para frente e para trás enquanto assiste ao show.

A mente acelerada de Bruno imagina Nork ficando tonto, perdendo o equilíbrio e caindo no meio do palco. O show seria interrompido, as pessoas se desesperariam e sairiam correndo, Velho Getúlio iria ficar sabendo que vários jovens ficaram traumatizadas graças à uma criatura que ele não conseguiu conter e que chegou ali por culpa dele. E então, Velho Getúlio usaria o Amuleto do Esquecimento em Bruno, fazendo com que ele esquecesse da maior parte das últimas semanas.

O garoto engole em seco. Ele precisa fazer algo.

Aproveitando um momento de distração de Nelson, Bruno se afasta e vai até a lateral do palco, onde há uma porta vai-e-vem com uma placa indicando que a passagem é apenas permitida para funcionários. Por sorte, alguém passa pela porta e o garoto aproveita a deixa para se esgueirar para dentro.

Ele imediatamente faz a primeira curva à esquerda e começa a subir pelas escadas de ferro atrás da parede do palco. Quando dá conta de si, está no topo, quase dois metros acima do baterista. A plateia continua agitada como antes, ninguém parece ter notado ele e Nork naquele local alto e inusitado.

Bruno sente um frio na barriga ao olhar para baixo, então ele decide focar mais no que precisa fazer. Se ele fosse verificar a iluminação do palco, estaria no lugar certo, mas Nork está em cima das vigas que sustentam os holofotes. Engolindo em seco, o garoto começa a subir no corrimão da escada e se puxar para cima da viga de metal mais próxima.

Ele até tenta se firmar de pé, mas falha completamente. A cada movimento que faz, a viga balança para os lados perigosamente, Bruno acaba olhando para baixo e um forte sentimento de vertigem o atinge. A sua boca fica seca, seu coração bate mais rápido e as pernas perdem a firmeza. Ele nunca achou que pudesse ter medo de altura, mas também nunca precisou passar por um momento sequer parecido com este. O máximo que consegue fazer é deitar na viga de metal e a abraçar com todas as forças.

- Nork! – ele grita, pela primeira vez agradecido pela música abafar sua voz, ele tem certeza que ninguém abaixo vai lhe escutar.

- Olha, se não é o Bru-goru! – Nork se vira, ainda balançando a cabeça e mantendo seu característico sorriso de orelha a orelha.

- Você não acha que está se expondo demais?!

- Aqui tem a melhor vista-goru! – responde o goblin, antes de tombar para um lado e quase cair, mas mantendo o equilíbrio no último momento. – Nork está ficando tonto-goru!

- Eu percebi! Você vai acabar caindo se continuar aqui! Entra na minha mochila e vamos descer juntos!

- Depois de mais algumas músicas-goru! – Nork grita de volta enquanto continua balançando a cabeça.

Bruno abraça a viga de metal em frustração. De nada adiantou a coragem para ter chegado até ali, se ele não consegue fazer com que Nork entre em sua mochila e os dois voltem para a segurança do chão abaixo. Ele tenta pensar em alguma solução, mas não trouxe nada com ele além da mochila em suas costas. O garoto precisa de uma forma de agarrar o goblin sem precisar se aproximar mais.

Uma ideia absurda surge em sua mente, algo compatível com a situação absurda na qual se encontra. Enquanto pensa em todas as opções possíveis, as palavras que leu mais cedo começam a flutuar em sua mente.

- “Um usuário de magia molda a realidade ao seu redor, a adequando às suas necessidades e desejos por meio de sua própria força de vontade.” – ele repete, lentamente, palavra por palavra.

Como que em transe, Bruno estica seu braço direito com a mão aberta na direção de Nork.

- “Se concentrar.”

O garoto respira fundo, se esforçando para esquecer de tudo ao seu redor: a altura em que se encontra, a música alta, todas as pessoas abaixo. Ele se foca para esquecer de tudo, menos de Nork.

- “Acreditar.”

A palavra que ele havia estranhado mais cedo subitamente faz todo sentido agora. Ele precisa acreditar em si mesmo, em sua própria força de vontade, ainda que seja apenas por alguns instantes.

- “Esticar a mão aberta, fazer dois círculos no ar em sentido horário...” – ele recita, ao mesmo tempo que realiza os movimentos descritos no livro – “... fechar o punho e trazê-lo em direção ao rosto, com o cotovelo fazendo um ângulo de 90° perfeito para cima.”

Bruno conclui a série de movimentos e um arrepio percorre seu corpo, junto de uma sensação diferente, como se um choque de baixa voltagem passasse pelos seus braços e pernas. Em uma fração de segundo, antes que o sentimento desapareça, o garoto se lembra da dica final.

- Corda Espectral!

Como se um pavio fosse aceso ao pronunciar aquelas palavras, a sensação eletrizante no corpo do rapaz se concentra toda na ponta de seus dedos.

No mesmo instante, Nork para o seu balançar de cabeça. Uma luz alaranjada começa a percorrer seu pequeno corpo, o envolvendo e pressionando como uma cobra faz ao capturar sua presa. A luz laranja eventualmente para enrolar o corpo esverdeado e o cobrir inteiramente, exceto pela cabeça, que permanece livre. Como toque final, a corda espectral faz um laço nas costas do goblin, um presente para Bruno.

- “Falar o nome da magia em voz alta ajuda.” – Bruno fala para si mesmo, atônito – Eu... realmente fiz isso?

Em choque com o que acaba de presenciar, Bruno não se dá conta do que está para acontecer. Com as pernas amarradas, Nork perde o equilíbrio e tenta desesperadamente se manter de pé, mas não consegue.

Como reflexo, Bruno se estica o máximo possível para tentar alcançar o goblin travesso. Perdendo o sustento, ele próprio escorrega e cai.

A última coisa que o garoto vê após cair, é algo subindo no palco e agarrando Nork antes que ele atinja o chão. Depois disso, algo obscurece a sua visão e ele é cercado por algo macio e malcheiroso em proporções iguais. O som de vozes sendo gritadas se mistura ao som da música ensurdecedora ao seu redor.

- O que caiu em mim?

- Acho que é um fã!

- Sério?! É tudo que eu queria!

- Não, seus idiotas... esse é o...

- Ih, caramba!

- Acabou o show! Obrigado por terem vindo, pessoal!

Os instrumentos param de ser tocados subitamente e a plateia imediatamente reage com reclamações e resmungos.

- Queremos javalizar vocês de novo! – o vocalista grita no microfone, ignorando as súplicas da plateia - Voltem no próximo show!

- Yeah! – três vozes comemoram ao mesmo tempo.

O som de vaias enche o ar.

Em meio a esta confusão, alguém segura Bruno pela mochila e o ergue do local macio e fedorento, justo quando o garoto está se perguntando o que diabos está acontecendo. Ele é colocado no chão por mãos grandes e fortes.

O garoto está no centro do palco, aparentemente o lugar macio e com cheiro ruim em que pousou nada mais era do que o baixista da banda Javali Khaos. Quem o ergueu e colocou de pé no centro do palco foi o guitarrista da banda. Por algum motivo, as cortinas estão terminando de descer, separando a banda do público insatisfeito.

Além de Bruno, existe outra pessoa que não deveria estar ali.

- Eu salvei a criança! – diz Nelson, satisfeito, com Nork em seus braços.

- N-n-nelson?! – Bruno gagueja, se aproximando do colega de classe – O que faz aqui?

- Eu vi tudo! – ele estende Nork para frente como se fosse seu dedo indicador apontando para a cara de Bruno.

- V-viu?

- Sim! Vi você lá em cima se esticando pra salvar essa criança. – ele explica, balançando Nork de um lado para o outro antes de larga-lo de qualquer jeito no chão – Foi irado! Eu teria subido junto, mas aí preferi ficar aqui caso desse algo errado. Mesmo eu adorando lugares altos. Sim, me sinto em casa em locais perigosos.

Ele diz as últimas frases balançando os cabelos longos para trás com orgulho.

- Valeu por pegar o Nork-goru. – diz Nork, que não está mais amarrado e consegue ficar de pé por conta própria.

- E você está fantasiado de quê? – o garoto metaleiro pergunta.

- Nork é um goblin-goru!

- Haha, claro que é! Um goblin vindo assistir um show de homens javalis, essa é boa. Muito criativo, e a fantasia é ótima também.

Bruno suspira, aliviado. Parece que Nelson se convenceu que Nork é apenas uma criança fantasiada. Ainda assim, o garoto acha melhor agarrar o goblin e sair daquele lugar o quanto antes.

- Ei... – uma voz grossa e tímida soa atrás deles.

No canto mais afastado possível, os quatro membros da banda Javali Khaos se encolhem de medo, cada um abraçando algum dos seus objetos: microfone, guitarra, baixo e baquetas. O vocalista parece ser o único com o mínimo de coragem para falar algo.

- Você é o “Moleque do Antiquário”, não é?

- Err, acho que sim? – Bruno responde sem entender para onde a conversa está indo, mas provocando tremedeiras daqueles quatro homens após proferir estas simples palavras de confirmação.

- Estamos encrencados?

- Hãn...?

O garoto olha para Nelson, que coça a cabeça confuso, e Nork, que dá de ombros.

- Acho que- - ele começa, mas é interrompido pelo vocalista da banda, que dá alguns passos à frente. Determinado, ele pisa com tanta força que os garotos sentem os tremores no chão.

- Eu sei que estamos nos arriscando vindo aqui, mas a música é nossa paixão e não podemos viver sem tocar!

- Yeah. – os outros homens javalis falam em coro, ganhando alguma confiança.

- Nós podemos ser brutos, mas estamos dispostos a arriscar nossas vidas pelo que amamos! A música é tudo para nós!

- Yeah! – dessa vez eles gritam, entusiasmados.

- E é por isso...

O quarteto se coloca de joelhos e curva seus corpos até o focinho de javali encostar o chão. Todos eles falam de uma única vez, com vozes tremidas e chorosas:

- Nos perdoe por nos expor aos humanos! Por favor não nos denuncie para o prefeito!

Silêncio. O cérebro de Bruno lentamente percebe o que está acontecendo, mas o choque atrasa sua reação em alguns segundos. Nelson continua a coçar a cabeça, pensativo.

- D-do que vocês estão falando? Eu não sou ninguém hah hah... – o funcionário do antiquário diz, falhando em soar confiante e rindo de nervoso.

- É sim, nós ouvimos as histórias! – um dos homens começa – Dizem que você domou o Nuelo e usou ele pra atirar pereiras flamejantes na Ordem do Escudo de Prata!

- Eu jamais conseguiria isso...

- Você pegou o Saci enquanto surfava com ele!

- Eu não chamaria de surfar e na verdade eu não consegui pegar ele no final...

- Ouvimos dizer que você lutou contra o vampiro português ao mesmo tempo que construía um caixão pra ele dormir dentro! Enquanto colhia alho pra repelir ele!
- Já isso é incrivelmente longe da realidade... Olha, é melhor pararem com essas histórias bizarras ou o meu colega aqui vai acabar achando que vocês são...

Antes de concluir adicionando a palavra “doidos” no final da frase, Nelson começa a anda na direção da banda de javalis, sem falar nada. Bruno engole em seco e observa chocado enquanto o garoto de cabelos longos agarra os pelos no topo da cabeça do vocalista e os puxa com força.

- Aí! Ei, moleque! Qual é a tua?!

Furioso, o vocalista se levanta e brande o punho direito para o metaleiro adolescente. Os olhos do garoto se arregalam e o cabelo se arrepia, aparentemente chocado com a possibilidade de ser socado por alguém consideravelmente maior e com a força de um javali raivoso, Nelson congela no lugar.

- Você é um javalizomen de verdade?!

- Pera aí, javalizomen não! – diz o guitarrista, também se levantando – Somos homens javalis!

- É muito diferente. – esclarece o baterista, ficando de pé – Ficamos até ofendidos com a comparação.

- E saiba que somos a melhor e maior banda de homens javalis que já existiu! – o baixista acrescenta, se erguendo com animação e alça o baixo acima da cabeça.

- Yeah! – todos gritam.

- Até porque somos a única. – fala o vocalista, em voz baixa.

- Vocês... – Nelson começa e dá passos para trás. Bruno se aproxima lentamente do colega e coloca as mãos nas costas dele, temendo alguma reação negativa.

- Nelson, calma. Eu sei que é muita coisa para se absorver, então-

- ... vocês são MUITO metal!!

- Eh?

Pulando e dando um soco no ar de tanta empolgação, Nelson novamente se aproxima da banda de homens javalis, com um sorriso enorme no rosto e literalmente vibrando de emoção.

- Eu já tinha gostado de vocês antes, mas agora virei o fã número 1!

A banda se entreolha, constrangida e feliz.

- É sério? – o vocalista pergunta, sem acreditar.

- Lógico! Como não gostar de vocês?

- Tocamos mal. – um deles diz.

- Não temos ritmo. – complementa outro.

- Nossas letras são ridículas. – finaliza o próximo.

- Isso tudo é detalhe! – diz Nelson – O importante é o sentimento e o comprometimento! Não é, Bruno? Bruno?

- Ugh...

- O que foi?

- Nada, eu só não tô acreditando no meu azar. – Bruno olha para baixo e chacoalha a cabeça para os lados rápida e consecutivamente.

- Por quê? Eles são homens javalis, olha! Muito maneiro!

- A melhor do mundo-goru. – comenta Nork.

- Eles falam demais, isso sim! Não deveriam ter se revelado assim, tão fácil!

A banda se entreolha novamente, confusa.

- Mas você é o Moleque do Antiquário, não é?

- É, mas o Nelson não sabia de nada e vocês já foram falando que são criaturas!

- Iiiihh!! Nos desculpa!

Proferindo guinchos característico dos javalis, a banda novamente se prosta de joelhos e arqueia o corpo até os focinhos alcançarem o chão.

- Ei, qual o problema afinal? – Nelson questiona – Você queria guardar o segredo para si mesmo é?

- Os humanos e criaturas não podem se misturar. Não tá vendo o desespero deles?

Os homens javalis continuam com o focinho no chão, guinchando em sofrimento.

- Por quê?

- Ora, porque... Ah, isso não importa agora! O que importa é que o meu chefe vai me matar!

- Ele sabe também?

- Bora embora, Nelson! – a voz do irmão vem do outro lado da cortina, com um tom de irritação – Demora tanto assim pra pegar autógrafo e tirar umas fotos?

- Ah, minha hora chegou! Outro dia a gente conversa!

- Espera, não! Você não pode sair assim!

- Mas é a minha carona, cara. – ele argumenta, dando de ombro como quem diz que é um problema sem solução - Relaxa, eu sei guardar segredo.

- Mas...

Nelson corre até a lateral do palco para se esgueirar no espaço entre a parede e a cortina, mas logo em seguida volta para dentro.

- Ei, seu chefe tá vindo.

- O-o quê?! – Bruno articula, assustado.

Com um salto, Nork sobe pelas pernas de Bruno, escala as costas do garoto e entra em sua mochila.

- Até Nork sabe a hora de cair fora-goru. – diz ele antes de fechar o zíper.

- Eu vou ficar de bico fechado! – Nelson garante, com um sorriso e um joinha - Nem meu irmão vai ficar sabendo!

- Não é essa a questão!

- Fui!

E assim, Nelson vai.

- Ai meu Deus, ai meu pai... – nervoso, Bruno olha para todos os lados, como se a solução para seus problemas fosse aparecer ali milagrosamente.

- Ei... – o vocalista da Javali Khaos se levanta, sendo acompanhado pelos seus companheiros - ... você não vai nos denunciar para o prefeito, né?

- O quê? Não! Agora eu tô preocupado é com a bronca que eu vou levar!

A banda se entreolha, se sentindo culpada por aquela situação e pelo garoto prestes a ter uma crise nervosa na frente deles. Após alguns instantes, um senhor de idade entra pelo mesmo local que saiu Nelson.

- Bruno? O que faz aqui? Foi difícil te encontrar.

- E-eu posso explicar. O meu colega da escola me chamou pra vir e...

- No meio do trabalho? Não parece muito com algo que você faria.

- S-sim, mas é que... eu recusei a princípio, mas depois... eu vou explicar, tinha um-

- Uma banda de criaturas imprudentes querendo se apresentar para os humanos.

O vocalista da banda avança até ficar ao lado de Bruno, colocando sua pesada e peluda mão na cabeça do garoto. Os companheiros de banda seguem logo atrás. Velho Getúlio estreita os olhos e ajeita os óculos ao olhar para eles.

- Vocês são...

- Orgulhosos homens javalis metaleiros arriscando tudo para fazer uma apresentação medíocre para os seres humanos? Somos mesmo!

- Yeah! – os outros gritam.

- Quando o colega do Moleque do Antiquário – ele continua, batendo na cabeça de Bruno a cada palavra e consequentemente o empurrando para baixo sem querer – falou do nosso show, o rapaz aqui ficou com a pulga atrás da orelha. Ele quis ver se erámos pessoas fantasiadas ou não. Ele tem mais bom senso do que nós.

- Verdade, Bruno? – Getúlio pergunta, arqueando as sobrancelhas.

- S-sim. Eu definitivamente tenho mais bom senso do que eles.

- E por quê vocês não se apresentam na cidade de vocês? – o dono do antiquário contesta.

- Ninguém lá entende de Heavy Metal! Só os humanos!

- Hum...

- O seu garoto aqui parou nosso show bem no começo, então ninguém descobriu nosso segredo. Tá tudo bem.

- Sério, Bruno? – Getúlio questiona, cruzando os braços.

- S-sim. Eu parei mesmo o show bem no começo.

Velho Getúlio leva um longo tempo olhando para cada um dos presentes, como se tentando descobrir se há algo mais por trás de tudo aquilo. Ele não parece estar acreditando em nada do que está sendo dito.

- Bom... – ele descruza os braços – Sendo assim, tudo bem.

Bruno solta o ar dos pulmões, aliviado. Ele genuinamente não esperava essa reação e não gosta de fazer parte de uma mentira, mas por hora se sente aliviado por não ter que enfrentar consequências.

- Então tudo certo! Vamos pra casa, javalizada! – diz o vocalista, sorrindo e dando um último tapinha na cabeça de Bruno.

- É claro, se eu descobrir que alguma pessoa não autorizada percebeu que vocês são homens javalis, – Velho Getúlio diz, em um tom de voz baixo e controlado – terei que trocar uma palavrinha com o prefeito.

- Ah. – os homens javalis congelam onde estão. A tensão no ar se torna quase palpável – Sim. Claro. Vamos, javalizes?

- Yeah... – os outros respondem, dessa vez sem entusiasmo, enquanto começam a arrumar seus pertences.

- Vem comigo, Bruno?

- Vou sim. Só um momento.

O jovem se vira para a banda.

- Tem um bar perto dos limites da cidade que se chama Sonhos Líquidos. Ninguém vai lá e o dono é meio cego. Não vão ter plateia, mas... é melhor do que nada?

Os quatro homens javalis se entreolham, sorrindo.

- Valeu, moleque. A gente se vê por aí.

E assim, Bruno se despede daquela banda estranha e volta para o Canto do Mundo, dessa vez carregando um goblin travesso dentro da mochila. Se sente horrível por não contar tudo para Velho Getúlio, mas decide mentalmente que vai dar um jeito de explicar completamente o que aconteceu. De alguma forma.

Pelo menos ele se lembrou de pagar pelo refrigerante que Nork pegou da máquina. Não quis ficar com ainda mais peso na consciência.


Última edição por Eusine48 em Seg 23 Out 2023 - 16:22, editado 1 vez(es)
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MensagemAssunto: RE: Capítulo 06 – Balançando a Cabeça com Javalis e Goblins   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyDom 8 Out 2023 - 21:18

Olha um Goblin! Espero que ele não seja tão encrenqueiro quanto os Goblins do Goblin Sla... Espera, eu já falei essa piada antes.

Nork até que está bem mais detalhado que antes, mais claro que ele é mais amigável com Bruno se não brincalhão e encrenqueiro.

Um capitulo relativamente relaxante para compensar os cavaleiros de Prata. Mas acho que definitivamente Bruno vai precisar de aliados mais fortes se ele desejar derrotar os Cavaleiros de Prata. Nork nem coopera direito com o Bruno e Nelson não parece que vai durar para sempre...!

Vamos ver como Bruno vai lidar com toda essa situação depois.
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MensagemAssunto: Re: Bruno Santana e o Antiquário da Magia   Bruno Santana e o Antiquário da Magia EmptyQua 22 Nov 2023 - 22:17

Hum. Episódio interessante. Ele me faz lembrar de Earthbound/Mother 3, mas sei que não é inspiração intencional.

Nesses dois jogos aparecem uma banda (diferente para cada jogo), que você ajuda meio que no early game mas que acabam ajudando você lá para o final do jogo. Acho que o tom do seu negócio todo também fez ajudar a lembrar de Earthbound.

Não que eu ache necessariamente ruim, pois você fez um twist bem diferente com a inclusão do Goruzento e o conflito com eles.

Falando nele, achei um pouco preocupante (para a qualidade da história) como a banda identificou ele imediatamente como uma criança, apesar de ser um goblin. Mas o twist da banda em si também ser "mágica" é algo que me fez gostar também.

O fato de que a banda conseguiu identificar imediatamente o bru-bru, por outro lado, achei um pouco estranho. A passagem de tempo desde o último capítulo não é muito óbvia, então parece que o bruno ficou famoso literalmente do dia para a noite. Mas ao mesmo tempo, a cena inicial com o Nork(?) parece fazer a implicação de que foi mais de um dia desde o caso do Nuelo. Ainda assim, a sensação de que pareceu só um dia permaneceu.

A banda também achei que ficou um tanto... unificada? Me fez lembrar de Big Hero 6, onde fora o protagonista, o resto do grupo pareceu muito unificado. Mas no seu caso achei bem menos ruim, já que parecem que vão ser no máximo um personagem recorrente que salva os protagonistas mais pro final da história (espero) ao invés de um dos personagens principais que nem naquele filme.

Enfim, achei um capítulo bem mais forte do que como estava escrito anteriormente. O conflito está bem mais alterado do que o original, fazendo com que as semelhanças com o capítulo do Saci seja menos visíveis (que agora estou confuso pra lembrar se aconteceu ou não lol) e a inclusão dos lobisjaguatiricas é algo original e interessante.
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